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A ILHA À DERIVA
A ILHA À DERIVA
De NORA PRADO*
Das muitas imagens impressionantes que já vi nestes últimos quinze dias, por ocasião da calamidade gaúcha, acabo de ver uma que talvez suplante todas as anteriores. Numa postagem do Instagram um grupo de voluntários a beira do Gasômetro assiste, incrédulo, uma ilhota passar à deriva pelo Rio Guaíba. Algo realmente perturbador. Não bastasse perdermos nossas casas, ruas e cidades, agora também estamos perdendo parte das nossas ilhas que se desprendem de porções maiores indo embora com a correnteza.
Não sei a que os geólogos e meteorologistas atribuem este fenômeno assustador, mas estou louca para saber mais a respeito. Uma coisa é certa, nossa fauna e flora, devastada por esse evento climático de proporções gigantescas, está modificada assim como o nosso relevo e os leitos dos rios. E isso é questão crucial a ser considerada no planejamento da reconstrução das cidades. Muitas das quais devem mudar de lugar, pois seguem na rota das enchentes pela localização em relação aos rios. Essa proximidade se mostrou preocupante e devem nortear os estudos e o planejamento futuro dessa operação de reassentamento das populações em novas casas, ruas e cidades.
Até que ponto o povo, desalojado, terá participação nesta discussão que deveria ser questão pacífica, uma vez que são eles que sofreram na pele toda a desgraça? Deveriam ser ouvidos, deveriam ter lugar na mesa de discussão e planejamento do seu próprio futuro. Alijar as vítimas da enchente seria desconsiderar quem mais sabe a respeito do próprio local onde se deu a tragédia. Nessa grande empreitada certamente essa população tem muito a contribuir.
Outra questão fundamental é sobre restituir as margens do Lago-Rio Guaíba com as matas e banhados de forma contínua para funcionar como uma barreira de contenção e acomodação das águas. Os sistemas de contenção como o Muro da Mauá, com certeza precisam ser revisados e suas comportas, reestruturadas, passar por manutenção contínua. É necessário ter planos e estratégias de evacuação da população em circunstâncias semelhantes, pois outros eventos como estes serão mais frequentes diante do aquecimento global. Todo o sistema de bombas precisa ser reestruturado em novas configurações para que a água não impeça o seu funcionamento.
Será necessário um serviço de barcos, lanchas e jet-skis disponíveis a defesa civil e bombeiros. Não é possível uma cidade balneária como Porto Alegre depender da boa vontade de terceiros numa próxima inundação.
Mas o mais importante é mudar a perspectiva e pensar que eventos climáticos como estes voltarão com mais frequência e força nos próximos anos. Devemos estar atentos a isso para responder de modo mais adequado e rápido, minimizando os danos à população e as cidades. Isso implica em educação ecológica consistente e de qualidade nas escolas desde os anos iniciais. Devemos aproveitar o farto material disponibilizado pelo geólogo, Rualdo Menegat, coordenador do Atlas de Porto Alegre com todas as considerações geológicas, hídricas, bio ecológicas, históricas e geográficas como referências seguras de conhecimento sobre nossa cidade e nosso Lago Guaíba, que hora se comporta como rio, ora como lago. Lições para o nosso futuro.
Até lá, que imagens desconcertantes como esta, da ilha à deriva, sirvam de sinalização para mudarmos o nosso modelo urbano de viver.
Porto Alegre, 19 de maio de 2024.
*Atriz, Coaching para Cinema e Televisão, Arte Educadora, Poeta e Fotógrafa.
Foto: Mauro Schaefer / CP
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