Opinião
A cultura do xingamento e da violência
A cultura do xingamento e da violência
De ADELI SELL*
Xingamento pode ser um insulto, ofensa, injúria, ultraje ou afronta, entre outros sinônimos. É uma forma de violência verbal na qual o agressor se utiliza de palavras com o propósito de humilhar ou atingir sua vítima.
Chamar um ladrão de ladrão não é uma ofensa propriamente dita. Mas deve ter uma base fática. Ladrão a gente denuncia. É melhor do que sair “xingando”, ou não?
Quais os resultados da cultura do xingamento? Muitos. Às vezes, gera mortes.
“Gaudério” era uma palavra usada para nossos bandoleiros; enquanto “gaúcho” era um “estranho”, “estrangeiro”. Com o correr dos tempos, estas palavras foram adquirindo outros sentidos, partindo de elementos presentes em seu uso pretérito, como valente, que se impõe, que se distingue. Rafael Pinto Bandeira era um típico gaudério, bandoleiro, ladrão. A História oficial esconde.
Nem sempre se deve tomar um termo “ao pé da letra”. Mas xingamentos são elementos que pouco ajudam o processo civilizatório.
Mesmo que “farrapo” signifique “trapo, andrajo”, no caso do Rio Grande do Sul os farrapos ou farroupilhas tem origem em grupos revolucionários anteriores à nossa Guerra dos Farrapos.
“Chimangos” eram inicialmente os conservadores tanto que se dizia que era caça com a qual não valia a pena se gastar chumbo. Na capa do livro Antônio Chimango de Amaro Juvenal, na verdade era o médico/senador Ramiro Barcelos, temos a representação de um chimango, pequena ave de rapina com roupagem gauchesca, isto sim é que era um xingamento. Era uma verdadeira afronta.
Por seu turno, os adversários dos chimangos foram batizados de “maragatos”. Chimangos viraram “pica paus” na Guerra Civil de 1893 e tinham os maragatos como adversários, pois estes eram federalistas e opositores de Júlio de Castilhos. “Maragatos” porque vieram da Maragateria (Uruguai), onde Silveira Martins e
Gumersindo Saraiva se encontraram e vieram para enfrentar os pica paus.
Alcunhados deste modo como xingamentos, zombaria, afronta, insultos.
Na luta política do Rio Grande do Sul sempre foi assim. Os conservadores aqui levaram mais tarde o apelido de “peracões”, em referência ao truculento militar e depois governador – Perachi de Barcelos.
Os conservadores chamavam os trabalhistas e brizolistas de “comunistas” para xingar e impor medo junto ao povo.
Dos xingamentos e das afrontas verbais se foi às “vias de fato”. Degolas de lado a lado. Tocaias, mortes infames. Vide a morte e as cinco tumbas de Gumersindo Saraiva, e o episódio de sua cabeça trazida ao Palácio.
O episódio dos Muckers tenta ser escondido ou esquecido, mas não se pode apagar o massacre de Ferrabrás.
O massacre de Porongos tenta ser apagado, mas os fatos, os documentos estão a comprovar o conluio de Canabarro e Caxias.
Os enforcamentos no Largo da Forca em Porto Alegre aconteceram de 1821 a 1857, maioria de escravos.
O professor Tao Golin, entre outros, por ousar debater a Guerra dos Farrapos, a construção do mito dos farrapos e de seus heróis ladrões de cavalos continua até os dias atuais perseguido pelo conservadorismo do Movimento Tradicionalista Gaúcho.
O uso do chicote, da soiteira, nas ruas de Bagé contra pessoas ligadas ao PT, secundado por discurso da então senadora Ana Amélia.
O Rio Grande do Sul tem uma História de violências verbais e físicas, com mortes planejadas e articuladas, como foram os enfrentamentos nas passeatas e greves, na morte a machadados de Waldemar Ripoll e logo depois de seu amigo o jovem advogado Aparício Cora de Almeida.
Tivemos na ditadura entre outras a morte do Sargento Manoel Raymundo Soares, o caso Mãos Amarradas.
Tivemos as mortes por causa do racismo estrutural do operário negro Júlio César de Melo Pinto, o caso do “homem errado”. E mais recentemente o caso de João Alberto Silveira Freitas, homem negro espancado até a morte em uma unidade do Carrefour.
Antes mesmo de cunhar a expressão Banalidade do Mal ela pode ser vista por aqui com frequência, devendo ser analisada com mais cuidado pelos historiadores rio-grandenses.
Depois do golpe dado contra a Presidenta Dilma cresceram grupos em whatsapp e noutra mídias com araques de bolsonaristas contra petistas e pessoas que discordam das atitudes fascistas, das milícias, dos pastores enganadores, dos agentes da mídia conservadora.
“Petralha” é o xingamento mais leve, indo até ameaças físicas, como tentativas de morte, num caso recente em Salto do Jacuí contra uma vereadora do PT. O criminoso em potencial em fuga da polícia acabou capotando seu carro e morreu.
O clima de xingamentos e baixaria nas Câmaras, na Assembleia é outra demonstração da intolerância local.
*Escritor, professor e bacharel em Direito.
Imagem em Pixabay.
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