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Opinião

A contribuição da mídia gaúcha para a decadência do RS – PARTE 4

A contribuição da mídia gaúcha para a decadência do RS – PARTE 4

Artigo por RED
13/06/2023 05:30 • Atualizado em 15/06/2023 08:00
A contribuição da mídia gaúcha para a decadência do RS – PARTE 4

De CARLOS ÁGUEDO PAIVA*

Justiça é tratar de forma igual os iguais e de forma desigual os desiguais na medida de sua desigualdade. Aristóteles. Ética a Nicômaco

Chamar o governo do PT de um governo de esquerda stricto sensu é uma impropriedade do ponto de vista do vocabulário. Ele é um governo de centro, de frente-ampla antifascista. Reinaldo de AzevedoEu me dou ao direito de mudar de ideia – entrevista a Marco Antônio Villa (14’27’’)

À Guisa de Prefácio: um pedido de desculpas

Quando iniciei esta série de textos, organizei-os, na minha cabeça como um “quatrilho”. E pretendia encerrar as discussões neste quarto capítulo. Mas o tema se mostrou muito mais complexo e exigente do que eu poderia imaginar. O crescimento estonteante da dívida pública gaúcha tem dimensões que – confesso sem pudor – eu ignorava totalmente quando me propus a escrever estas (nem tão) mal traçadas linhas. Na verdade, me vi obrigado a retroceder ao Governo Collares nesta quarta seção da série ao tomar conhecimento dos termos muito especiais da renegociação das dívidas de alguns Estados levada à frente no ano de 1993 pelo Governo Itamar e seu Ministro da Fazenda, um tal de FHC. Só para variar, a renegociação de 1993 beneficiou Estados que não contavam com uma burocracia e um sistema financeiro público estatal tão competente quanto o Estado do Rio Grande do Sul, São Paulo e (até mesmo, se me permitem uma blague) aquele tal de Rio de Janeiro. Tal como veremos adiante, a renegociação de 1993 beneficiou aqueles Estados que, nem fizeram o “dever de casa”, nem têm uma história de construção de sua dívida tão “republicana” quanto o Estado do Rio Grande do Sul.

Além disso, me deparei com alguns elementos da evolução da dívida gaúcha nos Governos Britto, Olívio, Rigotto e Yeda que me impuseram retomar os dois primeiros e detalhar os dois últimos. Com isso, o texto foi crescendo, e crescendo e crescendo, e crescendo. Até chegar naquele ponto em que meu querido amigo Mario Corso diz: chega! Ninguém aguenta ler um texto tão longo. Sintetiza, orra!

Tal como expliquei para o amigo mais de uma vez: não dá! Juro que tentei. Passei os últimos dois dias relendo e cortando. Mas, a cada releitura e a cada corte, me dava conta que não havia falado disso ou daquilo. E o texto voltava a crescer. Mas Mário tem toda a razão: é impossível ler um texto que se quer jornalístico com mais de 15 páginas.

Assim, externo já as minhas desculpas. Pois teremos um quinto capítulo. Integralmente destinado aos governos Tarso, Sartori e Leite. Seria muita injustiça deixar de tratar estes governos com a devida atenção. E ainda mais injusto seria deixar de analisar com a devida atenção o tratamento dispensado pela mídia a cada um deles. E ainda vou ter que pesquisar para saber se a mídia gaudéria comemorou a assinatura do Regime de Recuperação Fiscal em 2022 com manchetes, fatos e fotos tão festivas, realistas e fidedignas quanto comemorou o início das tratativas do acordo Britto-Malan no dia 21 de setembro de 1996.

Introdução

Ao final da Parte 3 desta série de ensaios sobre as relações promíscuas da mídia (des)informante e os governos neoliberais do RS, afirmei que todos os contratos de Fundopem firmados durante o governo Britto continham sérias e graves inconsistências. Alguns amigos me escreveram preocupados com a “bomba” lançada por mim e perguntaram: 1) se eu tinha certeza do que afirmara; e 2) se isto era fato, como eles nunca ficaram sabendo do mesmo. Ora, esta é justamente a questão que estou tentando tratar nesses ensaios! Mas já a respondo: 1) sim, tenho certeza; e 2) não ficaram sabendo porque a mídia não quis informar. Para demonstrar as duas afirmações vou contar três “causos” transcorridos comigo.

