Opinião
Cidades mais vibrantes têm comércio de bairro
Cidades mais vibrantes têm comércio de bairro
De LUIZ RENI MARQUES*
Quem visita Paris, Londres ou Nova York nota que nos bairros dessas cidades globais os moradores e visitantes são abastecidos por mercadinhos e outros pequenos negócios quase sempre localizados há poucos metros das suas residências, escritórios e atrações turísticas. É uma tradição que se mantém e até vem se intensificando nos últimos anos, e se integra à arquitetura e à cultura dessas microrregiões, evitando que construções históricas sejam substituídas por obras que as descaracterizem, muitas vezes, inclusive, de gosto duvidoso.
Os mercadinhos, antigamente chamados, em Porto Alegre, de minimercados, oferecem alimentos, artigos de higiene e limpeza e outros itens. Eles dividem espaço nas calçadas dos centros e bairros próximos e distantes com outras estrelas dessa constelação de micro e pequenos empreendimentos que vão de papelarias, sapatarias, bomboniéres, lavanderias, lojinhas de confecções e de presentes, lotéricas, imobiliárias, lancherias, bares, padarias, salões de beleza a tantos outros. Esses comerciantes costumam tocar seus negócios com a ajuda de familiares e alguns funcionários.
A consequência desse modelo de negócio é como a máxima da galinha que de grão em grão enche o papo. Segundo organismos governamentais que controlam o setor, micro, pequenas e médias empresas contratam mais da metade da mão de obra brasileira e são responsáveis por cerca de dois terços de tudo o que o país produz e que formam o PIB (Produto Interno Bruto). O comerciante local eventualmente recorre aos fornecedores de maior escala, enquanto que as grandes redes de supermercados e as lojas âncoras dos shopping centers têm praticamente 100% do seu abastecimento feito por essas empresas.
Os pequenos recorrem preferencialmente aos sítios e chácaras que gravitam no entorno das cidades para se abastecerem de frutas, legumes, verduras, hortaliças e outros produtos, que chegam (ou eles vão buscar) frescos nos locais onde são produzidos. Utilizam ainda pequenos fabricantes e atacados para a compra da maioria dos demais itens. A fórmula é antiga e se originou das corporações de ofício da Idade Média e segue praticada em quase todo mundo. E, para surpresa de alguns, é ainda mais consistente nos países desenvolvidos do que nos demais.
Esse cenário é cada vez mais comum nas cidades da América do Norte, Europa, Japão, Coréia do Sul, Austrália e Nova Zelândia, paraísos do capitalismo internacional e, agora, também na China, o emergente mais importante da economia mundial. Os grandes empreendimentos comerciais, assim como os industriais, estão instalados longe dos perímetros urbanos, quase sempre às margens de rodovias. O Carrefour, rede francesa que opera também no Brasil, nasceu ao longo das estradas da França, preferencialmente onde duas delas se encontravam. Aliás, Carrefour em francês significa exatamente isso: entroncamento.
Passei uma semana em Luxemburgo, no ano passado, e queria comprar camisetas de times de futebol para os meus filhos, que eram vendidas em uma loja de material esportivo alemã, cuja única unidade no país ficava em um shopping center. Peguei um ônibus e desembarquei a 12 quilômetros do centro da capital do Grão-Ducado, em frente a um prédio idêntico aos centros comerciais que existem no Brasil e em todo o mundo. Ao realizar a compra, comentei com o vendedor o fato de ter que percorrer essa distância em uma cidade de apenas 120 mil habitantes para encontrar as camisetas. O rapaz explicou, então, que aquele era o SC mais próximo da cidade e que esses centros não eram permitidos dentro delas.
Os grandes empreendimentos comerciais no chamado Primeiro Mundo estão acostumados a abrir suas unidades em locais distantes. Em Sydney, onde fiquei uma temporada, a rua na beira do mar de Bondi Beach, a mais famosa praia australiana, abriga dezenas de prédios de até quatro pavimentos com seus cafés, bares, restaurantes, lojas de souvenirs, peixarias e outros estabelecimentos de porte pequeno junto às calçadas, além de hotéis, alguns de luxo, todos com poucos quartos. As cadeias hoteleiras mais conhecidas internacionalmente, como Marriott, Hilton, Four Seasons, Accor, Hyatt, Best Western, Radisson e outras ergueram suas torres e resorts em áreas fora do perímetro urbano.
Em todos esses países há o entendimento de que cada negócio deve existir para ter lucro, é claro, mas também e principalmente para proporcionar mais qualidade à vida dos seus habitantes e visitantes, de modo harmonioso e sustentável. Ou seja, cada um na sua. O fechamento das lojinhas de bairro não prejudica somente o proprietário, sua família e seus colaboradores, o que já seria lamentável. Perde toda comunidade que deixa de contar com o conforto de ir às compras na vizinhança, valoriza o bairro que se torna mais agradável e seguro, e vibrante, na medida em que tem uma vida pulsante e não é apenas um amontoado de construções com poucas pessoas transitando.
A televisão francesa exibiu durante algumas semanas um comercial veiculado pelo governo mostrando um grupo de moradores que se mobilizou para comprar em uma pequena loja que vendia o que aqui chamamos de bugigangas e estampou na vitrine o aviso que fecharia as portas em definitivo no final do mês. O dono explicou a uma cliente que não conseguia mais bancar o aluguel e o salário do seu único empregado, além do próprio sustento, e não havia saída senão encerrar a atividade. A casa havia sido aberta pelo seu avô e funcionava no bairro há mais de cinquenta anos.
Não sei se a publicidade institucional fora baseada em fato real, o que soube é que surtiu resultado, alavancando o pequeno comércio em todo o país.
Os micros, pequenos e médios comerciantes e outros empreendedores de diversos setores somam milhões no Brasil e estão em metrópoles como Rio de Janeiro e Porto Alegre, cidades médias como Santa Maria e Maringá e pequenas como Capão do Leão e Parintins. Seja em qual for, quase todos têm o mesmo tipo de reclamação: o excesso de burocracia, falta de apoio governamental, linhas de crédito e outras medidas para que possam sobreviver, crescer e serem competitivos.
Essa realidade é diferente da que existe, por exemplo, na Espanha e na Itália, onde mais de 80% da economia e 70% dos empregos são mantidos pelos empreendedores do comércio, da indústria, da agricultura e da pecuária de menor porte. Os dois países investem em recursos, programas e apoio institucional para que esse segmento se torne cada vez mais pujante, porque entendem que eles foram responsáveis pelo seu crescimento e, também, pelo seu ressurgimento após as guerras em que se envolveram na primeira metade do século passado, quando emergiram dos escombros para se tornarem novamente ricos e desenvolvidos. Espanhóis e italianos se orgulham das suas companhias gigantes como a Repsol e a Fiat, mas também dos barbeiros de Sevilha e dos gondoleiros de Veneza.
Quer saber mais sobre o assunto? O autor explora o tema na segunda edição do programa “Logística na sua Vida”, o novo podcast da RED. Confira:
*Estudou Direito e História. Formado em Jornalismo. Foi repórter em Zero Hora, Jornal do Brasil, o Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Senhor e Isto É, e correspondente free lancer da Reuters, entre outros veículos de comunicação. Redator e editor na Rádio Gaúcha, diretor de redação da Revista Mundo, professor de Redação Jornalística na PUCRS e assessor de imprensa na Câmara dos Deputados durante a Assembleia Nacional Constituinte. Atualmente edita blog independente.
Imagem em Pixabay.
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