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Opinião

A dança diplomática de Lula não é novidade para o Brasil ou seu líder – o que mudou é o mundo ao seu redor

A dança diplomática de Lula não é novidade para o Brasil ou seu líder – o que mudou é o mundo ao seu redor

Artigo por RED
26/05/2023 05:25 • Atualizado em 28/05/2023 18:52
A dança diplomática de Lula não é novidade para o Brasil ou seu líder – o que mudou é o mundo ao seu redor

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um homem muito requisitado nos círculos internacionais.

Em abril, o líder esquerdista estava sendo cortejado pela China durante uma visita de alto nível a Pequim. Seguiu-se, um mês depois, um convite para a reunião do G7 no Japão, onde Lula conviveu com líderes das maiores economias do chamado Norte Global. Nas últimas semanas, o presidente do Brasil também tem se ocupado em restaurar os laços regionais na América Latina e impulsionar uma proposta de caminho para a paz na Ucrânia.

O turbilhão diplomático de Lula confundiu seus críticos. Ele foi acusado de “se acovardar” com os inimigos dos Estados Unidos ou de “jogar os dois lados” sobre a Ucrânia.

Mas, como estudioso do Brasil e de sua posição no mundo, acredito que as ações de Lula refletem dois elementos principais: um relacionado aos desenvolvimentos geopolíticos globais, o outro ligado à visão de longa data do líder brasileiro.

A ascensão da China e a guerra na Ucrânia ressaltaram que a realidade unipolar dos anos 1990 – sob a qual os EUA eram a potência predominante – está sendo seriamente desafiada. Em seu lugar parece estar emergindo uma dinâmica bipolar em que Pequim e Washington lutam por influência – ou um mundo multipolar em que potências regionais competem pela hegemonia.

Antecipando essa nova ordem mundial, nações que historicamente se alinharam com a Europa-EUA como centros de poder – particularmente aqueles em lugares como a América Latina – estão se reposicionando. Esse parece ser o caso do Brasil, a maior nação e economia da América do Sul.

Diminuição da influência dos EUA na América Latina

Durante grande parte do século 20, o Brasil desenvolveu-se em estreita cooperação econômica com os EUA, ao mesmo tempo em que conseguiu sustentar uma política externa amplamente autônoma.

Mas, desde 2001, a influência dos EUA no Brasil diminuiu à medida que Washington desviou suas atenções da região para o Oriente Médio e depois a Ásia. No mesmo período, a China substituiu os Estados Unidos como o mais importante parceiro econômico do Brasil. Números de 2021 mostram que a China recebeu 31% das exportações brasileiras, contra 11,2% dos Estados Unidos, e forneceu 22,8% de suas importações, ante 17,7% dos Estados Unidos.

Revivendo o Lulismo, fortalecendo os BRICS

Enquanto isso, o retorno de Lula à presidência em janeiro de 2023 abriu caminho para uma retomada de uma política externa ambiciosa e assertiva definida pelo líder durante seu primeiro mandato, entre 2003 e 2010.

Nesse período anterior, o metalúrgico que virou presidente conseguiu manter boas relações com os governos Bush e Obama, ao mesmo tempo em que buscava diversificar os parceiros econômicos e geopolíticos do Brasil, especialmente no Sul Global.

Ele também desempenhou um papel central na criação do BRICS, um bloco multilateral vagamente definido composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O bloco ajudou a remodelar o equilíbrio econômico e geopolítico do mundo nas últimas duas décadas.

Desde que voltou ao poder, Lula buscou fortalecer o banco dos Brics – agência de fomento a projetos desenvolvimentistas no Sul Global que oferece uma alternativa financeira ao Banco Mundial. Em uma demonstração de intenção, Lula pressionou pela nomeação da ex-presidente brasileira – e sua ex-chefe de gabinete – Dilma Rousseff para chefiar a agência.

Assim como em sua agenda doméstica de reconstrução de programas sociais, minada por seu antecessor Jair Bolsonaro, no cenário internacional Lula busca retomar seu projeto de estreitar os laços do Brasil com diversos parceiros. Em seu primeiro mês de mandato, Lula participou de uma reunião da Comunidade de Nações Latino-Americanas e Caribenhas (Celac), na Argentina, onde destacou o desejo de fortalecer as relações do Brasil na região.

