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ATENTADOS CONTRA A RAZÃO
ATENTADOS CONTRA A RAZÃO
De SOLON SALDANHA*
Me impressiona como a extrema-direita gosta de sofrer atentados. Seus candidatos parecem atrair a presença de psicopatas e fico pensando se não seria pela afinidade de comportamentos. Muito interessante também é como esses episódios acontecem. Sempre há uma circunstância pra lá de inovadora e surpreendente. Como por exemplo a facada sem sequer uma gota de sangue, sofrida por Jair Bolsonaro pouco antes do pleito que o levaria à presidência, em 2018. Rendeu a desculpa perfeita para não comparecer a debate algum, alguns dias de descanso da cansativa campanha e milhares de votos frutos do “coitadismo”.
Donald Trump, em meados de julho, teria sido outro a sofrer tentativa de assassinato, durante comício que fazia na Pensilvânia. Quando um tiro supostamente o atinge de raspão ele leva à mão até a orelha e a retira limpinha, como se vê nas imagens que correram o mundo. Então ele se abaixa e, algum tempo depois, levanta com “sangue” em ambas – na mão e na orelha. Claro que desta feita os disparos foram reais, tanto é verdade que uma pessoa da plateia morreu, antes que o atirador fosse abatido por agentes do serviço secreto. Agora, pensem comigo: a bala de um fuzil AR-15, como o encontrado com o atirador, tem quase o tamanho de um dedo. E se desloca na velocidade de 975 metros por segundo, o que equivale a uns dez quarteirões. Então, se tocasse de leve na cartilagem que forma a concha externa do nosso aparelho auditivo, o deceparia instantaneamente. Ele usou um curativinho de gaze, por poucos dias.
Agora no domingo, coincidentemente pouco depois de ter sido divulgada uma pesquisa que mostra Kamala Harris, do Partido Democrata, cerca de cinco pontos percentuais na sua frente, nas intenções de voto, pronto: Trump sofre outro. Entretanto, esse não foi público como o anterior e sim bem privado. No seu campo de golfe particular, situado em West Palm Beach e longe dos olhos de quaisquer testemunhas, um homem teria sido visto cerca de 450 metros distante de onde ele estava e armado. Incrível é que o atirador não deu nenhum tiro, saiu do local caminhando e foi detido pelos seguranças mais adiante, desarmado. Ou seja, depois de facada sem sangue e bala de fuzil quase inofensiva, inventaram a “intenção atentatória”.
Aqui no Brasil temos pelo menos um outro episódio que acabou sendo inserido no anedotário político, tamanho o seu absurdo. Quando José Serra disputava a presidência contra Dilma Rousseff, em 2010, teria sofrido uma “agressão covarde” em evento no Rio de Janeiro. Petistas foram acusados de arremessar contra a sua cabeça, com pontaria precisa, um objeto contundente. Foi retirado do ambiente pelos seus seguranças e encaminhado para fazer uma tomografia. A requisição foi de Jacob Kligerman, médico carioca que havia sido secretário de César Maia e presidente do Instituto Nacional do Câncer, para esse segundo cargo nomeado pelo próprio Serra. Imagens da cena foram recuperadas e reproduzidas com o uso de câmera lenta, mostrando que fora uma pequena bolinha de papel que o atingira. Pior ainda: o arremesso fora feito por um assessor do candidato. Nem integrantes de “Os Trapalhões” teriam sido tão criativos.
Agora, tivemos também um fato no qual as vítimas foram trocadas de lado pela narrativa oficial. Este não ocorreu contra um candidato, mas em favor da manutenção de uma ditadura que claudicava. Em 30 de abril de 1981 estava ocorrendo um show musical no Centro de Convenções do Riocentro, na capital carioca, com cerca de 20 mil pessoas no local. Para justificar a manutenção do aparato de repressão então existente, setores do Exército Brasileiro e da Polícia Militar do Rio de Janeiro planejaram um atentado que, com certeza, teria terminado com muitos mortos. Seu objetivo era culpar grupos que se opunham ao sistema vigente e manter o governo na mão das Forças Armadas. Com cadeados, fecharam os portões de saída, enquanto se preparavam para detonar uma bomba. Vidas seriam perdidas com a explosão e também com as pessoas sendo pisoteadas na tentativa desesperada de fugir do local.
Não deu certo devido ao fato de o artefato explosivo ter sido detonado acidentalmente no colo do sargento Guilherme do Rosário, que com ele estava dentro de um automóvel Puma, no estacionamento, esperando a ordem e o momento de agir. Ele perde a genitália e a vida. Ao seu lado, o capitão Wilson Dias Machado ficou gravemente ferido, mas sobreviveu. Jamais pode falar sobre o caso, tendo sido promovido posteriormente por “bravura”. Entre os vários outros suspeitos se encontrava o truculento general Newton Cruz. Patética foi a apresentação feita pelo Exército para a imprensa, dias depois, com projeção de fotos e a apresentação de uma perícia forjada. Um esquerdista teria aberto a janela do carro e jogado sobre o colo do sargento a tal bomba. Isso foi tão ridículo que resultou na renúncia do general Golbery do Couto e Silva, então Chefe da Casa Civil e tido como a “eminência parda” do governo. E o tiro – ou a bomba – saiu pela culatra, com o episódio acelerando a queda do regime militar.
*Jornalista e blogueiro.
Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades.
Foto: Divulgação
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