Primeiro “causo”: Para minha sorte, tenho muitos amigos jornalistas. Admiro demais as profissões que têm por função apresentar temas complexos de forma compreensível. Professores e jornalistas têm, de fato, a mesma função social. Nessa série de artigos, não estou criticando os jornalistas, mas seus empregadores. Que os obrigam a contar meias verdades e a ocultar o que é inconveniente. Ora, eu trabalhei no Governo Olívio e sabia muito bem o que havia se passado com os contratos do Fundopem do Britto. Tão logo Rigotto assumiu o governo e enviou o projeto de mudança da lei do Fundopem para a Alergs, liguei para alguns jornalistas que eram meus amigos à época perguntando: “Você quer saber como foi possível que Britto tenha vendido estatais, aumentado as alíquotas de ICMS, pedagiado estradas, renegociado a dívida e, mesmo assim, tenha deixado o Estado à beira da falência? Posso te explicar. Tem muito a ver com os contratos do Fundopem. Que tal tomarmos um café e eu te conto tudo?” Absolutamente ninguém se interessou pelo assunto.

Segundo “causo”: Em meados do Governo Tarso, fui convocado ao Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF) para dar uma palestra sobre os desafios da Economia Gaúcha para consultores da FGV (que prestavam assessoria ao governo à época) e técnicos das Secretarias de Planejamento e do Desenvolvimento. Lá pelas tantas, fiz uma pergunta para os ouvintes:

“Alguém aqui pode me dizer qual é a percentagem de contratos de Fundopem firmados durante o Governo Britto que não seguiam, de forma estrita, as normas legais e que tiveram que sofrer ajustes durante o Governo Olívio Dutra?”

Um técnico da Secretaria de Desenvolvimento respondeu:

“Ora, isto todos os funcionários do CAFF sabem: todos os contratos, 100% deles, eram inconsistentes, e garantiam um volume de benefícios fiscais maiores do que os autorizados em lei”.

Pergunta que não quer calar: como pode ter ficado oculto do público em geral algo que qualquer funcionário do CAFF sabia e sabe? Resposta simples e óbvia: a mídia não quis divulgar. Na verdade, não quis nem saber.

Terceiro “causo”: No dia da inauguração da planta automobilística da Ford na Bahia, eu e o colega Miguel da Costa Franco fomos indicados pelo Secretário Zeca Moraes, para representar a Secretaria do Desenvolvimento num debate no Programa Polêmica, da Rádio Gaúcha, coordenado por Lauro Quadros. Debatiam conosco, pelo lado dos governos “responsáveis e probos” (de acordo com Marcelo Rech) o amigo Cézar Busatto e o senhor Onyx Lorenzoni. A pergunta tema era: “A Ford optou pela Bahia por motivos econômicos ou políticos?” Eu fui o primeiro a falar e disse:

“Me parece evidente que ela foi para a Bahia por motivos políticos. Tão logo Britto foi derrotado nas eleições de 1998, o PMDB fez de tudo, no Congresso Federal, para reabrir o Programa Automotivo Especial do Nordeste, que já se encontrava encerrado. Ao reabrirem, a Ford obteve vantagens econômicas que o RS não poderia oferecer. O motivo da reabertura foi impor uma derrota ao Governo Olívio Dutra e ao RS”.

Lembro-me que, no primeiro intervalo, Lauro Quadros me admoestou, dizendo que eu, usualmente, respondia as questões postas de forma contrária ao que ele esperava de um representante do Governo Olívio. E que essa atitude prejudicava o andamento dos debates. Ri muito e respondi que eu não sabia que deveria representar um personagem. Pensava que deveria responder com a minha cabeça. Mas, se não era assim, que ele, por favor, mandasse o script que eu deveria seguir para poder decorar e responder “corretamente”.

