Opinião
Amat victoria curam
Amat victoria curam
De SANDRA BITENCOURT*
A etimologia latina da palavra opinião remonta a opinari, que quer dizer “entender que”. Já os sentidos do termo pública podem ser entendidos de diferentes formas. A junção de ambos – Opinião Pública– tornou-se um conceito tão múltiplo quanto seus usos concretos nas disputas políticas mais diversas. De fato, o conceito de opinião pública é difícil de apurar, mas seus elementos factíveis permitem nos aproximar do fenômeno. Para formação da opinião concorrem, necessariamente, o acesso à informação e a garantia de liberdade de expressão, presentes nos Estados democráticos. Dois aspectos, no entanto, precisam ser destacados: a laicidade do Estado que permite haver opiniões que podem ser debatidas sem chocar com entendimentos dogmáticos e a necessária regulamentação jurídica das liberdades, ou regramento da sociedade sobre quais os limites e modulações são necessárias a garantir expressão sem favorecer o crime e o ódio. É bom lembrar que como diria o autor francês Jean Baechler, a opinião pública “é feita de cognições de estatuto duvidoso em termos de verdade [porque não equivalem necessariamente a conhecimentos].
O fato é que desde o século XIX já havia preocupação com a opinião coletiva ou opinião pública. Na Guerra da Crimeia (1853-1856), o The Times enviou um correspondente para cobrir o acontecimento. Houve um aumento exponencial das vendas do jornal, uma vez que o povo britânico tinha interesse no desempenho de seus soldados. A experiência passou a ser reproduzida em todos os conflitos armados e a importância da opinião pública passou a ocupar lugar de destaque em qualquer estratégia de conflito, além de garantir uma receita incrível aos meios de comunicação. A guerra passou a ser travada também na comunicação social. Essa imagem é importante porque vivemos na atualidade uma condição de propaganda permanente e guerra híbrida cada vez mais sofisticada (pensando aqui estritamente na dimensão comunicacional do termo). Toda a terminologia é bélica e o campo minado dos exércitos e milícias digitais mostra o quanto esse ambiente simbólico, mas com efeitos reais e monetizáveis, precisa ser compreendido e dominado palmo a palmo.
Se estamos em guerra, quais deveriam ser as nossas armas? Esta é uma pergunta fundamental. Quando surge uma “bomba” que pode afetar a opinião pública, o que fazer? Como se processa, circula, define e impacta a opinião pública nestes tempos de conexão intensa e caos bem produzido e bem remunerado?
Segundo a Safernet, as denúncias sobre crimes de ódio cometidos na internet aumentaram 67,7% em 2022 no Brasil. A xenofobia foi a categoria com maior aumento em relação ao ano anterior, com 874% de crescimento. De acordo com a instituição, também houve aumento em todos os tipos de delitos digitais denunciados. O segundo maior crescimento aconteceu nas denúncias de intolerância religiosa, seguido de misoginia, com respectivamente 456% e 251% de crescimento. O levantamento também apontou que 2022 foi o terceiro ano eleitoral seguido em que houve aumento nos reportes de crimes desse tipo na internet.
O ódio é mais rentável e mais efetivo para capturar atenção. Mas talvez deva-se dizer que essa nova sociabilidade digital não apenas alterou os processos de opinião pública, como vem moldando um novo modo de vida e consumo de todo tipo.
Talvez o humor seja o único estado de espírito capaz de fazer frente à raiva. Foi assim que o linguista paranaense Pablo Jamilk experimentou um desgaste na rede de mentiras da extrema-direita. O professor decidiu empregar seus estudos em Linguística Cognitiva para um experimento: criou nomes cacofônicos, claramente impossíveis, utilizando fotos retiradas da própria Internet para fundamentar notícias urgentes sem pé nem cabeça, mas que atendessem expectativas do público bolsonarista. Assim fabricou falsas notícias com protagonistas chamados Benjamin Arrola, Kukuri Oso, Jhalim Habbey e as disseminou propositalmente nas redes sociais, gerando regozijo nas redes bolsonaristas num primeiro momento, com milhares de compartilhamentos, e depois revolta diante da montagem bem humorada, provocando, segundo o autor, a saída e esvaziamento de força dos grupos.
Essa torrente de combate digital com humor seria uma artimanha defensável e eficaz para combater teorias da conspiração absurdas? E se assim for, caberia tal caminho em uma estratégia de comunicação institucional e pública? É uma hipótese para capturar e influenciar positivamente a opinião pública em temas de interesse público urgentes?
Evidentemente este texto tem mais questionamentos que respostas. Sobretudo porque a velocidade que se espera das respostas institucionais de comunicação não se consegue obter no mesmo fluxo que as redes subterrâneas operam. Cientes que a resposta não é célere e digital o suficiente, muitos clamam pelo modo “Janones” de enfrentar os debates públicos e influenciar a opinião. Não há dúvida que seu olhar aguçado para compreender a dinâmica das redes é eficiente e talvez indispensável, mas em que lugar, de que torre de observação deveria partir essa mirada?
O título em latim deste texto pode ser traduzido como a vitória ama a cautela. É uma frase que consta do poema “Carmen LXII”, do poeta romano Caio Valério Catulo (84-54 a.C.), adotado como lema pelo imperador Matias (1557-1619), que governou o Sacro Império Romano-Germânico entre 1612 e 1619.
Nesta era de urgências, fenecimento veloz dos fatos e novas ocorrências a cada segundo, partilhadas à exaustão, talvez de fato, seja o momento da cautela, da escuta do que está sendo produzido, pesquisado e pensado por tantos especialistas, ativistas e pesquisadores da área. Faria bem e seria prudente ouvi-los.
*Doutora em comunicação e informação, jornalista, pesquisadora e professora universitária.
Imagem em Pixabay.
As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.
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