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Brasil registrou um conflito no campo a cada quatro horas em 2022

Brasil registrou um conflito no campo a cada quatro horas em 2022

Geral por RED
17/04/2023 13:10 • Atualizado em 17/04/2023 12:42
Brasil registrou um conflito no campo a cada quatro horas em 2022

Dados da CPT apontam que Amazônia é principal foco de disputas

Em 2022, foram registrados 2.018 casos de conflitos no campo, envolvendo 909,4 mil pessoas e mais de 80,1 milhões de hectares de terra em disputa em todo o território nacional, o que corresponde à média de um conflito a cada quatro horas. Os dados constam no relatório anual sobre violência no campo, divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) nesta segunda-feira, (17). Esses números indicam incremente de 10,39% em relação ao ano anterior, quando houve o registro de 1.828 ocorrências totais de conflitos rurais.

Essas ocorrências abrangem não apenas as disputas específicas pela terra, mas também a disputa por água, trabalhadores regatados em condições análogas às escravidão, contaminação por agrotóxico, assassinatos, mortes e outros casos de violência.

“Nos últimos dez anos, foi só em 2020 que tivemos um número geral de conflitos maior do que esse, em plena pandemia. Por isso, os números do ano passado são muito graves”, observa Isolete Wichinieski, da coordenação nacional da CPT.

Em termos de conflito pela terra, foram 1.572 ocorrências no país. O número representa aumento de 16,70% em relação ao ano anterior.

Ao todo, 181.304 famílias viveram diante da mira desse tipo de conflito no Brasil, o que dá 4,61% a mais que o registrado em 2021. Os casos inseridos nesse eixo são as ocorrências de violências contra a ocupação e a posse e contra as pessoas, além das ações coletivas de ocupação de terras e acampamentos.

Amazônia sob ataque

Das unidades da federação com índices mais elevados de conflitos por terra, quatro integram a Amazônia Legal. A região concentrou, em 2022, um total de 1.107 conflitos no campo, o que representa mais da metade de todos os conflitos ocorridos no país (54,86%), aponta o relatório.

Outro dado alarmante é que, dos 47 assassinatos no campo registrados no Brasil no ano passado, 34 ocorreram na Amazônia Legal, o que representa 72,35% de todos os assassinatos no país.

“A curva ascendente na Amazônia Legal a torna um dos mais graves epicentros da violência no campo na atualidade”, diz a CPT no levantamento. O relatório descreve a região da maior floresta tropical do planeta como “palco de exploração e devastação, criando um verdadeiro campo minado, no qual foram atingidas 121.341 famílias de povos originários e comunidades camponesas em 2022”.

Os dados da CPT também apresentam os principais causadores desses conflitos. No ano passado, os fazendeiros foram responsáveis por 23% das ocorrências de conflito por terra, seguidos do governo federal, com 16%. Em seguida, aparecem empresários (13%) e grileiros (11%). A principal mudança em relação ao ano de 2021 foi o crescimento da participação do governo federal nos conflitos por terra, que saltou de 10% para 16%.

Áreas de fronteira agrícola na Amazônia têm registrado índices crescentes de conflito. É o caso da Zona de Desenvolvimento Sustentável (ZDS) Abunã-Madeira (Amacro), que engloba 32 municípios localizados no sul do Amazonas, leste do Acre e noroeste de Rondônia, compreendendo uma área de mais de 454 mil quilômetros quadrados. A região tem sido palco de crescente número de conflitos por terra nos últimos anos, tendo como foco sobretudo comunidades tradicionais, como territórios indígenas. Em 2022, foram registrados 150 casos de conflitos por terra nessa região especificamente, o terceiro número mais alto dos últimos dez anos, segundo a CPT.

“A comissão tem observado que, de 2004 para cá, está havendo mudança no foco desses conflitos, que deixaram de ser, em sua grande maioria, com os sem-terra, de disputa pela terra e contra a reforma agrária, para conflitos que vão para cima das comunidades, especialmente indígenas, por meio da grilagem mesmo ou invasões”, destaca Isolete Wichinieski.