Ao longo do debate, o senhor Onyx afirmava reiteradamente que o “fuga” da Ford se dera pela aversão dos governos petistas aos empresários e na incapacidade de diálogo com estes. Lá pelas tantas, me irritei com tal (falta de) argumento e respondi:

“Se você entende que ‘capacidade de diálogo’ é garantir vantagens fiscais que vão além do que a lei prevê, então, sim, é preciso reconhecer que o Governo Olívio não tem a mesma capacidade de diálogo do Governo Britto. Durante quatro anos de gestão, Britto promoveu uma festança com o Fundopem. A Secretaria do Desenvolvimento jamais checou com a Fazenda se as declarações dadas pelos empresários do valor do recolhimento prévio de ICMS eram verdadeiras ou não. Isto levou a perdas enormes para o Tesouro gaúcho. Este tipo de “diálogo” nós não fazemos.”

O senhor Onyx quase surtou. Com voz alterada, disse que minha declaração era motivo de processo. E que ele iria me denunciar por divulgar inverdades (ainda não se falava em “fake news”!). Miguel Franco interveio dizendo que minha declaração era 100% verdadeira e que ele tinha elementos para provar. Busatto – ex-Secretário da Fazenda do Governo Britto – fez um sinal com a mão para que Onyx se acalmasse. E se calasse. Lauro Quadros chamou um intervalo. Na volta, o tema já havia sido “esquecido” por todos.

O que levou Busatto e Onyx a “esquecerem” o tema é mais do que evidente: insistir no mesmo ia colocar na lama a “probidade” do Governo Britto. Por que eu mesmo ou o amigo Miguel não insistimos na questão? Porque havia uma orientação do Governo Olívio para evitar qualquer divulgação dos “equívocos contábeis” dos governos anteriores. Por quê? Pelo mesmo motivo que Lula, em 2003, não levou à frente qualquer investigação sobre os escândalos dos governos FHC, tais como: 1) a compra de votos no Congresso para garantir o direito à reeleição; 2) os “não-resultados” da investigação sobre o “caso Banestado”; 3) as privatizações “exóticas” das joias da Coroa Estatal (Vale, CSN, Cosipa, Usiminas, etc.), com a participação do BNDES e de fundos de pensão das estatais para alavancar “empresários” que não tinham cacife para bancar as aquisições nem mesmo com os “precinhos mais do que camaradas” definidos pela turma proba e responsável; 4) as aquisições de haras e imóveis no Brasil e no exterior (inclusive na requintada Avenue Foch, em Paris) pelo Príncipe dos Sociólogos, etc. A ordem era: não cutuque as onças com vara curta. Vamos trabalhar pela unidade nacional. Vamos contemporizar, pois precisamos de apoio no Congresso. …. Tanto amor deu no que deu. Lula amargou quase dois anos de prisão por ter visitado um triplex que nunca foi dele!

Mas a pergunta realmente importante é: por que Lauro Quadros não retornou a um debate que levaria a audiência do programa aos píncaros da glória? Sabemos todos que Lauro é um grande jornalista e, como tal, uma pessoa extremamente curiosa e ansiosa por entender o mundo. O que o levou a não fazer a pergunta que, creio, todos os ouvintes esperavam: “Então, como ficamos: houve ou não houve falhas e prevaricações na concessão de Fundopem no Governo Britto?” A resposta é simples: pelo mesmo motivo que nenhum dos meus amigos jornalistas se interessou em saber o que eu tinha a dizer sobre este caso. Não é do interesse dos grandes grupos de mídia, seja a gaudéria, seja a nacional, conhecer e divulgar os malfeitos dos governos “probos e responsáveis”. Só interessa divulgar os escândalos e corrupções da esquerda. Mesmo que sejam falsos.

Admiro muito Lauro Quadros. Como admiro diversos jornalistas gaúchos das mais diversas posições políticas. Sempre admiro pessoas inteligentes e competentes naquilo que fazem. Não obstante, não posso deixar de reconhecer uma diferença que separa os melhores jornalistas do RS em dois grupos. Alguns – como Denise Nunes, Juremir Machado da Silva, Moisés Mendes, dentre outros – lutam por sua autonomia e pelo direito de informar o que veem, mesmo que não corresponda à visão das chefias. Outros, se submetem às severas circunscrições político ideológicas dos veículos de comunicação. Alguns, com prazer; pois comungam da ideologia de seus superiores. Outros, de forma envergonhada e autocrítica. Pelo menos no início da lida jornalística. Até que, pouco a pouco, começam a acreditar na legitimidade do discurso anódino e pretensamente neutro que realizam. Estes, são os que mais me entristecem.

