Opinião
As falências do SVB e do CreditSuisse são… Crises bancárias?
As falências do SVB e do CreditSuisse são… Crises bancárias?
De ANDRÉS FERRARI HAINES* e MIRELLI MALAGUTI**
Segundo a diretora do FMI, Kristalina Georgieva, 2023 será um ano difícil “com o crescimento global caindo abaixo de 3%, à medida que os efeitos do conflito na Ucrânia e o aperto monetário continuam se consolidando”. Os países ocidentais, induzidos pela Federal Reserve dos EUA, têm mantido taxas de juros elevadas para controlar a inflação, justificada pelos efeitos das sanções econômicas aplicadas à Rússia. Essa perspectiva foi agravada pelos temores de uma crise financeira de dimensões semelhantes à de 2008, após o colapso do Silicon Valley Bank, do Signature Bank e do Silvergate.
A secretária do Tesouro, Janet Yellen, afirmou que a intervenção oficial era necessária para proteger o sistema bancário dos EUA, em geral. Essas entidades receberam do Tesouro, da FED e da Federal Deposit Insurance Corporation planos para garantir seus depósitos. Temendo um efeito dominó, 11 bancos depositaram US$ 30 bilhões no First Republic. Além disso, bancos de médio porte pediram aos reguladores federais que garantissem todos os depósitos de seus clientes por dois anos, uma medida que poderia ajudar a conter um “êxodo de depósitos” de bancos menores. Embora essas medidas tenham trazido alívio ao sistema bancário, um estudo recente revelou que cerca de 200 bancos do país podem ter complicações financeiras ainda não detectadas, com exposição de US$ 300 bilhões em depósitos segurados.
Apesar da significativa ajuda monetária prestada a estas entidades, o presidente da FED, Jerome Powell, afirma não prever alterações na política de juros elevados este ano, considerada como prioridade no combate à inflação, que ainda é considerada elevada.
Juros não é vida
Para James K. Galbraith essa nova crise sistêmica bancária foi forjada pelo próprio FED que elevou as taxas de juros com a justificativa de que haveria um excesso de demanda na economia, embora a queda de salários reais, frente a inflação. Ao mesmo tempo a autoridade monetária expandiu moeda para salvar os bancos. Segundo Galbraith, isso se deve fundamentalmente ao desejo de preservar os retornos do sistema bancário. “com total desconsideração por seu mandato de pleno emprego (…) O Fed trabalha como um sábio monetarista republicano me disse há muitos anos para os maiores bancos.” O objetivo é preservar o valor do dólar: “os grandes bancos, que operam em todo o mundo, dependem do dólar todo-poderoso de Deus”, diz Galbraith, pelo que se segue a linha de Paul Volcker que em 1981 “aumentou as taxas de juros nas nuvens.”
Se por um lado, os juros mais altos conseguem fortalecer os grandes bancos globais, atraindo recursos externos, de outro, podem enfraquecer os bancos menores – que também enfrentam menor pujança econômica de seus clientes. Como os juros altos não estão atingindo as verdadeiras fontes de inflação, seu impacto direto tem se dado sobre a população,em especial, nos preços dos alimentos.
Segundo relatório do Urban Institute, houve um aumento de 20% para 24% entre dezembro de 2021 e dezembro de 2022 na proporção de adultos que relatam insegurança alimentar nos EUA. Outra pesquisa da CNBC revelou que 58% dos americanos vivem do dia a dia, com uma queda de 64% em 2022 para 55 na saúde financeira geral dos americanos. De acordo com o Census Bureau, em julho passado, quatro em cada dez adultos indicaram dificuldade em financiar despesas familiares normais, enquanto 70% dos entrevistados relataram sentir altos níveis de estresse sobre suas finanças devido à inflação, incerteza econômica e aumento das taxas de juros.
Os dados revelam que um possível colapso do sistema bancário ocorreria em um contexto bem diferente da crise de 2008, que se deu após um período de prosperidade. Nos últimos 15 anos, assistiu-se a um acentuado empobrecimento da maioria da população, que se traduz numa quebra da esperança de vida, com os grupos mais pobres vivendo dez anos menos que os mais ricos.
