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Bolsonaro zomba da Justiça, posa de “vítima” e faz campanha livremente
Bolsonaro zomba da Justiça, posa de “vítima” e faz campanha livremente
Por BENEDITO TADEU CÉSAR*
O papel do Procurador-Geral da República e do STF na postergação dos inquéritos de Bolsonaro e seus aliados: impactos nas eleições e a impunidade dos articuladores do golpe de 8 de janeiro
Nos últimos meses, o cenário político brasileiro tem sido marcado por um jogo de manobras que favorece, deliberadamente ou não, Jair Bolsonaro e seus aliados.
A atuação do Procurador-Geral da República (PGR) e do Supremo Tribunal Federal (STF) na condução dos inquéritos que investigam os crimes do ex-presidente tem gerado indignação.
A ampliação repetida dos prazos para a conclusão dessas investigações não apenas favorece Bolsonaro e os políticos, empresários e militares a ele vinculados, mas também levanta suspeitas sobre a conivência ou a leniência dessas instituições diante de atos graves que ameaçaram a democracia.
Enquanto manifestantes que participaram da invasão de 8 de janeiro são rapidamente punidos, os articuladores e beneficiários desse golpe fracassado, incluindo Bolsonaro e seus filhos, continuam blindados pela morosidade do sistema judicial.
Inquéritos contra Jair Bolsonaro: um ciclo de adiamentos
Desde que deixou a presidência, Jair Bolsonaro está no centro de uma série de investigações que, em qualquer sistema de Justiça minimamente célere e eficaz, já deveriam ter resultado em sanções contundentes.
No entanto, o que se vê é uma verdadeira “dança dos prazos”, na qual a Justiça parece trabalhar para proteger o ex-presidente e seus asseclas.
O Inquérito das Fake News (INQ 4781), por exemplo, que apura a participação de Bolsonaro em um esquema coordenado de desinformação e ataques às instituições democráticas, se arrasta sem fim.
Esse inquérito, que deveria ter como objetivo expor e punir os responsáveis pela radicalização do eleitorado bolsonarista e pelos ataques às bases democráticas, tornou-se mais um exemplo do descaso com a Justiça, marcado por sucessivas prorrogações que apenas reforçam a impunidade.
Além disso, outros inquéritos, como o Inquérito 4878, que investiga a gestão desastrosa da pandemia de Covid-19, e a investigação sobre as joias sauditas, envolvendo militares e aliados próximos, estão paralisados pela mesma letargia.
A conclusão do inquérito da Polícia Federal que apura uma possível articulação do ex-presidente Jair Bolsonaro para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022 foi adiada. Inicialmente prevista para setembro, a investigação foi postergada e segue em curso.
Informações atribuídas pela imprensa à assessores da PGR, dão conta de que o Procurador Geral teria decidido não apresentar denúncia antes das eleições municipais para “não politizar” a decisão. Contrariamente ao alegado, caso a informação seja verdadeira, ela revela uma postura essencialmente politizada do próprio Procurador Geral da República.
Enquanto isso, o ex-presidente, que deveria estar respondendo por sua irresponsabilidade, continua atuando politicamente, influindo nas eleições de 2024 e preparando-se para as eleições de 2026, como se nada tivesse acontecido. De forma zombeteira e provocativa, Bolsonaro ousou afirmar, em vídeo em apoio ao seu candidato na cidade do Rio de Janeiro, divulgado dias antes da eleição: “Eu acho que eles não querem nem me prender mais. Reunir com traficantes tudo bem, mas reunir com embaixadores é criminoso“. Mesmo afrontada, a Justiça Eleitoral não impôs, até agora, qualquer medida punitiva.
A impunidade para os organizadores e beneficiários do golpe de 8 de janeiro
A disparidade no tratamento entre os que executaram diretamente a invasão de 8 de janeiro e os que arquitetaram o golpe é um retrato da seletividade da Justiça brasileira. Centenas de manifestantes, muitos dos quais foram manipulados por uma campanha de desinformação, foram rapidamente condenados. No entanto, os organizadores, incitadores e principais beneficiários do golpe – Jair Bolsonaro, seus filhos, empresários e militares aliados – permanecem imunes à responsabilização.
Efeitos catastróficos para a democracia
A ampliação dos prazos dos inquéritos não é apenas uma questão jurídica, mas uma questão profundamente política, com consequências devastadoras para o futuro da democracia brasileira. Ao permitir que Bolsonaro e seus aliados escapem da Justiça, ainda que temporariamente, as instituições estão reforçando uma percepção perigosa: a de que as principais lideranças da extrema-direita no país estão acima da lei.
O efeito disso é triplo.
Enquanto os inquéritos não são concluídos, a Procuradoria Geral da União não se manifesta oficialmente, o que gera uma espécie de limbo jurídico-político, que beneficia enormemente a atuação política de Bolsonaro e seu clã, pois Bolsonaro nem se torna réu nem é inocentado.
Apresentando-se como perseguido e zombando da atuação da Justiça, Bolsonaro e seu clã atuam fortemente durante todo o período eleitoral de 2024, apoiando integrantes do seu campo político para as Prefeituras e Câmaras Municipais, o que lhes dará maior poder político e beneficiará enormemente sua atuação nas eleições de 2026, para os governos estaduais e federal.
Por fim, a impunidade prolongada de Bolsonaro e seu clã alimenta a descrença nas instituições democráticas, dando força ao discurso antissistema que eles mesmos propagam.
Se as instituições não agirem com rapidez e rigor, o Brasil corre o risco de consolidar um estado de impunidade permanente, no qual líderes políticos como Bolsonaro se fortalecem à custa da fragilidade democrática.
*Benedito Tadeu César é cientista político e professor universitário e integrante das coordenações do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e da Rede Estação Democracia RED.
Foto da capa: Bolsonaro em campanha 2024, no Ginásio do Guarani FC, 29/09/2024 – Crédito: Leonardo Vieira/Sampi Campinas
Leia também o texto de Lênio Streck – O tempo que conspira a favor de Bolsonaro
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