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Opinião

Arremate! Vencer de novo e consolidar a vitória!

Arremate! Vencer de novo e consolidar a vitória!

Artigo por RED
07/10/2022 10:16 • Atualizado em 07/10/2022 15:24
Arremate! Vencer de novo e consolidar a vitória!

De SEBASTIÃO VELASCO E CRUZ*

Foi por muito pouco. Não liquidamos a fatura no domingo, mas alcançamos uma vitória memorável. Apesar da sórdida campanha de difamação nas redes e da tática desesperada do insulto lançado face a face em mal denominado debate, Lula venceu Bolsonaro no primeiro turno por 5 pontos percentuais e mais de 6 milhões de votos.

Não aquilatamos bem o tamanho do feito se não o colocamos em perspectiva e não indicamos a natureza do embate. Em 2 de outubro Lula recebeu 48,43% dos votos válidos (o segundo melhor resultado obtido pelo PT nesta etapa da eleição presidencial, praticamente igualando o obtido por ele em 2006 (48,6%), quando conduziu a disputa em pleno exercício do mandato de Presidente. E ao fazer isso não derrotou um candidato situacionista normal, mas uma gigantesca sociedade celerada, que se valeu criminosamente do poder público para alavancar sua propaganda (confisco do 7 de Setembro na comemoração do bicentenário) e comprar o favor do eleitorado (distribuição bilionária de benesses à última hora).

O seu chefe acabou não se saindo tão mal na foto. No último instante papou alguns pontos a mais do que lhe atribuíam as pesquisas de intenção de voto. Mas não há nada de surpreendente neste fato. Assistimos a deslocamentos até maiores no passado, e os ganhos obtidos em nada afetaram o desempenho do oponente. O que vimos em 2 de outubro foi a antecipação do segundo turno, reproduzindo-se em linhas gerais a polarização que desde 1989 tem marcado as eleições presidenciais brasileiras. Nada que diminua o alcance da vitória de Lula, portanto.

Naturalmente, quando focalizamos as eleições para o Congresso e governos estaduais o quadro muda de figura. Não que o PT e a federação por ele liderada tenham feito má figura. O PT obteve 4 assentos no Senado, dos 27 em disputa — contra 5 sobre 54, em 2018 — e 68 deputados federais, quase recuperando na Câmara o terreno perdido depois do pleito de 2014, no qual conquistara 70 cadeiras. Com o PCdoB e o PV, a Frente Brasil Esperança compõe a segunda maior bancada na Câmara, com 80 deputados (12 a mais do que no presente), representando 13,9% do total de votos válidos. Além disso, terminou o 2 de outubro com mandato para governar 4 estados, e credenciado para disputar o governo de dois dos maiores colégios eleitorais do país, São Paulo e Bahia, este último fora da coluna dos mandatos obtidos por alguns décimos.

O que inquieta quando redirecionamos o olhar são os resultados alcançados pela extrema-direita bolsonarista nesses dois terrenos da disputa política eleitoral. Convém insistir, a extrema-direita bolsonarista, pois se nos fixarmos nos partidos de direita em geral sua parcela no bolo desta vez não foi muito maior do que no passado próximo, depois do grande salto dado em 2018. Este, como sabemos, explica-se pela crise de representação partidária expressa no fenômeno Bolsonaro e no conjunto de caras desconhecidas ou exóticas que se elegeram em sua esteira. Mas a tendência de erosão dos partidos da direita tradicional vinha se desenhando já há algum tempo, como o estudo de Adriano Codato e colegas, de 2015, apontava com exatidão. O chocante agora é perceber que — apesar da incúria, dos escândalos em série, da conduta criminosa de Bolsonaro e asseclas durante a pandemia — esse impulso não se esgotou garantindo à sua facção vitórias emblemáticas, como as de Damares, Ricardo Sales, e do general Pazuello – para não falar na virada produzida nos últimos dias por seu ex-ministro Tarcísio Freitas, em São Paulo.

Ainda que perturbadoras, essas vitórias não foram obtidas, principalmente, contra o PT ou as forças progressistas, embora estas tenham colhido derrotas doídas, como a de Freixo, no Rio de Janeiro, e a do grande Olívio Dutra no Rio Grande do Sul.

O caso gaúcho e o paulista ilustram bem esta afirmativa. Olívio foi vencido por pequena margem em um embate que sempre se soube seria acirrado. A novidade não foi o resultado final, mas a identidade do vitorioso – o general Hamilton Mourão, que dias antes aparecia nas pesquisas muito atrás da ex-Senadora Ana Amélia, política tradicional, mas como ele direitista de quatro costados. A esquerda foi muito melhor aí do que o imaginado – tanto na disputa pelo senado, quanto na eleição para o executivo estadual, que não levou ao segundo turno o candidato azarão do PT, mas o ex-governador Eduardo Leite, por margem ínfima de votos. Em São Paulo a votação de Haddad não ficou muito distante do que lhe atribuíam as pesquisas, patamar mais do que suficiente para assegurar sua passagem ao segundo turno bem à frente do adversário. Num caso e no outro, o que houve foi a migração do voto conservador ao candidato da direita mais bem posicionado para barrar o caminho da esquerda, e em ambos o bolsanarismo foi o grande beneficiado por esse comportamento estratégico.

