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A Vida é um Jogo de Dados?
A Vida é um Jogo de Dados?
Por DOMINGOS ALEXANDRE*
Balanços existenciais são frequentes nos finais de ano e, claro, cada um tenta tirar suas conclusões. Alguma coisa melhorou? A vida está mais difícil? É impressionante o progresso técnico-científico dos últimos tempos, mas do ponto de vista da política de bem-estar social, há perturbadoras evidências de que não estamos avançando. Obras importantes como A Ordem do Capital da economista italiana e pesquisadora da história do capitalismo Clara E. Mattei, demonstram exaustivamente que há mais de cem anos os trabalhadores ingleses e italianos obtiveram vitórias importantes nas relações de produção. As guildas inglesas e as cooperativas de trabalhadores italianas obtiveram vitórias no sentido de que as necessidades de consumo da população fossem mais importantes do que o lucro do capitalista. Claro, foram efêmeras aquelas conquistas pois em pouco tempo a mão invisível do mercado tratou de criar uma teoria da austeridade com a qual o capitalismo subjugou o trabalho em benefício do lucro. Essa teoria da austeridade é a mesma que hoje justifica um Banco Central “independente” que cuida de garantir o juro a ser pago aos rentistas e zela pelo equilíbrio das contas públicas diminuindo gastos sociais.
As pesquisas e as diversas obras do pesquisador francês Thomas Piketty mostram sobejamente que a mencionada mão invisível do mercado referida por Adam Smith operou livremente a favor do lucro de poucos capitalistas desde meados do século XVIII até a primeira grande guerra. Segundo aquele pesquisador, o efeito tesoura que distanciava o rico capitalista do pobre trabalhador, teria sido contido no período entre 1920 e 1980, quando teve início o neoliberalismo de Reagan e Thatcher e que de lá até hoje só piorou. Hoje a situação social é insuportável e a concentração da riqueza é tão grande que corremos o risco de estarmos assistindo o surgimento de um pequeno grupo de plutocratas absolutistas, cujo poder econômico e político é tão grande que já não estariam mais sujeitos às Leis e às regras sociais dos Estados de Direito. Será que há quem ainda não tenha percebido que os lucros, os juros, os impostos, a miséria, o crime, as polícias, as comunicações, os bancos, as petroleiras, a indústria armamentista, os militares e as guerras são estruturas que se utilizam dos governos constituídos para o fim de formarem um gigantesco duto financeiro que aspira recursos de toda a humanidade em benefício dessa plutocracia insaciável? Quando os cinco mil mais ricos possuem mais riquezas do que os cinco bilhões mais pobres, alguma coisa precisa ser feita. A pergunta que precisa ser respondida é: Como se explica que uma pequena parcela da população mundial concentre tanto poder e riqueza às custas de pelo menos noventa por cento da base da pirâmide social? A segunda pergunta que pede resposta é: O que precisaria acontecer para mudar esta realidade? Sem considerações de ordem moral, a resposta à primeira pergunta poderia ser: “A plutocracia sempre fez uso da organização, do constrangimento, da força e da violência em seu benefício, ou seja, tem sido tremendamente competente na defesa de seus interesses”. Já a resposta à segunda pergunta é uma ilação da primeira: “Para que o jogo de força na disputa por um mundo mais justo e inclusivo contemple alternativas mais equânimes e isonômicas, faz-se necessário que a totalidade da população tenha a mesma competência que tem tido a plutocracia”.
A menção às questões acima, tem por finalidade trazer à baila e examinar com mais vagar a realidade social do Brasil e dos brasileiros, que sabidamente é ainda mais grave e mais injusta do que no resto do mundo. Também em nosso País a classe abastada tem sido competente em fazer prevalecer seu egoísmo, mas não seriam ainda mais competentes se seus interesses fossem vitoriosos em um ambiente menos conflagrado? Em um ambiente sem tanta criminalidade, sem tanta violência e sem tanta miséria? Parece evidente que, ser privilegiado em um país de atmosfera social mais saudável é prova de maior competência do que gozar de privilégios num ambiente degradado. De qualquer modo, de um ponto de vista egoísta, míope e obtuso, nossas ditas “elites econômicas” têm tido êxito. Objetivamente, para que as classes subalternas, no Brasil e no mundo lograssem a mesma competência que tem tido a plutocracia, não há outra alternativa que não passe pelo acúmulo de conhecimento. Habilidade, tirocínio, argúcia e perspicácia se conquistam com investimentos expressivos em educação. Somente com uma revolução na Educação seria possível criar um ambiente onde fosse premiado o mérito pessoal, a competência e os valores éticos e fosse rigorosamente punido todo o ócio, a incompetência, a não observância de princípios éticos e o cometimento de atos ilegais. Esse espírito de querer melhorar e se desenvolver dando o melhor de si, teria que permear todas as três esferas de governo, todas as entidades, as instituições, as empresas, as universidades e os colégios desde as séries iniciais. Imaginemos instituições como, por exemplo, as polícias estaduais em que todos seus integrantes soubessem que os “melhores” no melhor sentido da palavra, seriam os valorizados e os promovidos e que estes seriam encarregados da excelência do seu desempenho…ou uma Agência Reguladora como a Aneel, se todos os seus quadros tivessem a certeza de que seriam cobrados por sua efetividade, seu desempenho e por sua competência, coisa inimaginável hoje. Pois a criação desse ambiente virtuoso é possível e se obtém através da “Legislação”. Quem chegou até aqui há de se perguntar: Porque não temos uma legislação dessas? A resposta pode parecer simplória, mas não temos uma legislação ideal por culpa das nefastas Emendas Parlamentares. Não falei emendas parlamentares secretas, não. O maior empecilho que temos para conquistarmos um Brasil desenvolvido econômica e socialmente é, volto a dizer, toda e qualquer Emenda Parlamentar.
Todo o parlamentar, em todos os níveis, mas especialmente os federais, precisam contar com batalhões de assessores, cuja principal função é colocar
emendas em troca de apoio ao seu deputado. Essa é uma prática de “legisladores” de esquerda, de centro e de direita. Claro que a liderança política, o vereador, o prefeito municipal precisa de recursos para aplicar no seu município. Mas os critérios para os municípios terem acesso a recursos, não teriam que constar na Legislação? Mas que legislação “cara pálida”? Desde quando consideramos as qualidades que seria lícito exigir de quem concorre ao legislativo? O critério adotado é quem distribui mais recursos. Assim elegemos e mandamos para Brasília e para as capitais todo o tipo de político, menos aqueles com sensibilidade social e com formação adequada para elaborarem e proporem Leis virtuosas que deveriam ter a capacidade de criar aquele ambiente de valorização da competência e do desempenho acima referidos.
Assim se fecha o círculo vicioso no qual a população não adquiri os
conhecimentos que a fariam acumular práticas e conhecimentos que a
colocariam em pé de igualdade com a competência demonstrada pelos de cima. xxE se o grosso da população não tem meios de se qualificar e se instruir, não adquiri competência e, sem competência elege mal e assim perpetua a injustiça, perpetua seu sofrimento e seu inferno existencial.
Nossa realidade é perversa, mas tem lógica já que atende os objetivos da plutocracia. O povo não adquire consciência social e não reúne condições para identificar e defender seus interesses com a mesma competência dos abastados.
*Domingos Alexandre é Bacharel em história pela UFRGS.
Foto de capa: Cena metafórica que representa a desigualdade social e o poder financeiro. Criada por DALL·E em 07 de novembro de 2024.
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