Collares e a gestão da Dívida

Collares enfrentou uma crise fiscal acachapante e – ao contrário dos governos Amaral, Jair e Simon – não contou com apoio do Governo Federal. Não havia mais espaço para “troca de gravatas”. Na verdade, desde o início de seu Governo, Collor fez das relações com os Estados Federados mais um dos inúmeros simbolismos de sua “macheza e saco roxo”. Até 1989, mais de 90% do déficit dos Estados era financiado através de operações de antecipação de receita orçamentária (ARO). O Governo Collor limita estas operações sem, contudo, introduzir qualquer reforma tributária ou programa de transferência de recursos do Governo Federal para os Estaduais que permitisse a substituição desta fonte de receitas por outra. Em pouco tempo, os Estados se aproximaram de uma situação de insolvência.

O Governo Collares adotou duas medidas extremamente eficazes e inteligentes para tratar do problema. Em primeiro lugar, consolidou e aprimorou as operações do “caixa único”. Vale dizer: o caixa dos diversos órgãos do Estado, seja da Administração Direta, seja da Administração Indireta, passavam a ter uma gestão comum. Aquelas organizações que auferiam receitas antes da realização de despesas inadiáveis, disponibilizavam seus recursos momentaneamente excedentários ao “caixa único”. E estes recursos eram utilizados pelos órgãos da estrutura pública que tinham que realizar dispêndios “para ontem”. No momento em que a estrutura que havia feito a transferência inicial necessitava desembolsar, o caixa circunstancialmente excedente de outros órgãos era transferido para a mesma. Assim, o dinheiro não ficava parado nunca. Na verdade, a máxima eficiência era obtida quando o saldo caixa único estivesse sempre próximo de zero. Pois isto significava que, de fato, haviam sido honrados todos os compromissos passíveis de sê-los.

Além disso, Collares foi o último governador que usufruiu dos ganhos proporcionados pela inflação para o equacionamento das finanças públicas. Desde que teve início a indexação dos tributos devidos pela inflação diária, deixou de ser vantajoso atrasar o pagamento de impostos. Mas alguns contratos em que o Estado era o devedor não continham cláusulas de indexação tão rigorosas. Se o Estado atrasasse alguns dias o desembolso e aplicasse os valores já recebidos em outras operações (ou, no overnight) ele auferia ganhos não desprezíveis. Com a excelente assessoria dos técnicos do sistema financeiro público estadual gaúcho, Collares conseguiu explorar ao limite estes espaços de operação e driblou os obstáculos como um verdadeiro Garrincha de Bagé.

Não obstante, o garrote imposto pela gestão Collor foi se tornando cada vez mais asfixiante. E não apenas para o RS. A conquista do impeachment de Collor se deve, acima de tudo, à mobilização popular. Mas não se deve subestimar o papel dos governadores na oposição à sua gestão. Não será gratuito que, após a queda de Collor, Itamar flexibilizará a rolagem das dívidas estaduais. Mas o fará de tal forma que irá impor novos desequilíbrios e injustiças na evolução das dívidas dos distintos Estados. Injustiças que os nossos jornalistas insistem em desconsiderar quando vociferam que o RS não tem direito a “privilégios” e todos os Estados devem ser tratados da mesma forma.

Em 1993, o Governo Itamar autorizou Tesouro Nacional a refinanciar por 20 anos as dívidas que os Estados haviam contratado junto às instituições financeiras federais. Esta medida amenizou a situação daqueles Estados cuja dívida não era sustentada e rolada pelos Bancos Estaduais. Note-se que, em 1990, o Banco Central havia decretado a liquidação extrajudicial dos Bancos Estaduais da Paraíba, do Piauí e do Rio Grande do Norte e das Caixas Econômicas de Goiás e Minas Gerais, que se encontravam em situação pré-falimentar em função dos usos e abusos destas instituições pelos governos estaduais na rolagem das dívidas. Com a liquidação dessas instituições, os valores das dívidas públicas que elas carregavam foram assumidos por instituições financeiras federais. E, assim, estes Estados puderam se beneficiar da do refinanciamento concedido pelo Governo Itamar em 1993. Um mimo dado à má gestão.