Direita, centro e esquerda são categorias abstratas empregadas para definir posições relativas no espaço político. Mas em cada país, e em cada época, elas ganham substância e passam a descrever os alinhamentos característicos das respectivas sociedades. A política brasileira no pós-ditadura não foge à regra. Desde a eleição de Collor de Mello, em 1989, foi nítida entre nós a conformação dos dois campos políticos, que desde então nunca deixaram de se confrontar nas disputas presenciais. Em 1994, o êxito da política de estabilização monetária garantiu a eleição de Fernando Henrique Cardoso e ensejou a formação do bloco de centro-direita que por décadas canalizou o voto conservador no País (o outro campo foi estruturado, como continua sendo, em torno do PT). A decisão demo-tucana de contestar os resultados das urnas em 2014 e de remover Dilma Rousseff da Presidência, alteraria drasticamente essa situação. Os fatos estão ainda bem frescos na memória de todos, é desnecessário arrolá-los. Basta dizer que no afã de liquidar o adversário político a centro-direita – em suas distintas expressões político-sociais, com destaque para o complexo judicial-midiático – moveu uma campanha feroz de estigmatização contra o PT e cometeu o seu erro fatal: para ocupar as ruas liberou o gênio maligno da extrema-direita, que até então mantinha-se preso na garrafa. Os resultados são conhecidos: quatro anos depois, nas eleições de 2018, seu candidato à Presidente da República não obteve mais que 5% dos votos, enquanto a representação na Câmara de seu partido dirigente (o PSDB) caía à quase metade (de 54 para 29 deputados).

Pois bem, apesar de sistematicamente antagonizado pelo bolsonarismo, este setor – que reúne o fundamental da grande burguesia internacional-associada, partes significativas das elites estatais, e os segmentos mais sólidos da alta classe média urbana – jogou fora os quatro anos que tinha à frente para se reorganizar politicamente, fato patenteado no fiasco da assim chamada “terceira via”. Essa incapacidade intrigante deve ser detidamente estudada no futuro, mas – sem desprezar o efeito dissolvente dos interesses menores que alimentaram as suas dissensões internas — desde já é possível indicar um elemento do problema: o equívoco estratégico de imaginar, neste ano, uma disputa em duas frentes não hierarquizadas, quando o fundamental para ele era negar a extrema direita a liderança do campo conservador no Brasil, alijando do segundo turno a figura de Bolsonaro.

Assim, a última etapa da eleição presidencial coloca a sociedade brasileira diante da escolha dramática entre as forças democráticas encarnadas na figura ímpar de Luís Inácio da Silva, e o neofascismo bolsonarista, cujo projeto declaradamente autocrático de poder, com os avanços realizados na Câmara e no Senado, teria agora chances reais de vir a ser efetivado.

As primeiras pesquisas no tenso interregno em que estamos confirmam os resultados das precedentes, sugerindo a vitória de Lula por ampla margem. Mas não temos o direito de nos iludir. O bolsonarismo fará o impossível para reverter essa expectativa, e já sabemos que os seus métodos sujos dão resultado.

O que fazer para derrotá-los? Nos últimos dias, respostas tentativas a essa pergunta têm se multiplicado. Não vou entrar no debate com um receituário próprio. Limito-me a duas observações de caráter geral, para terminar.

Por razões que desconheço, embora algumas delas possam ser facilmente imaginadas, a coordenação da campanha Lula Presidente optou no primeiro turno por uma estratégia de “baixa intensidade” que reservava escasso papel ativo a seu eleitorado. Nas semanas que nos separam da hora da verdade, essa orientação precisa mudar. Vai ser necessário mobilizar no limite o poder multiplicador dos votantes, muni-los de material de campanha e instruí-los sobre como se organizar para travar a batalha.

Com esse esforço coletivo não tenho dúvidas de que a vitória será nossa. Mas entre a eleição de Lula e sua posse haverá um intervalo de 2 meses, em que o Brasil estará à mercê dos derrotados, que não se comportarão como adversários vencidos, mas como inimigos rancorosos, empenhados em inviabilizar a transição e condenar o governo Lula ao fracasso. E não será outro o móvel da oposição, sob a liderança de Bolsonaro.

Para enfrentar o duplo desafio, será preciso a meu ver combinar duas coisas. 1) Isolar a extrema-direita, favorecendo – nos mais diversos âmbitos – a emergência e o fortalecimento de uma “oposição leal” – vale dizer, dar expressão orgânica à frente democrática que se constitui agora; 2) manter e ampliar a mobilização político-social produzida na campanha do segundo turno.

Pois a vitória em 30 de outubro é só o começo. Os maiores desafios virão em seguida, quando começarmos o trabalho de reconstrução nacional.


*Professor Titular do Departamento de Ciência Política da Unicamp e do Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UNESP/UNICAMP/PUC-SP.

Foto divulgação no site do Partido dos Trabalhadores (PT).

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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