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A natureza é o limite da economia

A natureza é o limite da economia

Meio Ambiente por RED
03/07/2024 10:52 • Atualizado em 03/07/2024 10:53
A natureza é o limite da economia

Por Jorge Barcellos*

Ao alertar as pessoas a respeito dos perigos da mudança climática, você é chamado de santo. Ao explicar o que precisa ser feito para parar com isso, chamam-no de comunista. George Monbiot, “Wha tis Progress?”

Circula nas redes sociais o mapa comparativo dos limites de Porto Alegre antes e depois dos diversos aterramentos que provocaram, ao longo do tempo, a conquista do Guaíba pela cidade. O fato de que o limite das águas ser correspondente as terras conquistadas em sucessivas administrações ao longo do século XIX e XX têm significado. Por dezenas de anos, os porto-alegrenses, em nome da necessidade de expansão econômica, aterraram a cidade. Esse aterramento foi feito em 3 regiões. A primeira corresponde a região central, onde a Rua da Praia deixou de ser beira da praia e se transformou na terceira rua contada do cais para cidade após a Mauá, Siqueira Campos e 7 de setembro, que surgiram como ruas produto de aterramentos ao longo do século XIX. No século XX, duas regiões tiveram seus aterramentos: a primeira, em direção à zona sul que envolve a região que antes ficava na beira do rio onde localiza-se o Asilo Padre Cacique. A segunda, em direção à zona norte é o litoral do rio até a região de Navegantes.

No centro, o motivo da expansão da cidade era porque sua geografia é marcada por um morro ou promontório. Para expandir o comércio local, o caminho natural foi aterrar, o que possibilitou a construção da Praça da Alfândega e da Praça XV de Novembro. O primeiro mercado, demolido, cede lugar ao segundo mercado, o atual, na região aterrada. Em direção à zona sul, a expansão possibilitou a construção do estádio beira rio e, na zona norte, os bairros em direção a Navegantes. O motivo neste último foi a industrialização da região.  Quer dizer, sempre em nome da expansão da economia, a cidade se expandiu para regiões do ecossistema natural original. As enchentes nos colocam o seguinte dilema: ou modificamos nosso modelo de desenvolvimento econômico ou as futuras gerações terão de arcar com nossa irresponsabilidade.

A enchente atual é o que estamos pagando pela irresponsabilidade das gerações passadas? É verdade que não havia o conhecimento de que hoje dispomos de avaliar a importância da preservação das áreas de enchente porque, em seus primórdios, a ideia de planejamento urbano não existia. Mas é sabido desde a antiguidade a importância de uma relação com o meio natural, com as proximidades dos rios. É o modo como foi organizada nossa economia incipiente no passado que exigiu o modelo de expansão tradicional que avançou sobre os ecossistemas. Para Andrei Cechin, em A natureza como limite da economia (Senac, 2010), obra em que recupera o pensamento de Nicholas Georgescu, o dilema ainda é: nesse ritmo, o impacto do desenvolvimento econômico sobre o meio ambiente será ainda pior. Portanto, é necessário que a economia deixe de crescer e até decresça.

No Rio Grande do Sul e em Porto Alegre, onde nossas lideranças políticas veem o crescimento econômico como virtude, sugerir o decrescimento parece ser algo inviável. Quando Cechin recupera as ideias de Georgescu elas são uteis para fundamentar o argumento que diz que reduzir o nosso desenvolvimento econômico não só é necessário, como urgente. O Decrescimento (do francês: décroissance) é um projeto que se espalha em diversos movimentos, econômico, político e social pelo mundo afora.  Compõe-se de um conjunto de teorias que criticam o pensamento econômico dominante e que propõem alternativas a ele como a economia ecológica, ecologia política feminista e a justiça ambiental. Todos eles são movimentos que propõem a necessidade de reduzir o consumo, a produção, o ritmo de vida em defesa de uma sociedade de bem estar sustentável.  Uma de suas bandeiras é substituir o produto interno bruto (PIB) como indicador de prosperidade.

