Opinião
CENTRO CELSO FURTADO: Nosso adeus ao ilustre companheiro, Samuel Pinheiro Guimarães
CENTRO CELSO FURTADO: Nosso adeus ao ilustre companheiro, Samuel Pinheiro Guimarães
De CECI VIEIRA JURUÁ*
CENTRO CELSO FURTADO: Foi com profundo pesar que recebemos a notícia do falecimento do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, em 29 de janeiro de 2024. Expressamos nossas mais sinceras condolências à família, amigos e companheiros de jornada a partir de nota escrita pela conselheira Ceci Vieira Juruá.
Foi na virada do século XX para o XXI que conheci Samuel Pinheiro Guimarães , por ocasião dos FSMs/ Fórum Social Mundial, realizados em Porto Alegre. Foram ocasiões históricas em que se formou uma frente latino-americana, lutando com garra e coragem, contra flechas envenenadas que nos ameaçavam enquanto nações ainda soberanas. Assim entendíamos naquela ocasião as propostas da ALCA e do Plano Colômbia, lançadas por representantes do Império . Surgia também a proposta de um primeiro leonino Acordo Multilateral de Investimentos, o terrível AMI!
Espaço criado e inicialmente administrado por movimentos sociais e organizações da sociedade civil, o primeiro FSM ocorreu em janeiro de 2001, em Porto Alegre. Além de evento cultural, literário e político, foi um momento de alegria e solidariedade, quando o portunhol se afirmou como “a nossa língua” e viabilizou o debate de ideias e ideais, quase um primeiro passo na construção de nossa unidade política.
Naqueles encontros, pioneiros para a juventude da minha época, destacaram-se algumas personalidades do mundo acadêmico da França, especialmente François Chesnais e Susan George, do Uruguai veio nossa grande estrela – Eduardo Galeano -, do Brasil destacavam-se os professores Maria da Conceição Tavares (UFRJ) e Emir Sader (UERJ). No primeiro FSM, como representante do CORECON-RJ, organizei, juntamente com o professor Miranda, uma mesa sobre a Amazônia brasileira.
Voltando de Porto Alegre, com muito “gás”, alegria e a bandeira OUTRO MUNDO É POSSÍVEL, nossos corações e mentes demandavam ardentemente a continuidade e aprofundamento dos debates e propostas apresentadas em Porto Alegre. O desmantelamento do Estado brasileiro, durante o primeiro governo FHC, havia sido um golpe duro, antidemocrático e contrário às esperanças de todos os que lutavam por um OUTRO MUNDO. Alca, Plano Colômbia e AMI, despontavam como terríveis ameaças para nossas democracias participativas.
Minha primeira lembrança de Samuel Pinheiro Guimarães remonta àquela época. Convidado pelos movimentos sociais, entre os quais se destacava o democrático e combativo IERJ (Instituto dos Economistas do Rio de Janeiro), Samuel Pinheiro Guimarães brilhou no primeiro grande debate sobre a conjuntura política, realizado no auditório da ABI (Associação Brasileira de Imprensa). Argumentação lúcida, clara, nos lábios o sorriso cativante e a posição clara: uma não reação da nossa parte, contra os projetos dos agentes imperiais – ALCA E PLANO COLÔMBIA – significaria estar em um patíbulo, oferecendo ao carrasco a corda que nos enforcaria. Cerca de 500 pessoas lotavam, então, o auditório da ABI. Palmas e mais palmas comemoraram a lucidez do orador. Através de Samuel, e de outros grandes companheiros, dizíamos NÃO ao jugo imperial que nos queriam impor.
Samuel era sempre ovacionado. Grande orador, dotado de imensa cultura, sua liderança impunha-se rapidamente em qualquer auditório. E já era autor de obra considerada clássica: Quinhentos anos de periferia. Uma contribuição ao estudo da política internacional (Ed. UFRGS; Contraponto, 1999).
Nesses mesmos anos, declarou em entrevista à Isto É :
O cenário internacional é de extraordinária instabilidade política, arbítrio, violência. Há estagnação econômica nos três principais polos da economia mundial – Japão, União Europeia e Estados Unidos. Há grande concentração de riqueza e marginalização, xenofobia dentro dos países desenvolvidos. A situação é muito desfavorável, mas vejo que está emergindo um sistema multipolar. Além desses três, há a Índia e a China. Outros podem surgir. […] A globalização se mostrou altamente assimétrica, os fluxos de capital gerados eram especulativos e destroçaram economias. No Brasil, houve uma abertura irrestrita da economia, sem nada exigir em troca. Tradicionalmente, os países abrem seus mercados a partir de negociações porque abrir significa aumentar importações. Libera-se o movimento de capitais, mas se exige, por exemplo, que os investidores contribuam para o movimento exportador. Isso não foi feito. No Brasil, abriram-se o setor financeiro, de mineração, telecomunicações, energia… Talvez não conhecessem bem a estrutura do poder mundial.
Depois estreitamos laços de amizade e houve um período em que formamos um grupo que conversava regularmente com Samuel em Brasilia, analisando questões da atualidade econômica e política. Sua argumentação coincidia com a orientação técnica e intelectual de Celso Furtado. Enfatizava que tínhamos um grande opositor, os Estados Unidos da América, cuja estratégia política em relação ao Brasil “tem como seu principal objetivo apoiar governos brasileiros que sejam receptivos às iniciativas políticas americanas no hemisfério e, em geral e simultaneamente, manter canais de diálogo aberto com a oposição”.
Esta foi sua linha central de pensamento e de ação em defesa do nosso desenvolvimento com soberania e justiça social. Em 2019 ele já preparava outra obra do mesmo porte, intitulada O império americano e o futuro do Brasil. Como Celso Furtado, Samuel dedicou-se integral e permanentemente à compreensão dos problemas da nação, em profundidade, e à pesquisa de como poderíamos nos defender de opositores tão hábeis quanto ambiciosos.
Nosso amigo foi um combatente exemplar nas trincheiras do Brasil Soberano, um típico brasileiro à altura das exigências da pátria. Nos céus será recebido com todas as honras. Entre nós será mais um brasileiro ilustre que integrou nosso Conselho Deliberativo do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.
Termino esta modesta homenagem com frase do próprio Samuel no clássico Quinhentos Anos de Periferia. Quase uma lição de aula magna:
A estratégia ideológica [dos Estados Unidos da América, para com o Brasil] , que é central para todas as demais [estratégias], procura convencer a elite e a população brasileira do desinteresse e do altruísmo americano em suas relações com o Brasil, inclusive com o objetivo de garantir o apoio da elite brasileira à ideia de liderança americana benéfica no continente e no mundo.
*Doutora em Políticas Públicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Mestre em Economia pela Université Montpellier, França; graduada em Economia pela Universidade Cândido Mendes. Foi professora universitária em diversas instituições do Brasil, consultora de entidades nacionais e estrangeiras e exerceu diversos cargos de direção em instituições governamentais. Foi vice-presidente da Federação Nacional dos Economistas e Conselheira do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro. É membro do Conselho Consultivo da Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Unificados (CNTU).
Foto: Acervo Centro Celso Furtado, 2015.
Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.
Toque novamente para sair.