?>

Opinião

Intentona 2023, mentores e punição necessária

Intentona 2023, mentores e punição necessária

Artigo por RED
16/01/2023 13:07 • Atualizado em 17/01/2023 11:29
Intentona 2023, mentores e punição necessária

De BENEDITO TADEU CÉSAR*

Agora o momento é de avançar. O governo Lula precisa aproveitar este momento em que o prestígio das Forças Armadas está abalado como nunca, devido às abundantes evidências de sua participação na tentativa frustrada de golpe no dia 8 de janeiro e, pela primeira vez na história, enquadrá-las e reconduzi-las ao seu papel constitucional. Não é uma tarefa fácil, porque depende da reunião de força política suficiente para se contrapor ao poder daqueles que detêm o controle das armas. Neste momento, o apoio da opinião pública ao governo Lula está no seu ponto máximo pós-eleitoral. Se o governo não agir rapidamente, perderá uma oportunidade que muito provavelmente não se repetirá nos próximos anos.

É preciso investigar e punir os integrantes do alto comando militar envolvidos com a intentona golpista do dia 8. Por que o comando das Forças Armadas não ordenou a retirada dos golpistas acampados na porta dos quartéis desde o início de novembro, quando se definiu a derrota eleitoral de Bolsonaro?

Por que os acampamentos foram incentivados e apoiados como atos “democráticos”, quando pregavam contra a democracia, com apelos à intervenção militar, afrontando a Constituição Federal e o Estado Democrático de Direito?

Por que as centenas de familiares de militares, esposas, filhos, pais etc. que estiveram acampados não foram orientados a se retirar dos acampamentos nas portas dos quartéis em todo o país?

Por que os integrantes do alto comando militar que incentivaram os acampamentos não foram punidos por seus pares?

Por que as forças militares e de Inteligência não agiram em Brasília? Por que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) não detectaram e comunicaram antecipadamente as preparações dos ataques e, se o fizeram, por que nenhuma ação preventiva foi adotada?

Por que a Guarda Presidencial não agiu em defesa do Palácio do Planalto, sede do governo executivo e submetido à sua proteção? Quem abriu as portas do Palácio do Planalto, uma vez que não há sinais de arrombamento?

Por que o Comando Militar em Brasília colocou tropas de choque e blindados para proteger os acampados e impedir suas prisões pelas forças de segurança do Distrito Federal na noite subsequente à intentona fracassada?

Não basta prender e punir o lumpemproletariado recrutado para a “tomada” de Brasília (desempregados, biscateiros, MEIs que a grande imprensa insiste em chamar e “empresários”). Esses têm que ser punidos, mesmo os que foram conduzidos de boa-fé a invadir as sedes dos três poderes da República. Serviram de bucha de canhão, muitos deles sem saber o que faziam, o que, entretanto, não os inocenta. Praticaram crimes e, por isso, devem ser indiciados e punidos.

No entanto, mais do que esses pequenos delinquentes, precisam ser investigados e punidos os incentivadores e financiadores das viagens a Brasília e dos acampamentos, onde se instalaram banheiros químicos, estruturas de comunicação (inclusive com palcos e estúdios de áudio e vídeo), alimentação e vestimentas gratuitas e, segundo alguns relatos, remuneração aos participantes.

Precisam ser investigados e punidos os pastores, notadamente de igrejas de denominações pentecostais, que aliciaram seus fiéis para se alojarem nas portas dos quartéis e se associarem às caravanas a Brasília.
Precisam ser investigados e punidos os grandes empresários, preferencialmente, mas não exclusivamente, do agronegócio que, as evidências apontam, forneceram os recursos para financiar os acampamentos, as viagens a Brasília e para remunerar parte dos baderneiros golpistas.

Mais do que todos, precisam ser investigados e punidos os mentores dos crimes de lesa-pátria praticados ao longo dos últimos anos e que culminaram na intentona golpista do domingo 8 de janeiro de 2023.

Há fortes evidências de que os mentores são integrantes do alto comando militar. Bolsonaro foi, desde o início de sua ascensão, segundo o que se pode depreender dos relatos do general Villas-Boas Corrêa no seu livro de memórias, uma criação do grupo de militares superiores que serviram, na sua juventude, ao general Sílvio Frota durante a ditadura militar de 1964/85, um dos mentores dos grupos que torturaram e mataram opositores do regime e que tentaram evitar o processo de redemocratização por meio de atentados terroristas, explosões de bombas e sublevação.

São remanescentes desse grupo os que reassumiram o poder com Bolsonaro e, durante todo o seu governo, montaram uma estrutura que julgaram lhes permitiria se manterem no poder por tempo indeterminado.

Só não contavam com o ressurgimento de Lula, o Fênix democrático brasileiro.

