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Cidade fantasma

Cidade fantasma

Artigo por RED
23/05/2024 11:04
Cidade fantasma

De NORA PRADO*

Precisei levar minha filha no Pronto Socorro e, como de costume, fomos ao Mãe de Deus, mais próximo da Zona Sul, ali no bairro Menino Deus. Chegamos no Hospital e nos deparamos com um cenário sinistro, todo o grande e alto prédio estava às escuras com todas as luzes apagadas. Nada funcionava, hospital fechado. Demos a volta e rumamos para o Hospital Moinhos de Vento, no Moinhos de Vento, região central da cidade. La chegando, tudo funcionava perfeitamente. A emergência lotada. Chegamos às nove e quarenta e cinco da noite e saímos por volta da meia noite. Do trajeto de volta à zona sul, não encontrei um carro sequer. Se já tinha sido inusitada a viagem de ida, pela facilidade e fluência por conta do baixíssimo nível de trânsito naquela hora, o retorno foi ainda mais espetacular. Parecia cenário de filme. A cidade deserta, ninguém nas ruas e muito menos nas avenidas.

Isso me lembrou do estado de suspensão total das atividades de lazer na capital. Não existe mais vida noturna em Porto Alegre. Bares e casas noturnas fechadas, assim como Teatros e cinemas, com exceção dos shoppings. Por outro lado, as pessoas também estão exaustas e sem o menor clima nem disposição para a boemia. Nunca fiz este trajeto do centro até a minha casa numa velocidade tão rápida. Tivemos a dimensão do estado atípico que nos encontramos. Sem válvula de escape para espairecer esses dias tenebrosos.

Vivemos um momento de grande apreensão e tristeza no qual centenas estão voltando às suas casas destruídas e fazendo o balanço geral das perdas. Outros estão retornando aos seus locais de trabalho, igualmente arrasados, para limpar, organizar e pensar em como retornar ao trabalho. Fábricas, indústrias e empresas atoladas na lama e com seu estoque de produtos inutilizados, bem como máquinas e equipamentos estragados ou insumos perdidos.
Um imenso contingente de comerciantes paralisados e desesperados frente a calamidade monumental. Numa reportagem de televisão, numa loja de calçados do centro da cidade, a dona muito abalada, contabilizava as perdas e o prejuízo com centenas de pares da sapatos deteriorados assim como malas e artigos de viagem.

Não admira que ninguém tenha ânimo para sair ou festejas qualquer coisa nesse momento crítico. Estamos de luto, é verdade. Estamos abalados emocionalmente e exaustos fisicamente. O trabalho braçal de limpeza e remoção dos entulhos é algo que demanda muita energia por vários dias. Recém começamos, natural que isso se estenda por muitas semanas e até meses, tamanha extensão do estrago. Uma amiga me envia as fotos da sua casa alagada aqui no mesmo bairro que o meu, Ipanema. Os inquilinos não voltarão, naturalmente. Uma colega do meu filho teve a sua casa alagada e ela e a família seguem hospedados num hotel. O guarda noturno da quadra da minha mãe também teve a casa inundada e perdeu tudo. Está na casa do filho. Alguns alunos do nosso curso de Teatro que moram em Guaíba também tiveram suas casas submersas, uma tristeza. Não quem não conheça alguém que tenha sido afetado diretamente pela catástrofe. E isso, evidentemente, nos atinge também. Não há como ficar imune às tamanha dor e sofrimento. As pessoas nos abrigos seguem tentando se reerguer aguardando ações e políticas públicas do governo na solução dessa situação.

Por hora, seguimos neste compasso de adágio fúnebre, enlutados e deprimidos com os desdobramentos da inundação, mas também atentos e disponíveis para essa empreitada imensa da reconstrução do patrimônio do Rio Grande do Sul. Força gauchada, vai passar!

Porto Alegre, 22 de maio de 2024.

*Atriz, Coaching para Cinema e Televisão, Arte Educadora, Poeta e Fotógrafa.

Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

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