?>

Opinião

A racionalidade por trás do apoio a Lira

A racionalidade por trás do apoio a Lira

Artigo por RED
30/11/2022 17:29 • Atualizado em 02/12/2022 00:01
A racionalidade por trás do apoio a Lira

De CHRISTIAN VELLOSO KUHN*

O recente anúncio do apoio de partidos de esquerda (PT, PSB, PC do B e PDT), mais o PV, à reeleição de Arthur Lira (PP-AL) à presidência da câmara de deputados causou muito desconforto e insatisfação aos seus militantes, sobretudo aos mais leigos em política. O que parece uma grande incongruência, haja vista as diferenças ideológicas e a forte ligação do deputado alagoano ao presidente Bolsonaro, revela uma estratégia racional e pragmática desses partidos, principalmente pelo PT. Para justificar a decisão desses partidos, no presente artigo, vai-se recorrer à história recente e à teoria econômica e política.

Com relação à breve revisitação histórica, é primordial avaliar o caso da eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em 2015 ao cargo ora ocupado atualmente por Lira. Naquela oportunidade, o PT resolveu lançar a candidatura do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), com apoio de PSD, PDT, PR, PROS, PC do B, enquanto o PSB teve o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), em bloco também formado por PSDB, PSB, PPS, PV. No final, o deputado petista obteve 136 votos, ao passo que seu colega socialista recebeu 100 votos. O PSOL também decidiu concorrer sozinho com Chico Alencar (PSOL-RJ), que terminou com míseros 8 votos.

Num bloco formado por PMDB, PP, PTB, DEM e outros 10 partidos menores, Eduardo Cunha recebeu 236 votos, maior que a soma dos votos de seus três concorrentes, representando 52% dos votos totais. O bloco do PT conseguiu a 2ª vice-presidência e uma secretaria, porém, de nenhum deputado do partido. Além da presidência, o bloco do PMDB venceu a eleição da 1ª presidência e duas secretarias, obtendo maioria na mesa diretora da câmara de deputados.

A estratégia adotada pelo PT naquela oportunidade acabou por enfraquecer a então presidente Dilma junto à câmara, criando um desafeto que foi um dos protagonistas não apenas no aceite do pedido de abertura do processo de impeachment da presidente, como na condução do seu andamento e votação.

Dessa vez, Lira possui apoio de 10 partidos, representando 187 deputados, podendo chegar com novos acordos a 328 (maior que a votação de Cunha em 2015), enquanto sobrariam apenas 185 fora desse bloco. Inicialmente, definiu-se o PL, partido de Bolsonaro e que deve fazer ostensiva oposição ao novo governo, responsável pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ao passo que o União Brasil comandaria a Comissão Mista de Orçamento (CMO).

Assim, visando evitar um desgaste perante à câmara, e ao seu presidente a ser reeleito, o PT, sem um nome do partido ou de seus aliados capaz de fazer frente à concorrência com Lira, prudentemente, resolveu apoiá-lo, assim como também decidiram os demais supracitados. O objetivo do PT, nesse caso, é obter o comando de comissões relevantes na câmara, como a própria CCJ (se ainda for possível), além de receber o apoio necessário à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição e, fundamentalmente, que o presidente Lula possa conduzir o seu início de mandato com maior tranquilidade.

Nesse caso, como na Teoria dos Jogos, não existe uma estratégia dominante para os partidos de esquerda, que permita agirem independente dos demais “jogadores”. Assim, faz-se necessário a adoção de uma estratégia que busque um equilíbrio de Nash, escolhendo as melhores ações dado o que os concorrentes estão fazendo, ou ainda, uma estratégia maxmin, em que se maximiza a obtenção de um determinado ganho mínimo.

Outra teoria que ajuda a explicar o “drama” enfrentado pelos dois partidos é a Teoria da Escolha Pública (TEP), que leva em consideração três elementos: (i) comportamento racional; (ii) interesse próprio e (iii) conjunto de regras e instituições políticas. Dado um determinado ambiente institucional, cada agente busca maximizar os seus resultados, principalmente em benefício próprio.

No caso de uma mesa diretora ou presidência da Câmara, há um conceito da TEP denominado poder de agenda. Parte-se do pressuposto que a ordem de votação de matérias legislativas afeta os resultados, pois um legislador pode negociar o apoio de um projeto de seu colega, em troca da adesão a um projeto de sua autoria. Isso na TEP é definido como logrolling, um intercâmbio de votos entre legisladores para aprovação de diferentes leis.

Logo, Lira é quem deverá ter o poder de agenda na Câmara. Como a PEC da Transição é fundamental para Lula ter um mínimo de governabilidade no seu primeiro ano de mandato, o PT e demais partidos podem oferecer em troca da votação da PEC o apoio a projetos e medidas que sejam do interesse de Lira e seus aliados. Como na célebre frase de Otto Bismarck do século XIX: “Os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis”.

É importante esclarecer que essas negociações são muito comuns, em todos os âmbitos do Legislativo (federal, estadual e municipal). Trata-se de uma questão de sobrevivência, do contrário, crises políticas como em 2015 podem vir a se repetir. Na atual conjuntura, em que foi necessária uma frente ampla para evitar o rompimento de nossa democracia, é fundamental que situações que ameacem o mandato do novo governo sejam completamente evitadas.


*Professor e economista do Instituto PROFECOM, autor de livros como Governo Figueiredo (1979-1985): política econômica e ciclo político-eleitoral. 

Foto do deputado Arthur Lira discursando durante sessão – Marcelo Camargo/Agência Brasil.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

Toque novamente para sair.