Opinião
Como lidar com os generais que rejeitaram, mas não denunciaram o golpe
Como lidar com os generais que rejeitaram, mas não denunciaram o golpe
De MOISÉS MENDES*
Um general que tenha conseguido driblar os golpistas, mas sem enfrentá-los e sem tentar contê-los, pode dizer aos que o acusam hoje de ter vacilado: vocês não sabem o que eu passei.
Pode ser qualquer um desses generais que Braga Netto chamou de cagão. Um dos que o general de Bolsonaro escolheu como alvo das milícias digitais e determinou que fosse cercado e exposto como traidor do golpismo.
Esses militares não enfrentaram um general qualquer. Foram transformados em alvos do ex-interventor do Rio, ex-chefe da Casa Civil, ex-ministro da Defesa e ex-candidato a vice de Bolsonaro na chapa para a reeleição.
Nas escalas de participação ou não em quaisquer planos de conspiração, generais podem ser protagonistas, cúmplices, coadjuvantes, colaboracionistas, figurantes, omissos, indecisos, indiferentes, distanciados, alienados.
Braga Netto foi protagonista, figura ativa ao lado de Bolsonaro, como mostram as mensagens vazadas até agora e outras evidências de antes e depois do 8 de janeiro. E os generais que não aderiram? Esses foram o quê?
Não há entre eles, e nem adianta procurar, um Teixeira Lott, o marechal legalista que enfrentou os colegas golpistas de 1955, todos articulados na tentativa de impedir a posse do presidente Juscelino Kubitschek e seu vice João Goulart.
Não há, nem entre os golpistas, nenhuma figura que possa permitir comparações com a elite militar de 64. Mas o jornalismo de fora das corporações não pode, na busca de simetrias, repetir as mesmas críticas aos que, em 55, em 61 e em 64, poderiam ter feito algo e não se sabe direito se fizeram alguma coisa.
Os generais que não participaram do esquema do golpe de Bolsonaro podem ter sido vacilantes, omissos e blasés. Mas é quase certo que a maioria não teve envolvimento ativo na organização da trama exposta na reunião filmada de julho de 2022.
São inocentes? Chefes militares podem se livrar das acusações de prevaricação e acobertamento, com o argumento do distanciamento devido? Qual é o grau de omissão de cada um dos que Braga Netto poderia definir como cagões?
Quem entre eles poderia ter enfrentado os golpistas e determinado que o entorno dos quartéis deveria ser esvaziado? Qual foi a dimensão do vacilo, mesmo dos que não tinham cargos de chefia, diante do tamanho das ameaças de Braga Netto e sua tropa imaginária?
Nunca saberemos – se o 8 de janeiro não tivesse existido e se os acampamentos continuassem – quem poderia ter enfrentado o poder das facções bolsonaristas dentro e fora dos quartéis.
São dúvidas que nunca serão desfeitas. Que nem por isso se anistie os que vacilaram. Mas não caiam, camaradas, na armadilha de mirar nos generais errados.
Até o imortal Merval Pereira entrou no jogo de desviar o foco para os generais que se negaram a aderir ao golpe e assim afastar da linha de tiro Braga Netto e Augusto Heleno. Parte das esquerdas embarcou na tática do despiste.
Não caiam nessa. Mirem, para identificar golpistas e tentar aprofundar as provas, nas ações dos generais que atacaram colegas, cometendo um dos mais graves crimes militares desde a redemocratização.
Ajudem a denunciar os generais que, obedecendo as ordens de um tenente, atiçaram hienas contra outros generais em postos de comando.
Esqueçam os omissos, por enquanto, porque atacá-los agora é a prioridade dos que amplificam as vozes da direita fardada na grande imprensa.
Prestem atenção nos generais que acionaram grandes empresários para que o levante acontecesse com suporte financeiro em todas as pontas. Milionários que ainda estão na moita, protegidos pelas corporações de mídia que atacam os militares omissos.
Vamos reforçar as tentativas de identificação dos golpistas, e não dos que foram perseguidos por eles por não terem se submetido aos serviçais do tenente.
Os omissos serão chamados mais adiante. Não invertam escolhas decisivas nas urgências, como as que levarão à prisão todos os protagonistas do golpe, do tenente aos generais que a ele se submetiam. Ainda este ano.
*Jornalista em Porto Alegre. Foi colunista e editor especial de Zero Hora. Escreve também para os jornais Extra Classe, Jornalistas pela Democracia e Brasil 247. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
Publicado no Blog do Moisés Mendes.
Imagem em Pixabay.
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