Por oposição à situação dos Estados que tiveram seus bancos liquidados pelo Bacen, a maior parte da dívida pública gaúcha no início dos anos 90 não era contratada com instituições financeiras federais ou privadas, mas mobiliária, baseada em títulos do Governo do Estado que eram negociados com o público via Banrisul. E, por isso, o RS praticamente não se beneficiou da renegociação de Itamar em 1993. Nos termos do maior especialista nacional no tema da dívida pública, Francisco Lopreato:

A evolução da dívida mobiliária nos anos 90 caracterizou-se pela articulação entre o elevado estoque de títulos já existentes ao final dos anos 80, as altas taxas de juros reais sustentadas nos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso e as condições de rolagem da dívida. A conjugação dessas variáveis provocou a expansão acelerada da dívida e o crescimento da relação dívida/receita, gerando um quadro potencialmente explosivo. Os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, responsáveis por 90% do estoque da dívida mobiliária, foram os mais atingidos. (Lopreato, F. O endividamento dos Governos Estaduais nos anos 90, p. 135)

Tendo em vista a enorme dificuldade da mídia charrua em entender que os Estados e suas dívidas não são iguais, vamos traduzir a passagem acima em termos bem simples. Os Estados que contavam com um sistema financeiro próprio, de alta capilaridade (presentes nos mais diversos rincões) e de elevada confiabilidade, alcançavam rolar o estoque da dívida através de seu próprio sistema bancário. Mas esta rolagem foi duramente impactada pela extraordinária elevação da taxa de juros nacional imposta pelos governos Collor e FHC. Os Estados que não contavam mais com qualquer sistema financeiro próprio, ou cujo sistema financeiro não era sólido, nem confiável, passaram a se financiar com o sistema federal. Em 1993, as dívidas junto ao sistema federal passaram por uma ampla e benéfica renegociação. Comparada à renegociação de 1998, firmada por Britto, tratava-se um negócio de pai para filho. Ainda que, na verdade, fosse um mimo, uma gravata italiana, para os maus gestores estaduais. Por vezes, quando sou atacado por crises de paranoia, chego a me perguntar se tanto carinho teria algo a ver com as eleições de 1994, na qual o Ministro da Fazenda de Itamar se lançaria candidato à Presidência. Mas creio que não. Uma tal hipótese envolveria ver o mundo com olhos muito severos, não é mesmo?

Infelizmente para o Rio Grande Amado, a despeito de nossa dívida ser elevada (por determinações históricas que foram apresentadas nas partes 1 e 2 desta série) conseguimos rolá-la praticamente sem apelar para o sistema financeiro federal. Qual foi a consequência de tanta competência? Não nos beneficiamos do refinanciamento de 1993 que contemplava os Estados que “que não fizeram o dever de casa” com taxas de juros subsidiadas (veja-se o nono parágrafo da Lei 8.727) E tivemos que arcar com as consequências das escandalosas taxas de juros de FHC, entre 1994 e 2002. Enquanto isto, a mídia charrua bate palma com vontade e faz de conta que é turista.

O Governo Britto: explosão da dívida e o acordo de 1998

O Governo Collares conviveu apenas com o primeiro ano do Plano Real, quando a inflação ainda era alta e permitia algum “jogo de cintura”. O Governo Britto tem início quando o Plano Real está consolidado; vale dizer, quando as taxas de inflação haviam caído abruptamente e as taxas de juros reais haviam atingido os píncaros da glória. E, como se isso não bastasse, Britto amargou o impacto da Lei Kandir, de 1996, que isentava de ICMS as mercadorias exportadas pelos Estados. Mais uma vez, a legislação federal triturava a economia do nosso rincão, caracterizado por alta abertura para o exterior.

Quais eram as alternativas abertas à frente para a gestão Britto? Duas: 1) ampliar a arrecadação pela revisão da política de subsídios e desonerações fiscais, focando a política industrial na superação dos gargalos das cadeias produtivas gaúchas de maior expressão e competitividade; 2) renegociar a dívida estadual nos termos propostos por FHC e Malan no Programa de Ajuste Fiscal e Reestruturação Financeira dos Estados. Britto optou pela segunda alternativa. Praticamente ignorou as cadeias produtivas consolidadas. E ampliou – ao invés de reduzir – os benefícios concedidos às empresas privadas, na busca de “modernizar” nosso parque industrial.

