– Mãe, isso é o paraíso? Perguntou um menino de uns sete anos ao entrar na água da Praia da Pedreira, no Parque Estadual de Itapuã. E não tem cobra? O garoto, maravilhado com o cenário, não parava de chamar a genitora para mostrar o que conseguia fazer na água. Observar a reação das pessoas diante de um cenário onde o ambiente natural é a principal atração é algo me dá prazer, me nutre de esperança (até porque isso tem um significado especial para quem acompanhou boa parte da história para que isso acontecesse).
Adoro me desconectar e me entregar ao puro deleite de ouvir o barulho do vento nas árvores, o murmúrio das ondas suaves. Tudo isso, lá no fundo do horizonte, descortinando o farol de Itapuã. Mas além do relaxamento de me entregar àquela paisagem, sem conexão com a internet – outra baita vantagem do lugar – o melhor foi ter acompanhado a conversa de duas mulheres.
Uma delas, moradora da Capital, completamente extasiada, afirmou: como é que nunca tinha vindo aqui antes? A outra, se sentindo em casa, adiantou: minha família já teve casa aqui. Ela apontou para uma árvore e disse que ficava no pátio da casa de veraneio que vinha na infância. E completou o papo dizendo que hoje reconhece que só consegue desfrutar do local porque o Parque Estadual de Itapuã, uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, foi efetivado. Todos os invasores ou pessoas que tinham casa na área foram retirados.
Se não tivesse sido protegido, aquele pedaço de oásis estaria repleto de condomínios, casas, pedreiras, bares e ocupações irregulares. A história do lugar precisa ser reconhecida por diversos motivos. E eu cada vez me convenço que preciso fazer isso. O asfalto está chegando perto do parque e há rumores que poderá ser concedido à iniciativa privada, o que provavelmente aumentará muito o valor do ingresso.
Começo o texto com esse exemplo – do quanto de iniciativas já foram realizadas, pessoas (salve a Comissão de Luta pela Efetivação do Parque Estadual de Itapuã, saudosa Clepei) e administrações estaduais que focaram no interesse pelo bem comum – porque precisamos buscar inspiração, apreciar casos bem sucedidos da gestão pública. Tem sido bem desafiador acompanhar o que os governos locais têm feito com relação aos rumos de um desenvolvimento a qualquer preço. O tratamento para a soluções de gerenciamento de resíduos, só para citar um aspecto, é algo no mínimo, indignante.
É importante conectarmos a relação do paraíso de Itapuã com resíduos porque o que aparece nas suas areias, que é levado pelo Guaíba, é impressionante. Nas entranhas da mata, nos galhos, em lugares onde a água chegou durante as cheias há incontáveis tipos de plástico. São objetos de vários tamanhos e formatos que foram parar ali devido a um sistema que vive anestesiado e alimentado pelo consumo inconsciente, onde a destinação e a reciclagem são irrelevantes.
Mesmo em lugares distantes, estamos cercados de plástico. E o que a atual administração da Capital faz para mudar esse quadro? Procura todos os envolvidos na cadeia de produção e destino do que a sociedade não quer mais a fim de encontrar soluções sustentáveis?
Não é o que temos visto. Com frequência a categoria de catadores e catadoras fica sabendo das decisões do governo pela imprensa. A gestão dos resíduos na cidade tem deixado muita gente insatisfeita, não só pela sujeira das ruas, mas também porque não há campanhas, iniciativas de educação ambiental e de fiscalização para a que a situação melhore. O gerenciamento dos resíduos, conforme já escrevi aqui em colunas anteriores, está deixando muito a desejar. E o gasto mensal é absurdo!
A parte mais frágil do sistema, quem vive da venda de recicláveis, também está descontente. A ajuda de 670 reais por mês tem custado a sair, mesmo tendo sido aprovada, divulgada com pompa e circunstância. O pessoal ainda tem sentido na pele os gargalos que o próprio sistema capitalista estabelece: preços baixos, dificuldades para comercialização de diversos materiais.
Quem está na luta para se regularizar nas Unidades de Triagem vem sendo penalizado porque precisa gastar uma boa quantia para o pagamento de taxas, licenças e cuidados que os catadores avulsos passam longe para sobreviver do jeito que dá. As catadoras e catadores de UTs gastam boa parte do tempo justamente separando o que dá para vender dos rejeitos, um serviço que não é remunerado pela sociedade.
Todo esse contexto favorece que muito plástico, isopor, solas de sapato etc acabe indo parar em praias de Itapuã, onde fica o encontro da Lagoa dos Patos com o Guaíba. Por tudo isso e muito mais que precisamos tanto desopilar em lugares paradisíacos. Fechar os olhos e imaginar futuros desejáveis, respirar ar puro também ajuda a projetarmos um amanhã melhor. Creio que foi assim que fizeram os jovens inquietos no século passado, que não sossegaram enquanto o Parque Estadual de Itapuã não fosse efetivado.
*Jornalista e artivista. Atua na área ambiental desde 1993.
Publicado originalmente em Sler.
Foto destacada do acervo da autora.
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