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A filosofia pode esperar
A filosofia pode esperar
De JOÃO BATISTA MEZZOMO*
Estamos hoje a cerca de três semanas do pleito que escolherá o Presidente do Brasil para os próximos quatro anos. A se basear pelas pesquisas, nossa opção é entre dois candidatos antípodas: ou elegemos a continuação de uma tentativa de volta ao passado, ou a continuação de um projeto de inclusão social e avanço democrático que foi interrompido pelo impeachment, ou golpe, tanto faz. Eu gostaria imensamente de tratar de filosofia, ou economia, ou ambas ao mesmo tempo, temperadas com algumas considerações matemáticas trazidas da engenharia (o que pretendo fazer nos artigos futuros). Porém, “o tempo urge”, de modo que prefiro, para este momento, tratar de mais um desenlace desse algo que começou…. quando? não sabemos ao certo, mas com certeza faz muito tempo.
Quem não nasceu ontem já viveu muitas vezes esse mesmo momento. Mas um em particular eu quero lembrar aqui, é o da primeira eleição presidencial da qual Lula e o PT participaram, na qual Lula foi derrotado por Collor no segundo turno. Naquele pleito, o primeiro depois da abertura política, penso que foi determinante o desempenho de Lula no debate final, ocorrido na Globo. No primeiro debate da mesma emissora, Lula havia tido um ótimo desempenho, que o levou a subir nas pesquisas a ponto de chegar tecnicamente empatado com Collor no segundo debate, o que gerou a expectativa de que o debate final seria a “pá de cal” na candidatura de Collor. Mas não foi isso o que ocorreu, pelo contrário. Lula teve um mau desempenho e Collor veio a vencer.
Muitos atribuem aquele desempenho ruim de Lula às manipulações da Globo e à edição do debate no Jornal Nacional do dia posterior. Em parte isso é verdade, porém, não foi somente isso. Ocorre que no caminho de construção de “outro mundo possível”, como a rigor em todos os caminhos evolutivos, as dificuldades sempre existem e temos de poder vencê-las, se queremos seguir adiante. Naquele debate Lula se saiu mal pois foi pego de surpresa por uma postura agressiva e em pontos sensíveis de sua própria vida pessoal, postura a qual foi planejada por Collor e sua assessoria, incluído possivelmente pessoas ligadas à Globo, ou a própria Globo, mas que talvez não obtivesse o sucesso que obteve se Lula tivesse se preparado adequadamente para isso. Achar que se pode ou se deve ir ao debate desarmado e confiando na justiça da história pode dar errado, ao menos de nosso ponto de vista, pois pode dar certo “para eles”. E a rigor não sabemos o que pensa a história sobre isso, de que lado ela está no momento, nem se ela se preocupa com justiça, no curto prazo de nossas vidas. E nem mesmo no longo prazo da eternidade. Além do mais o conceito de justiça é subjetivo e…bem, eu prometi não entrar em filosofia, ela pode esperar.
Na presente campanha, Lula se saiu bem na entrevista da Globo, mas (salvo melhor juízo) se saiu mal no debate da Band. Dizer depois do ocorrido que foi uma estratégia e que é melhor não ser agressivo e não baixar o nível respondendo às baixarias do Bolsonaro, a mim parece uma desculpa para não olhar melhor o problema: temos de responder de modo mais satisfatório a questão da “corrupção do PT”. Botar a cabeça na moita como um avestruz é no mínimo perigoso. Convém conversar melhor sobre isso. O tempo urge, mas ainda há tempo.
Quem me conhece um pouco sabe o que eu penso sobre a corrupção brasileira: ela é antes de qualquer coisa uma arma de guerra numa luta moral, em que todos jogam contra todos a alcunha de corrupto e ladrão. Por isso mesmo, Lula teria dito que a preocupação dele e seu staf de campanha não é ser morto, mas ser vítima de acusações morais, algo genuinamente brasileiro. Ocorre que a reta final de campanha não é o melhor momento para aprofundar de modo adequado o assunto predileto dos brasileiros, “corrupção”, de modo que é melhor “jogar o jogo” e tratar melhor do assunto adiante. Então, quando Bolsonaro fez a primeira pergunta no debate da Band, Lula deveria ter respondido, inclusive com indignação, e contra-atacado, e na visão da maioria ele não o fez, preferiu desviar o assunto. Vejam, não era difícil responder. Ele poderia ter dito, por exemplo, que todas as suas contas e de todos os integrantes de sua família foram vasculhadas à exaustão pela Lava Jato, e que nem um tostão foi encontrado, ao contrário da situação dele, Bolsonaro, que passou os quatro anos tentando impedir, e com sucesso, que as próprias contas e dos integrantes de sua família fossem abertas. E que ninguém no Brasil acreditou que os 89 mil na conta da Michele foram devolução de empréstimo dele, Bolsonaro, ao Queiroz. Que escondendo as coisas assim é fácil parecer honesto, o que é diferente de ser. Enfim, existem argumentos e munição em abundância quanto a isso, mas Lula precisa estar preparado e disposto a usá-los.
Mas não basta apenas estar preparado para o assunto corrupção, Lula deve estar preparado para qualquer assunto, por mais baixo, apelativo ou irracional que seja, que pode ser usado para desestabilizá-lo na reta final. Bolsonaro está longe de ser um intelectual, mas como ator político tem um desempenho razoável, em vista da plateia. E por trás dele existem estrategistas mais inteligentes do que ele, que possivelmente já estudaram profundamente o perfil e a vida de Lula e que procurarão pegá-lo de surpresa e deixá-lo paralisado. No debate final o que importa é menos a essência e mais a aparência. Eu gostaria de estar enganado, mas, infelizmente, acho que boa parte das pessoas ainda não amadureceram o suficiente e procuram aquele que vence a disputa, que se sai melhor, que “não leva desaforo pra casa”. E que também bate quando é agredido. Por isso, penso que no último debate convém Lula ficar “ligado” para reagir à altura. E se a ampla maioria das pessoas não liga para isso, de modo a não influenciar no resultado final, só podemos saber depois, e é muito arriscado colocar isso à prova neste momento. Depois pode ser tarde demais.
De mais a mais, se não sabemos ao certo qual a influência que um mau desempenho no debate tem, o que sei com certeza é que nós, os apoiadores de Lula, nos importamos com isso. Precisamos desse alento para ir à luta, convencer os indecisos a votar em Lula ao invés de irem a Paris, uma praia desconhecida de Santa Catarina. Pois não basta a maioria não querer votar em Bolsonaro, ela deve também ter motivação suficiente para votar em Lula. E o que vimos nas últimas eleições foi que parcela significativa das pessoas que tradicionalmente votavam “em nós” acabaram não votando, por desencanto.
Por fim, independentemente de qualquer coisa, não só para Lula, mas também para nós, existem argumentos e munição a se fartar.
Às armas cidadãos!
*Filósofo, economista e engenheiro elétrico, servidor público da Secretaria da Fazenda do RS.
Foto divulgação TSE.
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