As políticas dominantes em nosso estado e cidade são neoliberais, o que significa também que a atuação do estado é feita visando a criação de condições para o crescimento econômico desenfreado. Se, no século XIX, a expansão da cidade em direção ao Guaiba era um imperativo de “progresso”, hoje a ocupação de regiões como a Fazenda Arado frente a maior enchente gaúcha beira a insensatez. Tanto Georgescu como José Lutzemberger foram verdadeiramente ecologistas, o que significa que ambos partilhavam a ideia de que “a natureza é a única limitante do processo econômico”, nos dizeres de Cechin. No processo de globalização a todo o custo, com o primado da expansão da economia, esquece-se que o objetivo é sempre a felicidade humana “o fluxo imaterial de bem-estar gerado pelo processo”. O ponto de Cechin, ao recuperar as ideias de Georgescu é apontar que, no ritmo atual, estamos tirando o futuro sem precedentes das próximas gerações “o problema ambiental global mais discutido atualmente, as mudanças climáticas e o imperativo de cortar as emissões de gases de efeito estufa, causadas pela combustão de combustíveis fósseis, que diminuem ainda mais a margem de manobra da humanidade”, diz Cechin.  Do jeito que está nosso modelo de desenvolvimento econômico, caminhamos para incompatibilidade entre crescimento econômico e conservação dos recursos da natureza.  Não podemos mais permitir o crescimento ilimitado da produção material.

Com a enchente, aprendemos que nosso modelo de crescimento material e consumo crescente não cabe num mundo de clima normal. Nossas enchentes não se repetem num curto intervalo de tempo, somente por acaso. Elas confirmam a transformação capitalista do mundo natural do Rio Grande do Sul pois nos atingem com grande intensidade. Veja a dificuldade que temos de processar os resíduos dos milhares de cidadãos que perderam tudo com as enchentes. A incapacidade de processar o lixo dos bairros Sarandi e Humaitá em Porto Alegre é outra prova do nosso consumo crescente “o fato [é] que a humanidade precisa começar a se preparar para a estabilização das atividades econômicas”, diz Cechin. Precisamos explorar de maneira bem diferente as regiões próximas dos rios, mas também a forma como utilizamos as florestas e o ritmo da expansão imobiliária. Não podemos mais impermeabilizar as cidades nem concretá-las como fazemos com o lançamento excessivo de grandes empreendimentos imobiliários, o desenvolvimento humano dependerá da retração econômica, ou decrescimento do produto, e não de seu crescimento”.

Cechin afirma que Georgescu (1906-1994) foi um pensador esquecido na universidade pois um grande número de economistas de todas as linhagens age como se ele jamais tivesse existido. Sua perspectiva de limitações biofísicas ao crescimento da economia é uma crítica direta ao paradigma hegemônico da economia onde o sistema econômico é visto como circular e isolado da natureza. É circular porque o processo econômico relaciona de um lado, os cidadãos com suas famílias e de outro, as empresas. Os primeiros oferecem sua mão de obra no mercado de produção enquanto os segundos oferecem sua produção no mercado de bens de serviços. Nesse paradigma não há rupturas, nada afeta os limites do mundo natural. E, guiando os procedimentos neoliberais, fazem com que o estado seja uma das bases de fortalecimento do mercado. É a ciência econômica clássica e circular que orienta a linguagem neoliberal local, serve de instrumento de persuasão para que os governantes assegurem as condições de sua reprodução. A política neoliberal parte, portanto, de um paradigma ou visão de mundo que diz que a natureza tem valor econômico, que cria riqueza e que é ilimitada. Cechin repassa um a um os clássicos do pensamento econômico ao longo da história, da teoria marginalista até o pensamento keynesiano para se dar conta de que nenhum papel limitante é dado a terra ou a natureza em relação aos limites do crescimento econômico e que terminam com o esforço de Paul Anthony Samuelson. Para ele, no estabelecimento do sistema teórico neoclássico como teoria dominante da economia no século XX “desde que a economia crescesse e produzisse pleno emprego, o fruto do crescimento anual do produto disponibilizaria recursos adicionais para atender as necessidades de todos.  O crescimento econômico passou a ser visto como a chave do sucesso. Faltava, contudo, uma teoria do crescimento que fosse compatível com a ideia de equilíbrio”, finaliza Cecchin.