Não obstante, temos de dar a César o que é de César e dar a Brutus o que é de Brutus. O esforço fiscal de Britto César – assentado nas privatizações, aumento da alíquota de ICMS, pedagiamento das estradas e congelamento de salários – foi relativamente eficaz. Nos três primeiros anos do governo Britto, entre 1995 e 1997, a taxa básica de juros (Selic) acumulada foi de 143,4%. Na ausência de superávits primários, a dívida pública mobiliária do RS (vale dizer, aquela negociada no mercado através do Banrisul) teria crescido acima da Selic. Mas ela cresceu “apenas” 133,9% (Lopreato, p. 140). O problema é que a inflação acumulada nestes mesmos três anos foi de 34,86% (IGP-DI). De sorte que, a despeito do esforço fiscal e dos superávits obtidos nestes três anos, a dívida teve um acréscimo de 73,43% em termos reais (acima da inflação). E isto tão somente porque: 1) o Governo Federal colocou a taxa de juros em patamares exorbitantes para garantir a ancoragem cambial do Plano Real; 2) o RS – tal como SP, RJ e MG – contavam com sistemas financeiros estaduais sólidos e não se beneficiaram da renegociação de 1993.

Já tratamos e fizemos a crítica da política de desenvolvimento do Governo Britto na Parte 3 desta série. Cabe, agora, avaliar o acordo firmado em 25 de março de 1998 com o Governo Federal. Em sua essência, o acordo federalizava a dívida flutuante, definia um valor máximo de comprometimento da receita anual (13%), um prazo de 30 anos para pagamento (ampliável no caso da existência de um saldo) e a indexação do valor devido pelo IGP-DI mais 6% de juros anuais.

Se considerarmos as taxas de juros exorbitantes praticadas pelo Governo FHC, esta renegociação até pode parecer razoável. Mas se tomarmos por referência as taxas praticadas em países de inflação baixa (e esperava-se que o Plano Real nos garantisse taxas de inflação decrescentes!) o acordo é usurário. Seja pela taxa de juros de 6% imposta após anos de rolagem às inacreditáveis taxas de mercado no Brasil, seja pelo indexador eleito, o IGP-DI, que, além de apresentar valores sistematicamente mais elevados do que o IPCA, não apresenta qualquer relação com a evolução das receitas do Estado, baseadas no ICMS. O que importa entender é que, em parte pelas taxas de juros usurárias, em parte pelos próprios termos de negociação da dívida, ao longo do mandato de Britto, a dívida gaúcha apresentou a maior taxa de expansão real de toda a sua história. A preços de 2014, a dívida estadual era de 22 bilhões e 600 milhões de reais no início do Governo Britto. E passa a 50 bilhões e 222 milhões de reais ao final de 1998. Um crescimento de 122% em termos reais. (A este respeito, veja-se a página 71 do Relatório Anual da Dívida Pública do RS do ano de 2014). Mas a nossa mídia neutra e objetiva já comemorava o acordo antes mesmo dele ser assinado. (Vide foto ao fim da primeira seção deste “capítulo da saga”) Não tenho lido a ZH com frequência ultimamente. Mas imagino que a contratação do Regime de Recuperação Fiscal pelo Governo Leite tenha proporcionado manchetes igualmente delirantes

O Governo Olívio: Administração Fiscal e Política de Desenvolvimento

A derrota de Britto nas eleições de 1998 expressou a rejeição ao programa de governo que ele havia implementado. O Governo Olívio tentará renegociar os termos do acordo firmado por Britto; mas sem nenhum sucesso. Praticamente todos os Estados haviam firmado um acordo similar e, como não se encontravam em uma situação fiscal tão complexa e não sofreram os impactos da Lei Kandir com a mesma intensidade, não havia interesse na constituição de uma frente de governadores para o embate.

