?>

Curtas

AJD lança nota sobre situação análoga à escravidão na serra gaúcha

AJD lança nota sobre situação análoga à escravidão na serra gaúcha

Geral por RED
28/02/2023 09:34
AJD lança nota sobre situação análoga à escravidão na serra gaúcha

A Associação Juízes para a Democracia, coletivo de magistrados comprometidos com a promoção dos direitos fundamentais e com a defesa dos valores do Estado Democrático de Direito, se manifestou através de nota sobre o caso dos trabalhadores das vinícolas Salton, Garibaldi e Aurora, na serra gaúcha, em situação análoga à escravidão.

Após a denúncia de seis homens que conseguiram fugir do local onde viviam, o caso ganhou repercussão nacional e mobilizou a Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF) e agentes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que resgataram os demais trabalhadores.

A AJD, que opina sobre tudo o que diz respeito à organização e distribuição de Justiça e formula sugestões para alterações legislativas e de aprimoramento da administração da Justiça as nossos tribunais, presta solidariedade aos trabalhadores e problematiza a reforma trabalhista, em especial ao que diz respeito à terceirização do trabalho.

Leia abaixo a íntegra da nota:

A Associação dos Juízes e Juízas para a Democracia (AJD), tendo em conta os graves fatos trazido à luz por conta de ação fiscalizatória do Ministério do Trabalho e Previdência em empresas vinícolas da Serra Gaúcha que resgatou 200 trabalhadores mantidos em situação análoga à escravidão, vem a público:

– manifestar irrestrita solidariedade aos trabalhadores vítimas da delinquência patronal, muitos deles trazidos da Bahia sob falsas promessas para trabalhar na safra da uva. Tal prática antissocial e discriminatória de aliciamento laboral que visa unicamente diminuir os custos do trabalho é condenada internacionalmente e sua persistência em nosso Estado é motivo de vergonha para todos os gaúchos. O Rio Grande do Sul é formado por muitos filhos e netos de imigrantes que, um dia, também para cá vieram em busca de melhores condições de vida e trabalho. Cabe aos poderes públicos acolher, com presteza e eficácia, as justas demandas desses trabalhadores como reparação mínima; assegurando o pagamento dos salários e direitos que lhe foram sonegados, integral indenização pelos danos sofridos e, se for o caso, também seu retorno ao estado de origem.

– exaltar o exemplar trabalho dos auditores-fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, procuradores do Ministério Público do Trabalho e policiais federais envolvidos na operação que libertou duas centenas de trabalhadores, realizado sabidamente em difíceis condições, tendo em conta as graves reduções orçamentárias impostas aos órgãos de fiscalização do trabalho pelo governo anterior que, por mais de uma vez, manifestou seu total desprezo pelo mundo do trabalho.

– lembrar, como a AJD e as entidades representativas do mundo do trabalho têm sistematicamente denunciado, os malefícios da terceirização irrestrita do trabalho, tal como foi instituído pela Reforma Trabalhista de 2017 que, na contramão das normas internacionais para promoção do Trabalho Decente como preconiza a Organização Internacional do Trabalho (OIT), instaura a precarização do trabalho e a discriminação dos trabalhadores terceirizados. A responsabilização de todas as empresas da cadeia produtiva é uma exigência legal, não podendo as empresas tomadoras pretender se eximir de sua responsabilidade de fiscalizar as condições de trabalho dos terceirizados. Esta é uma inexorável tendência internacional que, cada vez mais, encontra eco em nosso país, haja vista o Pacto Nacional contra o Trabalho Forçado (2005) coordenado pela OIT e pelo Instituto Ethos de Responsabilidade Social, pelo qual um número expressivo de empresas públicas e privadas se compromete a não comprar produtos feitos com mão-de-obra escrava e a contribuir para a eliminação de todas as formas de trabalho forçado e degradante na cadeia produtiva. Assim, também, importante ressaltar a importância do “Cadastro de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à de escravo (Lista Suja)” do Ministério do Trabalho e Emprego, que permite a restrição do acesso a créditos e financiamentos por dois anos das empresas que utilizam trabalho forçoso.

– apontar como vítima desse tipo de delinquência também a própria sociedade, uma vez que estabelece um inaceitável retrocesso social, a comprometer o projeto nacional de eliminação da miséria, de redução da pobreza e o fim da discriminação no trabalho, tal como consta na Constituição-cidadã de 1988. Fica clara a ocorrência de um dano coletivo que haverá de ser reparado pela firme atuação da Justiça brasileira.

– exortar a sociedade brasileira a necessidade urgente de tornar efetiva a norma do artigo 149 do Código Penal, com a redação da Lei n. 10.803 de 11/12/2003, que prevê a pena de reclusão, de dois a oito anos, acrescido de multa, para o crime de reduzir alguém a condição análoga à de escravo. Na clara redação da norma, não paira dúvidas tratar-se de crime submeter trabalhadores a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, sujeitando-os a condições degradantes de trabalho ou reduzindo sua locomoção em razão de dívidas contraídas com empregador ou preposto. No lamentável caso das vinícolas gaúchas, foi constatado que os trabalhadores tinham condições totalmente insalubres de alojamento; eram submetidos a jornadas exaustivas; tinham atrasos reiterados no pagamento dos salários; recebiam alimentação inadequada; ficavam presos a dívidas contraídas para sua própria manutenção com fornecedores que cobravam preços muito superiores ao preços de mercado; tinham restringido seu direito de locomoção; havia castigos corporais, com choque elétrico e spray de pimenta. Infelizmente, não são fatos raros no Brasil, já que, somente em 2021, quase 2 mil trabalhadores foram resgatados em condições análogas à escravidão. A gravidade desses fatos parece indicar a urgência de dar andamentos a projetos legislativos que preveem a expropriação dos meios produtivos em empresas que utilizam trabalho análogo ao escravo regulamentando o artigo 243 da Constituição, bem como repensar uma competência penal da Justiça do Trabalho.

Toque novamente para sair.