A enchente mostra que esse sistema ilimitado neoliberal cobra um preço. Não apenas dos capitalistas, que viram sua estrutura de produção também perdida com a enchente, mas também dos governantes, que viram que seu descaso com a proteção de seus cidadãos em nome de privilégios ao mercado revelar-se irrealista do ponto de vista das políticas públicas. O mundo não é um universo mecânico que pode ser manipulado ao livre interesse dos neoliberais no governo de plantão. O paradigma econômico que está na base das políticas neoliberais é uma visão irreal, ele não reconhece o papel da natureza na criação de condições do processo econômico “seu problema é que o sistema econômico é visto como em harmonia e em equilíbrio” quando não está. O mundo não vive apenas de circulação de dinheiro, ele precisa viver com recursos naturais limitados e dar um destino a sua produção de resíduos. O capitalismo não é o “reciclador perfeito” de que fala Cechin “a economia não é uma totalidade, mas sim, um subsistema de um sistema maior, geralmente chamado de meio ambiente”, finaliza. Que fazem nossos políticos neoliberais? Focam suas ações em garantir as condições para circulação do fluxo monetário, ignorando o fluxo real onde o mundo é esse ser vivo como sistema total. Tanto a dilapidação do capital natural como a produção de lixo precisam serem levados em conta nesse sistema. Pois o mundo tem um limite.

Essa concepção estava presente no pensamento de Karl Marx no que ele denomina de metabolismo social. Ele era definido pelo “processo pelo qual a sociedade humana transforma a natureza externa, transformando assim, a sua natureza interna”. O capitalismo é criticado porque separa a reprodução material da sociedade dos condicionamentos naturais e daí a ciência econômica funda-se sem considerar a entrada de recursos naturais essenciais para a reprodução do sistema.  Se só capital e trabalho têm importância, a natureza não entra na dinâmica capitalista. Esse é o problema

neoliberal. Ele é baseado numa visão míope de mundo, por isso ele é um sistema mecânico de interpretação da realidade, limitado. A natureza é sua matéria prima, os recursos naturais, sua fonte de renda. Enquanto vemos nossos governantes privilegiarem o mercado e sua produção, o lixo que vemos na zona norte é prova de que a economia não é um ciclo isolado: não conseguimos sequer nos livrar dos resíduos que produzimos. “Muitos já criticaram o viés anti-histórico da economia neoclássica, mas sem perceber a futilidade que é tentar impor a história nas teorias neoclássicas sem questionar a metáfora física que a inspirou”, diz Cechin, intérprete de Georgescu. A enchente ensina que é preciso abandonar a visão da economia desvinculada da natureza: ela é parte do ecossistema vivo e atuante.

Cechin afirma que Georgescu deu-se conta em sua formação de uma visão ampliada de economia porque em seus estudos de matemática e física, estudou com o filósofo da ciência Karl Pearson.  Foi ele que lhe ensinou que a representação do mundo real é o princípio de base de qualquer esforço científico, ainda que tenha sido Schumpeter que o transformou em um economista, diz Cechin, pois a novidade do pensamento Georgescu estava em criticar o homo economicus. Para ele, sua racionalidade deve-se ao comportamento hedonista do indivíduo, para quem, quanto mais mercadorias, mais feliz “para Georgescu, a maneira como a teoria neoclássica vê a conduta humana só vale numa situação de consumidores com renda suficiente e cujas escolhas econômicas são guiadas apenas pela quantidade de mercadorias”. É por isso que no Rio Grande do Sul o governo neoliberal governa para os ricos, criando inúmeras facilidades para investimento que contrariam os parâmetros originais do Plano Diretor. Ora, aqui no estado valores rurais predominam porque temos inúmeras sociedades deste tipo, e nas regiões mais atingidas da capital como Sarandi e Humaitá, valores de solidariedade predominam porque se tratam de sociedades carentes atingidas pelas cheias. Quer dizer, nossas políticas neoliberais são adequadas apenas a um contexto industrializado, altamente urbanizado e individualista, nada dizendo de contextos e lugares que necessitam preservar uma relação adequada com a natureza, em reduzir seu próprio processo de urbanização que leva ao caos climático e muito menos o valor do pensamento que considere não apenas a si mesmo, mas o outro, as futuras gerações. Nada disso faz parte da agenda neoliberal.

