Opinião
Atenção! A censura é um refrão que se repete
Atenção! A censura é um refrão que se repete
De CÁTIA CASTILHO SIMON*
“é preciso estar atento e forte,
não temos tempo de temer a morte”
Caetano Veloso e Gilberto Gil
Em meados de março participei de uma live do Espaço Plural, da Rede Estação Democracia junto com o Júlio Sá – Presidente da Associação de Mães e Pais pela Democracia com a mediação do jornalista, Solon Saldanha. Na ocasião, a questão tratada foi a censura ao livro O avesso da pele, ganhador do Jabuti de 2021, do escritor Jeferson Tenório.
Em Santa Cruz do Sul, uma diretora foi às redes sociais denunciar palavras de baixo calão que encontrou no livro. E, pasmem, leu para gregos e troianos, o que considerou inadequado aos alunos da sua escola. E, pior, retirou do contexto, isolando o que achava reprovável. A censura ao livro ganhou corpo, liderada por oportunistas de plantão aqui mesmo em nosso estado; Goiás, Paraná e Mato Grosso do Sul embarcaram nessa canoa furada. Todas as ações foram revertidas. O fato gerou uma contra-onda de apoio ao escritor, bem como da necessidade de se preservar a liberdade de expressão. A censura, neste caso, flopou. O Avesso da pele está, inclusive, na lista dos livros a serem lidos para o vestibular da UFRGS. Fogo nos fascistas!
O debate foi profundo, trouxe considerações importantes na defesa do estado democrático. Consideramos que o fascismo se arma com moralismo de fachada sob o argumento de defender a família e os bons costumes, nos moldes já conhecidos por nós, da velha e desprezível TFP.
O romance é muito mais do que o que a diretora tentou impingir, e o trecho destacado é perfeitamente adequado à narrativa. A coisificação do corpo negro de homens e mulheres precisa ser pensada e desconstruída. As piadas, os mitos criados têm de ser enfrentados. Em uma de suas entrevistas, Jeferson Tenório diz que o tema do romance não é o racismo, mas, sim, o ódio. Infelizmente ações de censura não iniciaram com O avesso da pele, mas esperamos que sejam sempre questionadas e revertidas. Buenas, o debate está disponível no seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=7AeWygZ81dI .
Não há sombra de dúvida que os conservadores têm medo das obras literárias, da arte e lhes apraz à censura. Há uma longa lista de livros, peças teatrais, exposições vetadas ao longo da história. Os fascistas reivindicam para si o direito de propagar suas idéias, mas (…) somente às suas.
No Brasil, recentemente, nos governos pós-golpe da Dilma e Bolsonaro as ações de censura ganharam uma proporção alarmante, pequenos focos pipocaram em diversos estados, com direito a repercussão na mídia e adesões. O aumento do fundamentalismo religioso também contribui para tais ações. Para ilustar o fato, há o inesquecível enfrentamento do youtuber Felipe Neto à censura do prefeito Marcelo Crivella( pastor) ao livro de HQ por mostrar beijo gay. O rapaz comprou os exemplares e distribuiu gratuitamente na Bienal do livro, no RJ , em 2019. Fogo nos fascistas!
Meninos sem Pátria, do Luiz Puntel, A bolsa amarela, de Lygia Boyunga, O diário de Anne Frank, são alguns exemplos do cancelamento proposto por mentes obtusas. O argumento transita pela defesa dos valores da família ao fantasma do comunismo.
Há também o caso da escritora Saíle Bárbara Barreto, advogada e escritora catarinense que mudou de Santa Catarina para o nosso estado a fim de preservar sua integridade física e mental. O livro “Causos da Comarca de São Barnabé” segundo o Ministério Público de Santa Catarina afirma que a escritora, por motivo de vingança, se inspirou em um juiz da Comarca do estado para criar um personagem. Vejam bem, em nenhum momento o nome ou a Comarca está referida no livro, a narrativa é fluida e nos revela os bastidores do dia a dia de um lugar hipotético, mas verossímil.
O tal magistrado ao vestir a carapuça e ver na personagem qualidades suas, parece ter a mesma qualidade intelectual do juiz-marreco, nosso conhecido. O livro de codinome “proibidão” não pode ter trechos divulgados nas redes sociais, mas pode ser adquirido nas boas casas do ramo. E daí que me vem que a censura, neste caso, tem também traços de misoginia. Afinal, a mão sempre é mais pesada com as mulheres na sociedade patriarcal que vivemos.
Por essas e outras, é que devemos estar vigilantes aos casos de censura a livros e a todas expressões culturais. Olhar as obras censuradas e desvelar suas qualidades a despeito do que propagam. Atenção! A censura é um refrão que se repete, por isso – “é preciso estar atentos e fortes”.
*Escritora e poeta; doutora em estudos da literatura brasileira, portuguesa e luso-africanas/UFRGS.
Imagem em Freepik.
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