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Opinião

As cercas nos controlam?

As cercas nos controlam?

Artigo por RED
08/06/2023 05:30 • Atualizado em 11/06/2023 10:59
As cercas nos controlam?

De LEONARDO MELGAREJO*

Na Semana Mundial do Meio Ambiente nada parece mais relevante do que a destruição causada pelos cercamentos a que nos submetemos.

Cercas físicas, que permitem a apropriação privada e a concentração obscena dos territórios, com suas implicações sobre a fome e a miséria crescente de centenas de milhões de pessoas.

Cercas jurídicas, que justificam não apenas a validação de castas sociais e feudos modernos, como também a depredação indecente das bases da vida e a exclusão, a perseguição, o encarceramento/eliminação dos que se revoltam contra isso.

Cercas psicológicas, montadas a partir de processos educacionais e distribuição de privilégios ou ameaças, apoiadas em mecanismos de premiação e castigo, amortecendo a capacidade de compreensão e impedindo a reação organizada da sociedade. Cercas que corroem a solidariedade familiar e obliteram a compreensão de mecanismos de manipulação intencionalmente aplicados (e eficazes) com vistas à construção e manutenção da apatia e da ignorância coletivas (Agnotologia e a produção da ignorância).

Nesta ampla mistura de cercamentos atuam bloqueadores que nos impedem de enxergar os verdadeiros inimigos, os verdadeiros culpados pela manutenção de todas as cercas. Étienne de La Boétie escreveu sobre isso, alertando para a facilidade com que muitos de nós preferem ser servos voluntários, abraçando argumentos de opressores à exercer autocrítica emancipatória e, através dela, seguir por caminhos libertadores em defesa dos direitos humanos, dos bens comuns e do acesso às construções civilizatórias. Parece, de fato, ser mais fácil transferir as responsabilidades, fugir delas, do que assumir o enfrentamento dos medos e desafios que a vida impõe.

Mas a realidade mostra que por este caminho as vitimas se tornam cúmplices de seus algozes. E a repetição de experiências desastrosas neste sentido deveria ser suficiente para mostrar que uma leitura efetiva da realidade exige convicções, disciplina, método. Com isso, ao menos perceberíamos estar imersos em algo maior do que os sentidos revelam e que se faz necessário estudar, questionar, discutir, retornar ao tempo em que levávamos em conta os sinais indicadores de descaminhos, e formar alianças para evoluir ao longo dos papeis que desempenhamos em vida.

Vejam o pouco caso atribuído ao Dia do Fogo e às 700 mil mortes da COVID. Vejam o simbolismo (verdadeiro acinte, se conscientemente arquitetado) contido no fato daqueles criminosos do vale do Javari terem escolhido o dia Mundial do Meio Ambiente e da Ecologia, comemorado esta semana, para assassinar, há um ano, Bruno Pereira e Dom Phillips.

Aquelas atrocidades, como tantos outros crimes relacionados à prepotência e à ilusão de impunidade que caracterizam os beneficiários dos cercamentos que nos reprimem, não podem ser esquecidos. Antes disso, devem ser usadas, hoje e sempre, inclusive por respeito aos martirizados, como chamamentos à razão e à necessidade de empenho coletivo para a superação da condição desigual de existência imposta às maiorias. Aquilo aconteceu e continua acontecendo, porque o permitimos. E se repetirá, multiplicado por milhares, enquanto a inconsciência coletiva fortalecer lideranças com propensão a estimular a progressão do mal ali evidenciado.

De outro lado, a coragem, a coerência e a determinação de pessoas como Bruno, Dom e tantos outros que, sabendo dos riscos (cerca de 1700 ambientalistas foram assassinados apenas entre 2010 e 2020) mantém a firmeza e não se afastam da boa luta, precisam ser reconhecidas, reafirmadas e enaltecidas.

Precisamos popularizar estes exemplos, que se repetem nas atividades cotidianas das mulheres que sustentam famílias, dos jovens que resistem à sedução do tráfico e das milícias, dos povos indígenas que lutam pelo direito à existência, das deputadas sob ameaça na câmara federal, bem como de toda e qualquer pessoa que se oponha, conscientemente, às cercas que os golpistas/fascistas tratam de estender, no presente, sobre o futuro deste pais. Precisamos dar estímulos e visibilidade a isso, para despertar e contagiar nossos pares, lembrá-los de que uma vida sem causas, sem consciência, se faz desperdiçada, carece de valor e sentido.

O momento é positivo porque nesta semana em que se comemorou o Dia Mundial do Meio Ambiente, seus principais algozes no Brasil foram desmascarados e estão expostos de uma maneira que parece ser definitiva. Aquela mitologia de honestidade com que se envolviam Bolsonaro, Moro, Dallagnol, os militares e juristas gananciosos que os cercavam e protegiam, os religiosos sem escrúpulos e os formadores de opinião por eles alugados, entre tantos outros oportunistas, veio abaixo e já não resiste a um sopro.

As denúncias de Tacla Duran e de Tony Garcia, ainda que tão somente corroborem o que todos sabíamos, são avassaladoras a tal ponto que até o presidente do PL acaba de saltar fora do barco pirata. Não restará motivo para dúvidas de que o Brasil estava (e está) sendo roubado por canalhas associados em articulação criminosa que contaminou a todos os setores da institucionalidade. Aquele grupo que confundia seus desejos com convicções e fatos, que desmoralizava as instituições republicanas e que por pouco não acabou com a democracia e a civilidade brasileiras, agora se encaminha para o destino reservado a canalhas flagrados com batom nas cuecas. Eles deixam de ser objeto de sedução e fascínio para os tolos, liberam seus puxa-sacos a buscar outros pavões e passam a assumir, em definitivo e extensivo a familiares, aquela conotação de antiexemplo execrado, que corporifica a desqualificação em forma humana. O cerco, sobre eles, está fechado e não escaparão da prisão.

Com isso seus admiradores mais discretos, superada a vergonha, poderão retomar uma vida digna, colaborando com processos de lenta reconstrução nacional. Aos demais, àqueles que ganhamos consciência a cada dia em que nos percebemos cientes da enganação armada pela casta dos donos de todas as cercas, restará fortalecer os grupos que estão aí estão, a mostrar caminhos para rompê-las. Vamos juntos, com eles, reconstruir aqui uma nação verdadeiramente soberana.

Me refiro especificamente, mas não apenas, ao MST, enfrentando sua quinta CPI, aos Povos Indígenas em sua luta contra o Marco Temporal, aos Juristas da AJD, aos Jornalistas da Mídia Ninja e aos comunicadores da RED (Rede Estação Democracia), Brasil de Fato, Rede Soberania, entre tantos outros, anônimos ou não, que estão por aí, fazendo a diferença.

Me refiro ao protagonismo de todos, em casa, nas ruas, nas escolas, nos espaços de trabalho e de lazer coletivo, defendendo e apoiando atitudes do governo Lula que, acredito, apenas assim se mostrará mais confiante e audacioso em defesa de um Brasil includente, soberano, autônomo e comprometido com as lutas globais em defesa da vida.

Ou conseguimos isso, ou veremos milícias determinando, com avisos em paredes, aquilo que pode e o que não pode ser feito pelo povo, em cada quebrada de todas as cidades deste pais.

Em complemento, deixo abaixo a música de Carlos Hahn, baseada no poema de Roberto Liebgott/CIMI Sul: Demarcação Já!


*Engenheiro Agrônomo, mestre em Economia Rural e doutor em Engenharia de Produção. Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio  e presidente da AGAPAN. Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.

Foto destacada é do autor, registrada em passagem pelo Maranhão.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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