A introdução dos determinantes de natureza biológicas e sociais foram colocadas pelo artigo “Choice, Expectations, and Measurability”, que Georgescu publicou anos depois, em 1954, no Quarterly Journal of Economics (68, novembro). Nele, o autor afirmou que influenciam nossas escolhas econômicas outros fatores, não apenas os dados pelos limites da utilidade. Por exemplo, as vontades também podem ser influenciadas por fatores ambientais: se queremos um meio ambiente sem caos climático, estamos dispostos a sacrificar o desenvolvimento econômico a todo o custo para preservar as condições de boa vida junto à natureza. Não adianta adquirir grandes apartamentos luxuosos junto ao novo shopping Barra como desejam as incorporadoras se o cidadão tem de escolher entre viver num lugar que tenha enchente e outro que não tenha, pois ele não pode ser indiferente entre a localização de um imóvel e uma casa. Talvez o fato de que a formação em matemática e depois em estatística de Georgescu que o levou a criticar a compreensão do mundo econômico através somente de números, terminou por o levar a criticar a falta de relação da economia com o lugar e o tempo histórico. Hoje, empreendimentos econômicos precisam considerar o lugar natural onde pretendem se realizar.

O que é notável no pensamento de Georgescu é a ideia de que a atividade econômica resulta da luta pela sobrevivência da espécie humana. Para os neoliberais, parece que só o dinheiro precisa existir. Se, de seu ponto de vista à época estava em questão como a energia e a matéria eram a base da vida econômica e daí sua concepção de limites dados pela natureza, é notável que agora, em que as chuvas e o caos climático ameaçam a humanidade, estejamos de novo colocados sobre a questão de que destino econômico desejamos para nós. O drama econômico não se resume a escassez como propõe a tradição econômica, mas ao modo como encaramos as fontes que exploramos: a primeira, a natureza, é reconhecidamente limitada: a segunda, o sol, é ilimitada. Exploramos muito a primeira e pouco a segunda. O caos climático vivido pelas chuvas no Rio Grande do Sul não sinaliza apenas o modo como nossos governantes devem se comportar em relação ao tratamento do meio ambiente, e nem como o mercado, empresários locais devem se comportar em relação às suas formas de exploração do meio natural. Elas apontam para uma tendência geral da extração dos recursos naturais. Por isso a tragédia, o caos climático é planetário.

Resta, portanto, saber se os gaúchos, assim como o restante da humanidade, querem aumentar a predação econômica e com ela a exploração do meio natural ou diminui-la para garantir condições de vida para a geração futuras. Para Georgescu, quanto mais cedo a economia encolher, mais cedo podemos parar a crise e sair do caos climático. Por isso a imagem do lixo acumulado é tão importante quanto a das águas: ele mostra que a face real do capitalismo é a destruição, o destino final de todas as coisas produzidas, agora diante de nossos olhos. Você vê como o lixo é prejudicial às populações do bairro Sarandi e Humaita em loco, seja pelo mau cheiro, pelas doenças que provocam ou pelo impedimento à circulação “o problema da acumulação de resíduos é a falta de espaço acessível”, diz Cechin. Jogamos o que ficou inutilizado da chuva no meio ambiente, outra prova de que os produtos são infinitos mas a lata de lixo, finita.

O ponto chave para Georgescu é que a economia tem um caráter metabólico “o problema ecológico surge como uma falha no metabolismo”, resume Cechin. Ele criticava os limites da economia pela sua entropia, na descrição da produção e perda de energia no sistema capitalista. Por isso a discussão ecológica no autor parte da discussão sobre combustíveis fósseis e seus efeitos sobre o clima, para só depois possibilitar a inclusão da transformação do meio natural. O problema ecológico é o da qualidade de vida, da nossa e das gerações futuras e por isso a economia deveria ser englobada pela ecologia “todavia isso só ocorrerá quando a humanidade tiver que se preocupar com a distribuição intertemporal dos recursos e serviços naturais”. Por este único argumento, o do caráter inferior da economia na decisão de nossas vidas, Georgescu foi banido da academia e rejeitado por Samuelson. Não se diz a verdade impunemente. Em 1976, os estudantes e professores “foram advertidos de que ele não poderia mais ser aceito porque se embrenhara pela obscura ecologia, uma disciplina que os economistas ainda hoje acham tão estranha e suspeita quanto a quiromancia”. Condenado por sua visão holística e interdisciplinar numa era de especialização, foi expulso da elite intelectual, mas hoje seu pensamento se revela atual.

