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Opinião

A guerra continua

A guerra continua

Artigo por RED
05/04/2023 05:30 • Atualizado em 08/04/2023 11:11
A guerra continua

De SANDRA BITENCOURT*

A guerra segue. E como todas as guerras, tem muito dinheiro envolvido. Falamos aqui da mentira fabricada no ambiente digital para gerar desconfiança nas instituições, fazer ruir políticas públicas, ativar segmentos radicalizados e manter negócios rentáveis. Os pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostraram uma nova onda de Fake News sobre vacinas que tem circulado nas redes sociais. De acordo com o NetLab, Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da UFRJ, desde o dia 26 de fevereiro entrou em marcha uma campanha orquestrada contra a vacina, uma avalanche de fake news nas redes e sites especializados em divulgar mentiras.

O Movimento Nacional pela Vacinação marcou também o início de uma nova onda de ataques virtuais contra a vacina da Covid. “Existem muitos sites que vendem cursos, livros, tratamentos milagrosos. Muitos falsos médicos, falsos cientistas. Esse mercado, hoje, movimenta muitos bilhões de reais”, conta a diretora do NetLab/UFRJ, Marie Santini, em matéria desta semana no Jornal Nacional.

O relatório dos pesquisadores evidencia que essa inundação é planejada e tem um método e um objetivo. “É mais uma evidência de como a vacina está sendo instrumentalizada por grupos que trabalham com questões ilícitas, grupos criminosos que trabalham nessa indústria de desinformação”, diz Santini.

Na matéria, o repórter pergunta: tem vacina contra a mentira na internet? Marie Santini responde que “a gente não vai conseguir fazer política pública ampla se a gente não voltar a confiar nas instituições: no SUS, na imprensa, na ciência, na academia, nos estudos das universidades”.

Repor verdade, esclarecer os fatos, ouvir fontes especializadas é papel do jornalismo, mas também é lugar da comunicação do governo. Não parece, por hora, existir outro antídoto, do que disputar a informação que circula. A questão é como fazer isso.

Dois episódios importantes da semana que passou contribuíram para propor esta reflexão.

No dia 25 de março a Secretaria de Comunicação Social da Presidência lançou o site BrasilContraFake. A apresentação da plataforma, no entanto, foi caracterizada em tuíte do Presidente Lula como “plataforma de checagem de informações e combate à desinformação”. As agências de checagem reagiram. Não existe checagem feita pelo governo porque o processo necessariamente precisa ser independente, autônomo e apartidário, além de seguir princípios básicos de metodologia e transparência. Checagem demanda autoridade mais isenta no jogo, já que parte do trabalho de uma agência de checagem é verificar informações divulgadas pelo próprio governo. As agências têm razão em cobrar que a iniciativa não é checagem. Não cabe ao governo carimbar o que é verdade ou não, até porque algumas coisas são meras posições de governo e defesa de um projeto que pode ter outras visões. Mas me parece que a reivindicação conceitual e metodológica, apesar de justificada, para por aí. É preciso olhar o cenário de guerra e escolher corretamente a trincheira. Se houve falha do governo nessa proposta, ela foi meramente semântica. Já corrigida, aliás. Neste caso concreto, a plataforma está mais para uma central de esclarecimentos, reunindo dados corretos, desmentidos de fakes absurdas e indicando fontes governamentais para conferência de política adotadas. Houve equívocos e lidar com diferentes versões tem uma série de delicadezas e complexidades. Não é possível desconhecer parâmetros e conceitos da área para evitar ir constituindo passivos desnecessários. Rapidamente, contudo, o Ministro da Secom procurou caracterizar a proposta e justificar sua adoção. Em artigo na Folha de São Paulo explica que diariamente são soterrados por informações falsas, deturpadas para confundir e gerar o caos. Ele citou vários exemplos, especialmente as mentiras em torno das vacinas. E justificou a necessidade de esclarecer, já reconhecendo que a plataforma faz um combate às desinformações de modo muito específico, em torno de questões concretas e objetivas. Segundo Paulo Pimenta, é papel do governo dar segurança e transparência à população sobre políticas públicas que afetam milhares. São informações de fatos e programas referentes ao governo federal. Penso que sim, o governo faz parte do circuito de comunicação pública e tem muito a dizer e esclarecer sobre a desinformação produzida para sabotar políticas públicas.

É necessário somar esforços e compreender a virulência do caos meticulosamente produzido para ganhar dinheiro e capturar consciências. Nesse sentido, as críticas das agências de checagem me parecem bem-vindas porque corrigem e conceituam, auxiliando o governo a se posicionar com autoridade e ética. Compreendo esse movimento filiado ao modelo agonístico de democracia, em que se deve renunciar à naturalização das fronteiras da democracia e dos embates entre seus atores, ou dito de outro modo, onde os oponentes não são inimigos e sim adversários com os quais existe um consenso conflituoso, na definição de Chantal Mouffe. Os adversários (não os inimigos) podem compartilhar um conjunto de valores e princípios ético-políticos, cuja interpretação está em disputa.

Já o fascismo está fora do âmbito democrático e se totaliza pela destruição, mentira e violência. Segue armado, tem um legado pecuniário fabuloso do governo que conseguiu saquear e mantém articulação, sobretudo pelos meios digitais que tão bem maneja. Está ativo e à espreita. Estamos todos de acordo que é necessário com urgência e diligência resistir. Mesmo com tropeços, seguir marchando para restaurar praticamente tudo da terra arrasada que retomamos, até mesmo diálogo, escuta, correções e ânimo para voltar à normalidade.


*Doutora em comunicação e informação, jornalista, pesquisadora e professora universitária.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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