Trabalho escravo

O relatório da CPT indica que, ao longo de 2022, foram notificados 207 casos de trabalho análogo à escravidão no meio rural, com 2.615 pessoas envolvidas nas denúncias e 2.218 resgatadas, o maior número dos últimos dez anos. Em comparação ao ano anterior, o aumento foi de 29% no número de pessoas resgatadas e 32% no número de casos.

O levantamento revela que o estado de Minas Gerais concentrou o maior número desse tipo de violência (62 casos com 984 pessoas resgatadas), seguido por Goiás (17 casos com 258 pessoas resgatadas); Piauí (23 casos com 180 pessoas resgatadas); Rio Grande do Sul (10 casos com 148 pessoas resgatadas); Mato Grosso do Sul (10 casos com 116 pessoas resgatadas) e São Paulo (10 casos com 87 pessoas resgatadas). Esses números referem-se exclusivamente às pessoas resgatadas no meio rural, que representam 88% desses casos no país. Os outros 12% são casos de trabalho escravo em áreas urbanas, que não são incluídas no relatório.

“Esses dados não representam o total de pessoas que trabalham em condições subumanas no campo brasileiro, uma vez que nem todas as ocorrências são notificadas ou mesmo descobertas”, diz a entidade.

De acordo com a CPT, o agronegócio e as empresas de monocultivos são os principais responsáveis pela situação de trabalho degradante flagrada no país. Apenas no setor sucroalcooleiro, por exemplo, 523 pessoas foram resgatadas no ano passado.

Chuva de agrotóxicos

Outro agravamento das violações no meio rural foi observado com o aumento dos casos de contaminação por agrotóxicos. Foram 193 pessoas atingidas, um crescimento de 171,85% em relação ao ano de 2021.

O número de famílias afetadas pela aplicação de veneno nas lavouras somou 6.831, o que representa 86% a mais que 2021 e o maior número registrado pela CPT desde 2010, quando esse tipo de violência passou a ser apurada pela Pastoral.

Mulheres e crianças

Outro número divulgado pelo relatório é o de tentativas de assassinatos. Em 2022 foram notificadas 123 ocorrências desse tipo de violência, um número 272% maior que os 33 registrados em 2021. Em seguida estão os dados de ameaça de morte, que também aumentaram na comparação entre 2022 e 2021, passando de 144 para 206, com crescimento de 43,05%.

Boa parte dessas violências por conflitos no campo atingiram especificamente mulheres. Foram seis assassinatos, número que se iguala aos ocorridos em 2016 e 2017. Os demais tipos de violência sofrida pelas mulheres em 2022 foram a ameaça de morte (47, resultando em 27% do total), intimidação (32, com 18%), criminalização (14, com 8%), tentativa de assassinato (13, com 7%) e agressão e humilhação (9 cada uma, com 5%).

Crianças e adolescentes passaram a estar na mira desse tipo de violência durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. De 2019 a 2022, segundo os números levantados pela CPT, foram nove adolescentes e uma criança mortos no campo. Desses, cinco eram indígenas. Entre os dados de violência contra a pessoa, a morte em consequência de conflito registrou 113 casos, sendo 103 na Terra Indígena Yanomami, com 91 vítimas crianças, representando 80,5% dos casos. O povo Yanomami viveu, nos últimos anos, um agravamento da crise humanitária de saúde e segurança em meio à invasão de suas terras por garimpeiros.

“O futuro das comunidades indígenas está ameaçado, não só pela invasão de suas terras e o assassinato de lideranças, mas por impedir a existência das próximas gerações”, afirma Isolete. A dirigente da CPT cobra do novo governo que cumpra a promessa de resgatar as políticas de proteção territorial e de reforma agrária, que demanda orçamento e pessoal. Ela também cobra a reforma e ampliação do programa de defensores de direitos humanos, para enfrentar as graves ameaças e impedir o assassinato recorrente de lideranças comunitárias no campo.


Matéria publicada pela Agência Brasil.

Foto: Divulgação/Polícia Federal

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