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Opinião

Coloquemos fim ao país de faz de conta

Coloquemos fim ao país de faz de conta

Artigo por RED
04/04/2023 05:30 • Atualizado em 06/04/2023 08:04
Coloquemos fim ao país de faz de conta

De GILSON LUIZ DOS ANJOS*

“País de faz de conta”. Certamente esta afirmação não foi criada por mim, mas recordo bem do dia em que tomou meu pensamento. O ano era 1992 e eu estava trabalhando como fiscal largador de uma linha de ônibus no Mercado Público de Porto Alegre. Fazia poucos dias que eu havia sido designado para aquela função e ainda não conhecia a sistemática cotidiana das pessoas que por ali circulavam.

O episódio que irei relatar aconteceu no meio de uma manhã ensolarada de trabalho naquele terminal de ônibus, no qual um policial militar de serviço chamou a minha atenção para um ato em desacordo com a lei. Na fila de passageiros que aguardavam para subir no ônibus, duas pessoas estavam a roubar um cidadão que iria embarcar no veículo coletivo. Fiquei assustado sem saber o que fazer, pois afinal de contas, em meu modo de entender, cabia a aquele agente de segurança proteger o cidadão. Mas ele nada fez a não ser me mostrar o delito acontecendo.

Passei alguns dias observando com maior cuidado as pessoas que circulavam naquelas filas até compreender a sistemática do espaço. A partir de então algumas vezes consegui, sem alardes, proteger os passageiros destes atos de subtração de seus documentos ou outros objetos. Tamanho o desprendimento destes criminosos que, em algumas oportunidades, os mesmos chegavam a me indagar por qual razão eu estava a atrapalhar o seu trabalho, ao que eu respondia que só estava a fazer o meu.

De lá para cá se passaram muitos anos e me deparei com outras situações que me levam a acreditar que vivemos em um “país de faz de conta”.

Assistimos passivamente a mudanças das leis trabalhistas sempre em desfavor da classe trabalhadora, que sendo a parte mais sensível da corda sempre sai prejudicada a cada nova mudança.

Veiculadas na grande imprensa, sempre encontramos notícias de que políticos e/ou grandes empresários saem ilesos de situações de crime lesa a pátria. Enquanto nos presídios do país as galerias estão lotadas de pessoas com baixo nível de instrução e de renda, sem condições de bancar os grandes escritórios advocatícios que merecem o respeito de juízes filhos da classe burguesa, que desconhecem os fatores que levam uma pessoa da periferia a ser mula do tráfico de drogas.

Quando falamos de saúde, então, a questão é ainda mais séria, pois embora a gente trabalhe e recolha a contribuição de seguridade social que deveria suprir nossas necessidades nos momentos de enfermidades, ficamos reféns de atendimentos precários que não suprem nossas necessidades, pois alguém desviou as verbas da previdência social e com esta ação alijou milhões de trabalhadoras e trabalhadores que dela necessitam.

Lembro também das notícias de hospitais públicos que ficam operando com déficit de recursos, embora boa parte de seu corpo clinico, muitas vezes, ostentam vidas luxuosas. Não bastasse tal fato, os impostos são pagos pelos consumidores, mas muitos empresários insistem em sonegar como forma de ampliar seus patrimônios.

E, apesar deste tipo de atitude, bradarem aos ventos discursos de moralidade ética dos agentes governamentais que eles mesmos subornam para obter vantagens. A lógica do Mercado que se autorregula não se sustenta quando encontramos empresas que insistem em terceirizar seus serviços e alimentam redes de crime organizado como nos recentes casos de trabalhadores resgatados de trabalhos análogos a escravidão.

Garimpo e desmatamento na Amazônia, trabalho análogo a escravidão, não pagamentos dos impostos devidos, falta de efetivos de fiscalização… Tudo isso promovido pelo desmonte do Estado pelas políticas neoliberais. O avanço de práticas neonazistas e de muitas outras ações de preconceito de credo, cor e gênero… Mas todos somos iguais perante a Constituição. Só que não! A justiça não é justa, nem acessível universalmente.

Educação, saúde e segurança de qualidade ainda são consideradas mercadorias acessíveis apenas às pessoas que tiverem como pagar. Na educação ouvimos há décadas que deve ser prioridade, mas os professores estão mendigando para garantir o piso salarial. Muitos se entregam a jornadas de sessenta horas semanais para tentar sanar as necessidades de si e dos seus.

A sociedade brasileira faz de conta que está sendo atendida e faz de conta que cumpre suas obrigações. Faz de conta que é feliz.

Até quando aceitaremos continuar vivendo num país de faz de conta?


*Mestre em Educação. Professor Educação Básica / Lajeado. Email: contato.gilsonanjos@gmail.com

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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