Opinião
A grande virada. Uma oportunidade que não podemos deixar passar
A grande virada. Uma oportunidade que não podemos deixar passar
De FRANCISCO MILANEZ*
Este ano não teremos uma passagem de ano normal. Possivelmente, jamais experimentamos, nem experimentaremos, uma mudança como a que estamos vivendo. A realidade nos feriu, mas agora nos traz oportunidades enormes para evoluirmos. É sobre essas novas possibilidades que desejo falar.
Vivemos um período de muito ódio, que mostrou que grande parte de nossa população possuía esse sentimento reprimido que, ao aflorar, o fez acompanhado de incontável quantidade de preconceitos e dores que se encontravam na obscuridade. Nesta explosão de fobias e negações se misturam homofobias, xenofobia, racismo, negação da cultura, da arte e da ciência. Entretanto, o que mais surpreendeu, foi a criação de um mundo paralelo em desconexão com a realidade que muitos viveram, enquanto se sentiam os portadores da verdade.
Entramos na era do metamundo, que cria uma realidade virtual para substituir a intragável realidade mundial. Dominado por aqueles que tem poder de investigar o comportamento de cada um, para gerar uma gigantesca quantidade de informações falsas e direcioná-las especificamente ao perfil psicológico deste “consumidor”, produzindo nele os efeitos que interessam a esse sistema, seja um voto ou uma compra.
O assustador desse processo é que não está direcionado a pessoas de baixa educação formal e sim a cidadãos de todos os níveis. Pode-se observar que foram manipulados analfabetos, pessoas com nível médio, universitário, profissionais liberais, empresários, professores, doutores e pesquisadores, o que constitui um novo nível de controle sobre as pessoas. Eu ousaria dizer que estamos todos sendo manipulados e alguns conseguem, parcialmente, equilibrar o jogo. Curiosamente, grande parte dos produtores desse jogo, são também vítimas.
Não há um cérebro central, nem uma intensão deliberada. É um conhecimento coletivo que alguns souberam utilizar, sem nem mesmo ter a noção do todo. Além das big techs, também vemos pessoas extremamente limitadas surfando nas benesses da manipulação de massa.
Paralelamente, vivemos outras crises que se somam à complexidade mundial: o fracasso do desenvolvimento mundial; o crescimento exponencial da desigualdade social; o consumismo generalizado; uma sindemia permanente; o colapso da saúde alimentar, mental e degenerativa e uma crise climática avassaladora.
O que não podemos deixar de perguntar é o que fazer para controlar a realidade de um sistema geral dominante que produziu uma civilização destrutiva que se impõe às outras culturas, sem qualquer finalidade afora a concentração de poder?
Para nos libertarmos de nossa própria criação coletiva, só consigo imaginar essa possibilidade através de uma reeducação crítica que desenvolva capacidade crítica para selecionar informação e conhecimento e competência para articulá-los na direção de uma sociedade boa para viver que estimule o empoderamento pessoal e comunitário. Para isso, vejo em Freire a inspiração e imagino que, além de sua visão social e histórica, devamos ter uma educação orientada a lidar com a complexidade irreversível que o conhecimento produziu.
Esse governo que inicia tem o desafio de fazer a educação ir muito além da ampliação de oportunidades e inclusão social produzida no passado. Tem que produzir uma nova cidadania crítica, amorosa e diversa que deve começar por um grande plano de reeducação dos professores, pois é impossível ensinar o que não sabemos e os professores nunca foram preparados para essa nova educação.
Nesse processo, não basta educar os jovens, necessitamos educar os adultos e os “educados” também. Como praticar? Através de uma construção coletiva que precisa desenvolver, junto com o processo educativo, um projeto de valores para uma nova sociedade diversa, colaborativa, libertadora, alegre e inclusiva. O resto é detalhe que se decide no andar.
*Doutor (UFRGS) em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde Biologia (UFRGS), Presidiu a Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural) por 6 gestões e, atualmente, é seu diretor científico e técnico.
Foto: Agência Brasil
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