“Grande demais para cair”: o retorno
A brutal concentração de riqueza nos EUA começou na década de 1970, mas se agravou com a resposta oficial à crise de 2008 quando, sob o lema “grande demais para cair”, os grandes agentes foram socorridos, enquanto os pequenos perderam seus bens. Como afirma Roy Sebag, “embora as condições financeiras que levaram às recentes corridas aos bancos sejam, de certa forma, muito diferentes das condições subjacentes ao início da crise financeira de 2008, muitos em praça pública hoje sentem que grande parte da ansiedade, raiva e a confusão subjacente a essa definição de um período de geração nunca realmente desapareceu”.
Sebag cita a Nassim Taleb argumentando que os resgates de 2008-2009 foram um “caso flagrante de socialismo corporativo e uma recompensa para uma indústria cujos gerentes são detidos pelos contribuintes”. Taleb expõe a perversidade da atual política do Fed porque é justamente a impressão do dinheiro do resgate “que efetivamente desinfla os salários da classe média” – que então sofre os altos juros justificados para combater a inflação. Taleb critica que essas crises bancárias surgem por causa daqueles que assumiram riscos excessivos ao realizar operações financeiras, que “depois imploraram ao governo por resgates quando perceberam” que seus depósitos estavam em risco. “Todo mundo é libertário até ser afetado por juros mais altos”, conclui.
Por isso John Rubino afirma que a políticas de juros altos dos bancos centrais que se anunciava, cedeu, do nada, às emissões massivas para salvar os grandes bancos. Falando na Cúpula de Washington da American Bankers Association, depois de justificar as políticas oficiais de resgate, Yellen argumentou que “um sistema bancário seguro e sólido é parte integrante da saúde da economia americana”.
No entanto, Yellen, durante seu depoimento perante o Comitê de Finanças do Senado, não posso garantir ao senador James Lankford que todos os depósitos bancários comunitários em seu estado de Oklahoma foram totalmente segurados como os do Silicon Valley Bank e Signature Bank. Yellen disse que o resgate só é concedido quando se considera “que a falta de proteção dos depositantes não segurados criaria um risco sistêmico e consequências econômicas e financeiras significativas”.
Suíços para o resgate
A crise do Credit Suisse simultânea à crise bancária nos EUA gerou temores de que estaria em curso uma crise bancária mundial. O governo suíço teve de intervir para possibilitar que o Credit Suisse fosse adquirido pelo UBS por mais de US$ 3 bilhões, com apoio oficial – por meio de empréstimos garantidos urgentes de US$ 118 bilhões. O Banco Nacional Suíço também poderia fornecer ao UBS um empréstimo de assistência à liquidez com status de credor preferencial de falência, totalizando até US$ 108 bilhões após a aquisição. Ainda assim, estima-se que cerca de 30% dos seus funcionários serão demitidos.
Simultaneamente, o Comitê de Finanças do Senado dos EUA divulgou sua investigação sobre o próprio Credit Suisse, acusado de ser cúmplice de uma “conspiração maciça e contínua” para ajudar americanos ricos a sonegar impostos. Esse comportamento do banco consiste em uma violação de um acordo judicial de 2014 com o Departamento de Justiça dos EUA, que se comprometeu a reprimir a evasão fiscal de seus clientes americanos, a quem confessou ter ajudado “consciente e intencionalmente” em mais de US$ 700 milhões.
Moral das falências bancárias
Enquanto a população deveria estar sujeita ao livre mercado, “os banqueiros são socorridos e os maiores bancos e banqueiros estão ainda melhor”, diz Robert Reich, ex-secretário do Trabalho, antes de afirmar: “Os bancos americanos querem o socialismo para si e o capitalismo para todos os outros”.
Com efeito, os cidadãos suíços serão vítimas também do que o senador Ron Wyden chamou de “uma conspiração maciça e contínua para ajudar cidadãos americanos ultra ricos a sonegar impostos e fraudar seus concidadãos”. Se, como afirma Yellen, há que socorrer aos grandes que podem trazer ‘um risco sistêmico’, os demais que cruzem seus dedos à sorte do livre mercado.
*Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
**Professora do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Imagem em Pixabay.
As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.
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