Destaque
A Fraport Contribuiu para o Agravamento da Inundação
A Fraport Contribuiu para o Agravamento da Inundação
Por Solon Saldanha*
A denúncia é muito grave, mas vem acompanhada de documentação que comprova a veracidade dos fatos, assegura o deputado estadual Matheus Gomes, que é quem a está fazendo. Segundo ele, a Fraport, empresa alemã que assumiu o Aeroporto Internacional Salgado Filho, em 2017, contribuiu para que o alagamento da região onde está instalado fosse muito mais extenso do que poderia ter sido, na última enchente. Teria agido priorizando interesses financeiros, reduzindo o valor que deveria ser gasto na implementação das mudanças da estrutura que assumiu, tudo com a conivência da Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
Engenheiros do antigo DEP – Departamento Municipal de Esgotos Pluviais, que foi extinto no mesmo ano em que a Fraport chegou a Porto Alegre, elaboraram na ocasião uma série de diretrizes que a empresa deveria seguir, para garantir e qualificar o sistema de prevenção contra cheias, que atravessa a área do aeroporto. Temos naquele território a Casa de Bombas Silvio Brum, um dique e ainda o conduto forçado do Arroio Areia. Entretanto, os alemães não realizaram obra alguma e nem sequer disponibilizaram quaisquer dados técnicos para a prefeitura. Além disso, se recusou a aceitar fiscalização por parte da administração pública municipal, que de forma surpreendente se curvou a isso.
O que a Fraport fez foi criar um sistema de drenagem paralelo e concorrente ao então existente. Algo simplificado, economizando recursos, sempre com a conivência de servidores públicos que ocupavam cargos comissionados, os CCs. Na hora de ser feita a análise dos projetos da empresa, por exemplo, no ano de 2018, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental teve essa atribuição interrompida por ordem expressa de um desses elementos, o então coordenador jurídico da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico. E a Fraport iniciou as obras sem aprovar o projeto de drenagem. Técnicos do município só puderam acessar o local entre 2021 e 2022, com tudo concluído de forma errada.
Com isso, o volume de água que o aeroporto “descarregaria” tanto no Arroio Areia quanto no Rio Gravataí, com efeito danoso sobre o escoamento, nunca foi estimado. Como consequência temos a casa de bombas número seis de tal forma sobrecarregada que se tornou ineficiente na proteção das avenidas Severo Dullius e dos Estados. O Jardim Floresta passou a ser vitimado constantemente por alagamentos. E os moradores de áreas adjacentes passaram a viver em total insegurança.
A empresa alemã passou a administrar o Salgado Filho mediante um processo de concessão do serviço à iniciativa privada, quando Michel Temer estava na presidência. Ganhou esse direito até o ano de 2042, mediante contrato de R$ 382 milhões, valor bem menor do que aquele que agora tentou obter de “ajuda” para continuar com as operações. A presidente da empresa Fraport Brasil, Andrea Pal, chegou a externar para a imprensa que estariam inclusive dispostos a devolver à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) a concessão, caso não recebessem recursos do Governo Federal para uso na recuperação dos danos sofridos pela estrutura do complexo. Mas, não demorou muito e voltou atrás, pela postura governamental e pela cobrança da opinião pública, evidenciando de certa forma que se tratava apenas de uma forma de pressão, para não se dizer chantagem.
Também – e nisso parece que com sucesso – foi considerada a hipótese de um empréstimo junto ao BNDES, com juros subsidiados. Não se pode esquecer que esse mesmo banco de desenvolvimento já financiou R$ 1,25 bilhão para a Fraport Brasil S.A em 2018, para modernização e manutenção da infraestrutura do Salgado Filho. Uma terceira alternativa para beneficiar a empresa seria atender o pedido feito por ela, prorrogando o prazo da concessão. Ou seja, permitindo que por mais tempo ela prossiga tendo lucros aqui. O que não se sabe é que impacto terá nessas negociações os documentos que o deputado Matheus Gomes está encaminhando ao Ministério de Apoio à Reconstrução do RS, à Agência Nacional da Aviação Civil, ao Ministério Público Estadual e ao Ministério Público Federal.
Fica difícil imaginarmos que todas essas instâncias venham a ser tão omissas quanto foi o ex-prefeito Nelson Marchezan Jr. e costuma ser o atual, Sebastião Melo. Esses dois se mostraram sempre subservientes a todos os desejos do grupo empresarial alemão e não se preocuparam em momento algum com o preço que a população porto-alegrense iria pagar. Aliás, falando em pagamento, fosse esse um país sério e com um poder judiciário mais atento e atuante, a empresa ao invés de cobrar deveria indenizar o governo federal. E também todas as empresas e famílias que terminaram atingidas pela sua irresponsabilidade. Um outro detalhe na conduta da Fraport está necessitando atenção. Consta ter ela informado, ao apresentar as suas demandas ao Governo Federal, que o seguro não cobriria os custos de recuperação do terminal. Entretanto, o jornalista Leandro Demori, em seu comentário no Desperta ICL, declarou ter tido acesso ao contrato firmado com a Chubb Seguros Brasil. Ele prevê cobertura de R$ 2,9 bilhões para perdas de alagamento e inundação.
Matheus Gomes é um porto-alegrense de 32 anos que se engajou nos movimentos estudantil e negro com apenas 17. Filho de uma comerciária e de um barbeiro, ingressou no curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul graças à política de ações afirmativas da instituição superior. Muito atuante e combativo, em 2020 ele foi eleito vereador da capital gaúcha pelo PSOL, que concorrera sem coligação nas proporcionais, recebendo 9.869 votos. Em 2022 se tornou deputado estadual pelo mesmo partido, com 82.401 votos. Ele atua fortemente em questões como ativismo social, os impactos da tributação sobre os mais pobres, os efeitos adversos das mudanças climáticas e outros temas sensíveis.
*Jornalista e editor do Blog Virtualidades: A FRAPORT CONTRIBUIU PARA O AGRAVAMENTO DA INUNDAÇÃO – Virtualidades
Fotos: Aeroporto Salgado Filho (Porto Alegre) alagado pelas enchentes que atingiram o estado. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil.
Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaositered@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.
Toque novamente para sair.