É que Georgescu pensou o fluxo entrópico como base da economia, na sua relação com o meio ambiente “os modelos mecânicos não conseguem lidar com o fato mais elementar da vida econômica que é o fluxo entrópico necessário para manutenção do processo econômico, a utilização de recursos naturais e o despejo de resíduos no meio ambiente”, diz Cechin. Esta posição foi a reação de Georgescu frente a crise do petróleo dos anos 70, que o alertou para a escassez dos recursos naturais. Ele então afirmou que a solução do problema está no campo da ética, não da economia, o que é notável. Para Georgescu, “depende da postura ética das atuais gerações em relação às que ainda estão por vir”. Pensamos que a tecnologia irá solucionar todos os problemas econômicos, ilusão perpetrada pelo prêmio nobel Robert Solow: o acréscimo de capital tecnológico não é solução para a perda de capital natural. A economia não é o jardim do éden como acreditam os políticos neoliberais, como se fossa capaz de salvar a tudo e a todos. Não. Ao contrário, as decisões neoliberais com base nesse princípio impactam na vida da população e são responsáveis pelo caos climático.

Nossos economistas neoliberais deveriam se inspirar menos na economia em stritu senso e mais na economia ambiental. Cechin diz que a disciplina foi inspirada pelos estudos de Georgescu e que ela trata de focar na exaustão dos recursos naturais ao longo do tempo como critério de valor. É ela que introduz a ideia de sustentabilidade ambiental que tem em seu discípulo David W. Pearce seu principal expoente. Este defende que deve ser mantido ao longo do tempo o estoque de capital natural, o que não acontecerá com e o ritmo expansionista do consumo. Por isso é preciso uma restrição no cálculo da otimização neoclássica. Mesmo o modelo econômico neoliberal do “U” invertido, ou Curva de Kuznets ambiental, onde a crise ambiental só seria vista no primeiro momento da evolução do capitalismo e que depois passaria, é considerada uma desculpa e criticada por ter sido criada deixando de fora 97% dos países e ainda ter fraca previsibilidade de resultados. Justificar a expansão econômica porque no futuro as coisas podem melhorar não é argumento.

Já a economia ecológica, da qual Georgescu  também é um dos inspiradores, junto com Robert Ayres, surgiu a partir de 1989 com a revista Ecological Economics, que aponta para o fato de que a economia está incrustrada na natureza e que os seus processos precisam terem seus efeitos considerados em relação a ela, tudo o que os neoliberais mais odeiam. Isso porque significa que eles precisam ceder do lucro absoluto em seus projetos e investimentos, sua vontade inesgotável de exploração do mundo natural. Não é à toa que, desde o bolsonarismo, vemos o ataque direto da extrema direita à legislação de proteção ambiental no Brasil. Em Porto Alegre, o Sul21 demonstrou em série de reportagens como a Prefeitura Municipal, desde o governo Marchezan, vem modificando a legislação urbana para facilitar a expansão do capital imobiliário cujos efeitos sobre o meio ambiente são conhecidos. Lá fora, há mais de três décadas estes autores argumentam que o sistema de econômico afronta a capacidade de carga do planeta, com a degradação do solo, perda de ecossistemas e mudança climática que mostra que “os limites ecológicos estão convertendo o crescimento econômico em crescimento antieconômico”.

