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Opinião

A direita, contrabandista conceitual, disfarça seu caráter “Hood Robin”

A direita, contrabandista conceitual, disfarça seu caráter “Hood Robin”

Artigo por RED
22/12/2023 05:30 • Atualizado em 25/12/2023 03:29
A direita, contrabandista conceitual, disfarça seu caráter “Hood Robin”

De WALTER MORALES ARAGÃO*

(…) Sê outro nome! Que há em um nome? 

O que chamamos rosa, com outro nome, exalaria o mesmo perfume, tão agradável.

Shakespeare. Romeu e Julieta

Um laboratório de análise conceitual em filosofia política, hipotético, permitiria examinar os conceitos que circulam pela sociedade. Isto poderia ser algo útil para a comunidade, quiçá mais ainda nesta quadra histórica crítica em que vivemos. 

Um exemplo plausível desta atividade seria o estudo do contrabando conceitual. Trata se de uma prática que está sendo largamente empregada pela nova extrema-direita brasileira. Escolhem um conceito amplo, que abarca sentidos completamente díspares. Adotam um destes sentidos para a prática política, legislativa ou executiva. Mas é um sentido político específico, anti popular, pouco simpático ao eleitorado. Então, em peças publicitárias e em discursos sem permissão para debate democrático, sugerem o sentido mais amplo, mais palatável à cidadania. É o caso dos conceitos de direita partidária e de conservador. 

Ora, o conceito de conservador pode ir desde a proteção ambiental até o da manutenção da estrutura social, passando pela defesa de costumes tradicionais. Observa-se, então, que partidos, governantes e parlamentares apresentam-se agora como conservadores, ou até os “verdadeiros conservadores brasileiros”, como se isto significasse principalmente a defesa de valores comportamentais tradicionais, arraigados (mais no imaginário do que na prática social efetiva) numa sociedade de dominação de classes do tipo da brasileira. Mas, ao verificar-se as decisões políticas de tais partidos, vê-se que a tônica está, isto sim, na defesa da estrutura social injusta do país, no fortalecimento dos privilégios das classes dominantes, dos mais ricos com suas isenções infinitas de impostos, por exemplo. Em suma, naquele caráter político referido no anedotário especializado como “Hood Robin”, o que tira dos pobres para dar aos ricos, na inversão da popular figura literária que fazia alguma distribuição de renda para os mais necessitados. E este é o sentido do conceito de direita parlamentar, um clássico da filosofia política desde a Revolução Francesa. 

A direita e a extrema-direita brasileiras atuais – que disputam alegremente entre si quem é mais conservador – operam pois, de modo diuturno, na prática legislativa e governamental, para reduzir direitos da classe trabalhadora, liberdades populares e patrimônios públicos. O que é sabidamente antipático para a maioria do eleitorado. Por isso, disfarçam-se covardemente de meros conservadores nos costumes, cometendo, assim, o contrabando conceitual em seus discursos. 

Veja-se que, por diversas vezes, os políticos hostis ao povo e favoráveis aos ricos vão ainda além no contrabando conceitual. Chegam a sequestrar conceitos da social-democracia, como o de reforma. Estas – que na cultura política ocidental tem um sentido de melhorias para o interesse popular, ainda que não estruturais na sociedade – são apropriadas para nomear projetos nitidamente anti-populares e, assim, facilitar a aceitação social dos mesmos. Foi o caso explícito da dita reforma trabalhista promovida pelo governo de Michel Temer. Estima-se que aquelas reformas trabalhistas e previdenciárias levadas a efeito após o golpe parlamentar contra a presidenta Dilma – e muito provavelmente uma das causas do mesmo – transferiram um trilhão de reais da massa salarial para o capital, ou seja, dos trabalhadores e trabalhadoras para os patrões. 

E é também o caráter do projeto de emenda constitucional PEC 32, que invoca uma pretendida reforma administrativa, quando de fato propõe o fim dos serviços públicos prestados pelo Estado, extinguindo o funcionalismo e promovendo a generalização absoluta das terceirizações e concessões. O que é a transformação pura e simples da administração pública em mais uma fonte direta de extração de riqueza para os capitalistas. 

O contrabando conceitual, do qual a direita usa e abusa, é, portanto, bem mais perigoso socialmente na prática política do que na filosofia política. Ali a palavra “cão” morde mesmo.


*Professor de Filosofia e Doutor em Planejamento Urbano e Regional pela UFRGS. É participante do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito.

Imagem em Pixabay.

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