Não obstante todas as tramas, manipulações e armações, os golpistas contumazes foram derrotados em duas oportunidades seguidas: a) nas urnas, que eles odeiam, e b) na tentativa de gerar uma situação de caos que justificasse a decretação do Estado de Emergência e as medidas para a garantia da lei e da ordem que colocariam o poder nas mãos dos comandantes militares por ato do próprio presidente Lula, no uso de suas atribuições constitucionais.

Frustraram-se na empreitada. Os quebra-quebras em Brasília (praticados por uma turba de lumpens incomandáveis) fugiram ao seu controle. Tais ações provocaram a reação conjunta dos três poderes e unificaram a resistência democrática.

Não obstante a omissão, ao que aparenta, deliberada, das forças de segurança e de defesa, a reação dos poderes civis foi ágil, enérgica e eficaz, unindo governadores (até mesmo governadores bolsonaristas viram-se constrangidos a aderir) e as forças policiais estaduais fiéis à legalidade.

Debelada a crise, a aparente omissão das forças de segurança e defesa precisa ser investigada e seus responsáveis punidos exemplarmente. Este é o momento e a oportunidade histórica de livrar as Forças Armadas de seus integrantes golpistas e de enquadrar todos os seus membros nas suas atribuições constitucionais, que são de respeito e de submissão ao poder civil. Historicamente, os comandantes militares assumiram o papel de tutores da pátria, a quem os civis, por eles chamados de paisanos, deveriam submissão. Porém, militares não têm nenhum papel na vida civil, nem têm que se envolver na vida pública. Ao contrário, têm que se submeter ao seu chefe supremo, que é o Presidente da República.

Não cabe às Forças Amadas nenhum papel tutelar, nem lhes cabe qualquer papel de combate ao chamado “inimigo interno”, tão ao gosto das ditaduras e da postura histórica do oficialato brasileiro. Tudo isso precisa ser ensinado nas academias de formação de oficiais e erradicado definitivamente do ideário militar brasileiro.

A incompetência e a arrogância dos mentores e executores da intentona golpista do domingo, 8 de janeiro de 2023, deram a oportunidade para o governo Lula reverter, quiçá definitivamente, esse quadro. Será preciso aproveitar a oportunidade e agir forte e o mais imediatamente possível, aproveitando o momento de colapso do prestígio e a desmoralização das forças militares.

O que se viu não foi a participação e/ou omissão isolada de alguns integrantes das Forças Armadas. Como em todo o mundo, as Forças Armadas brasileiras são uma corporação submetida a uma cadeia hierárquica de comando. Nelas, ninguém age por iniciativa própria e aqueles que se atrevem a assim proceder são punidos por seus superiores.

Desde 2016, entretanto, nenhum praça ou oficial foi punido internamente, seja por insuflar os movimentos pela destituição da presidenta Dilma Rousseff, por emparedar o SFT visando forçá-lo a não conceder habeas corpus a Luís Inácio Lula da Silva e levá-lo à prisão, ou por se omitir na defesa dos bens públicos, notadamente daqueles que abrigam os poderes constitucionais brasileiros.

Pelo contrário, o general da ativa que comandou o Ministério da Saúde foi condecorado por suas práticas desastrosas durante a pandemia do corona-vírus e que causaram mais de 600 mil mortes no país e foi, posteriormente, absolvido por suas manifestações políticas de apoio a Bolsonaro e às suas ameaças golpistas no período pré-eleitoral.

O comportamento do Alto Comando Militar diante desses procedimentos é forte evidência do seu envolvimento com os atos golpistas. Se não há punição interna corporis, ela precisa ser imposta pelo poder civil, na figura do Presidente da República, e precisa atingir todas as instâncias da cadeia de comando.

Além dessas ações imediatas, com o objetivo de debelar a crise e restabelecer o comando, a Presidência da República precisará desmilitarizar os órgãos de inteligência e segurança institucionais e conferir atribuições estritamente militares aos militares, quais sejam, as de desenvolver tecnologia e estratégias autônomas de defesa nacional, sem a dependência e a consequentemente submissão do país às potências bélicas internacionais.

Impor sansões aos detentores das armas e fazer com que elas sejam cumpridas exige força política capaz de inibir sublevações e motins. Exige apoio da opinião pública e dos integrantes dos poderes Legislativo e Judiciário e também dos dirigentes dos demais entes federativos, principalmente dos governadores dos estados. Só com esses apoios é possível punir e reformar generais, coronéis e demais comandantes, omissos, coniventes ou diretamente participantes da tentativa de golpe desde os seus primórdios.

Hoje, essas condições estão dadas. Os presidentes das duas casas legislativas, a presidenta do STF, a ampla maioria dos governadores de Estado, da mídia (inclusive a corporativa) e da opinião pública estão unidos na defesa da democracia e no apoio ao presidente Lula.


*Cientista político, professor aposentado da UFRGS e diretor da RED.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

Toque novamente para sair.