Logo depois, ele visitou o presidente Joe Biden em Washington, onde ambos os líderes professaram seu desejo mútuo de promover a democracia e pressionar por um caminho de desenvolvimento mais ambientalmente correto, particularmente na região amazônica.

Concluída a viagem, Lula visitou a China para aprofundar as relações comerciais e tentar liderar um esforço de paz para a guerra na Ucrânia. Em seguida, foi à Europa para se encontrar com aliados tradicionais, como Espanha e Portugal.

Diplomacia divisora ou dinâmica?

Feitas as contas, esta abordagem de “muitos amigos” não é tão diferente das experiências de Lula de há 20 anos. Então, o Brasil foi amplamente recebido como uma força diplomática em ascensão no mundo em desenvolvimento. O presidente Barack Obama, durante uma reunião em 2009, fez uma observação especial da “liderança voltada para o futuro de Lula (…) em toda a América Latina e em todo o mundo”.

O que mudou desde então são os contextos doméstico e global em que Lula agora atua. E o que antes era visto como uma busca progressiva de uma política externa autônoma e assertiva, agora está sendo interpretado por muitos no Brasil e no Ocidente como divisivo, inadequado ou mesmo uma traição aos alinhamentos tradicionais do Brasil.

Tal visão, acredito, ignora não apenas o histórico internacional anterior de Lula, mas também uma perspectiva histórica mais ampla. Por mais de um século, os esforços diplomáticos do Brasil se concentraram na promoção do multilateralismo e na pressão pela resolução pacífica de conflitos.

E, embora tenha se aproximado dos aliados ocidentais durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, sucessivos governos no Brasil – sejam eles progressistas ou conservadores, democráticos ou autoritários – seguiram uma política de autodeterminação. Moldada por essas dinâmicas, a política externa brasileira tem servido ao país como instrumento de seu próprio desenvolvimento.

A necessidade de um pacificador neutro

Como tal, as aberturas de Lula aos parceiros comerciais tradicionais e novos não surpreendem. Tampouco seu plano é encontrar uma solução para a guerra na Ucrânia por meio da criação de um bloco neutro de países mediadores.

Ao participar da reunião do G7 em Hiroshima, Lula ressaltou a necessidade de negociações de paz não apenas para acabar com a tragédia em si, mas também porque o tema estava distraindo a comunidade global de se concentrar em outros assuntos, como o aquecimento global e a fome.

Talvez algumas de suas declarações sobre a guerra pudessem ter deixado mais claro que ele considerava a Rússia a principal responsável pelo conflito – algo que pode ter desempenhado um papel na queda de uma reunião planejada com o líder ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, no G7. Mas é preciso lembrar que a afirmação de que países tidos como neutros, como o Brasil, podem ter mais chances de levar a Rússia à mesa de negociações é uma posição válida.

Não é do interesse do Brasil escolher um lado

Não está claro, neste estágio inicial de sua nova presidência, se Lula pode reviver o equilíbrio internacional que ele conseguiu durante seu primeiro período de governo. O mundo mudou desde então, e as disputas econômicas e geopolíticas parecem cada vez mais propensas a incluir uma dimensão militar, como mostra a guerra na Ucrânia. E embora o Brasil possa de fato desempenhar um papel pacificador, nenhum dos lados do conflito parece pronto para negociar ainda. Da mesma forma, a crescente rivalidade entre EUA e China será difícil de navegar – e, dados os laços econômicos históricos e atuais, o Brasil não pode se dar ao luxo de escolher um lado.

Na verdade, não escolher um lado poderia funcionar a favor do Brasil. Foi somente após a visita de Lula à China que o governo Biden anunciou um aumento em dez vezes de sua contribuição para o Fundo Amazônia. Fica claro, portanto, que, em um mundo cada vez mais dividido, a posição não alinhada do Brasil pode ser o melhor caminho.


Publicado originalmente no portal The Conversation

Traduzido por extensão do Google

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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