A atividade econômica assim deve ser limitada. Primeiro porque a natureza limita à provisão de recursos. Depois porque os valores éticos da sociedade, os relacionados aos fins da atividade econômica, também a devem limitar. Mas esses limites não são considerados pelos economistas neoliberais. Cechin diz o m motivo inspirado Herman Day, um dos discípulos de Georgescu: “o paradigma contemporâneo na economia é o da growthmania, ou mania de crescimento econômico, pois é a resposta para os problemas de pobreza, desemprego, poluição e até mesmo de escasseamento de todos os recursos estaria no crescimento. Mas muitas coisas que contribuem para o bem-estar não passam pelos mercados. São custos inerentes da economia da empresa privada que repassa para toda a sociedade”. Uma solução foi a proposta de “condição estacionária”: ao invés de regredir, o capitalismo teria de parar, como afirma Karl Kapp, o que poderia ser uma salvação para o ambiente. Esse debate foi considerado importante, mas foi criticado pelos filiados ao pensamento de Georgescu pois “uma economia de crescimento lento ou em estado desestacionário seria inconsistente com o capitalismo de mercado. Somente um regime autoritário poderia impor e manter as restrições ambientais defendidas pelos economistas ecológicos”, finaliza Cechin. Não é verdade. Um governo de esquerda pode fazer muito mais pelo meio ambiente. É só olhar a redução do desmatamento na Amazônia nos primeiros meses do governo Lula, que foi 63% menor do que o mesmo período do governo Bolsonaro. Por isso a solução da crise ambiental também passa pelas escolhas políticas do cidadão.

A lição da enchente é que precisamos considerar as relações entre os sistemas econômicos e ambientais. Fomentar o crescimento ambiental sustentável deve ser política pública. Com os atuais governos neoliberais não é. O poder público não pode facilitar investimentos e desenvolvimento ambientalmente insustentáveis. Isso pode ser feito taxando-se hoje aqueles que exploram o trabalho e renda que trazem prejuízos ambientais pelo fomento do investimento em capital natural. Não é possível mais eleger governantes neoliberais mais preocupados com os interesses do mercado do que da população, porque a preservação do mundo natural interessa a toda a sociedade e as futuras gerações. Enquanto os governos continuarem com suas medidas pró-mercado, e enquanto continuarmos elegendo governantes que iludem seus governados com promessas, estaremos contribuindo para a perda de recursos naturais que impactam diretamente na produção do caos climático. A solução do problema das enchentes é a mudança de política pública, que passa pela eleição de governantes que considerem o problema ambiental como agenda de governo.

Estabelecer a ligação entre sistemas econômicos e ambientais é o grande desafio das políticas públicas. Ainda que também o campo privado devesse buscar soluções, evitando que bancos financiem projetos ambientalmente insustentáveis, é preciso que estados e municípios taxem mais os agentes que colaboram na crise ambiental. Isso significa taxar empresas de extração de energia sem compensações ambientais, por exemplo. A justificativa é que, nos termos da economia ecológica, o investimento no crescimento após certo ponto “deixa de ser benéfico e passa a comprometer seriamente a possibilidade de que as gerações futuras usufruam qualidade de vida semelhante à da geração atual”.  O Rio Grande do Sul não é o maior nem o mais populoso estado do país, e nem suas cidades podem ser chamadas de metrópoles para terem os problemas que tem com o meio ambiente. No entanto, trata-se de considerar que o capitalismo enfrenta um problema de escala inclusive em nosso estado: nosso sistema econômico, por toda uma série de subterfúgios dos capitalistas de plantão, está em um tamanho que afeta o ecossistema local e por isso é preciso se preocupar com a escala máxima que o desenvolvimento econômico de nossa região pode atingir. Enquanto o mercado e o sistema financeiro pressionarem o estado no alinhamento de políticas públicas para seus objetivos, os supostos rendimentos de mercado serão inferiores aos ganhos de longo prazo.

Esse é fundamentalmente não um problema econômico, mas político. Diz Cechin “a relação da sociedade com o meio ambiente e seus recursos é fortemente influenciada pelo modo como atuam as instituições”. Aquilo que Louis Dumont chama de ideologia econômica não pode prevalecer na condução das políticas públicas. Ela precisa estar imersa nas relações sociais. É justamente no estado que estão instalados hoje aqueles que consideram o desenvolvimento econômico independe do meio natural. É preciso tirá-los de lá. Nesse sentido, as propostas de Georgescu tem uma notável atualidade e sugerem caminhos de escolhas políticas para as próximas eleições municipais.

*Doutor em Educação, autor de O êxtase neoliberal (Clube dos Autores)

Foto: Praça da Alfândega – Porto Alegre – RS – Brasil – Pinterest

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