Olívio buscou, então, trabalhar na perspectiva que havia sido recusada por Britto: ampliar a competitividade das cadeias produtivas internas, aprofundar e melhorar o sistema de fiscalização da arrecadação estadual (enfrentando a evasão fiscal) e revisar a concessão de benefícios fiscais que extrapolavam os limites previstos em lei.

No que diz respeito ao primeiro quesito, a Secretaria de Desenvolvimento identificou cinco cadeias produtivas do RS caracterizadas por elevada integração interna (baixo nível de importação), elevada agregação de valor, alta empregabilidade e espraiamento territorial: 1) a calçadista do Vale dos Sinos; 2) a automotiva serrana (ônibus e caminhões); 3) a mobiliária serrana (com dois polos centrais, um em Bento Gonçalves e outro em Lagoa Vermelha); 4) a de máquinas e implementos agrícolas, espraiada pelo RS, mas particularmente presente no Noroeste do Estado; e 5) a cadeia alimentar e conserveira do sudeste do Estado (com núcleo em Pelotas).

Ao privilegiar cadeias com alta integração interna buscava-se associar a promoção da competitividade com a maximização da geração de emprego e renda no Estado. E isto porque a ampliação da produção dos bens finais (calçados, por exemplo) implicava, também, na ampliação da produção, do emprego e da renda auferida internamente nos elos anteriores (couro, solados, embalagens, cola, cordame, etc.). Com isso, também se driblava os efeitos perversos da Lei Kandir sobre as finanças públicas. Pois, apesar de muitas dessas cadeias serem exportadoras, por também serem altamente empregadoras, a ampliação da renda gerada internamente redundava na ampliação nos dispêndios em bens e serviços, que são a base do ICMS.

As estratégias de apoio eram múltiplas, envolvendo desde a atração para o Estado de empresas produtoras de insumos (até então importados) para integrar ainda mais as cadeias (como foi o caso da fábrica de MDF, insumo importante da indústria do mobiliário), até o desenvolvimento de programas gratuitos de consultoria e qualificação empresarial através do financiamento público às Universidades Regionais. Num certo sentido, o Governo Olívio buscava ampliar e generalizar o Programa de Polos de Modernização Tecnológica criados no Governo Simon sob orientação do Secretário Telmo Frantz. A ideia não era apenas qualificar as empresas. Igualmente bem, buscava-se apoiar a sustentação e qualificação do Sistema Universitário do Estado. Por quê?

A maior dificuldade em transformar as Universidade em órgãos de extensão efetivos e eficazes encontra-se nas diferenças em termos de grau de abstração e concretude das questões postas na esfera acadêmica e na esfera produtivo-competitiva. O que se objetivava com os programas de Extensão e Qualificação Empresarial era, na verdade, a construção de um sistema de integração e qualificação recíproca entre organizações produtivas privadas e Universidades capaz de alimentar a criação de um grande sistema inovativo estadual no RS.

Ora, um programa tão ambicioso não poderia gerar resultados imediatamente. Mas os resultados foram emergindo no tempo, e se manifestaram no crescente apoio de micro e pequenos empresários e de lideranças das cinco cadeias privilegiadas na gestão Olívio aos programas governamentais em curso. Igualmente bem, o programa de ajuste fiscal – baseado na melhoria da fiscalização e revisão dos contratos firmados com base na concessão de benefícios indevidos – passou a apresentar resultados positivos. É o que se vê no Relatório Anual da Dívida Pública da SEFAZ do ano de 2014 à página 71. Somos informados pela SEFAZ que, durante o Governo Olívio, a dívida pública passou de 50 bilhões e 222 milhões de reais para 50 bilhões e 90 milhões de reais. Vale dizer: enquanto a dívida cresceu 122% em termos reais no Governo Britto houve um recuo real de -0,26% da dívida em quatro anos do Governo Olívio.

Por acaso você leu essa notícia na mídia? Foi manchete da ZH ou do Correio do Povo? Claro que não. Como também não houve divulgação de que a queda teria sido mais significativa se o programa de recuperação das finanças houvesse perseverados nos governos seguintes. Pois os resultados positivos só emergiram ao final da gestão Olívio. A verdade é que apenas no ano de 2002 haverá uma depressão do valor real da dívida estadual. Justo num ano eleitoral; quando governos populistas gastam tudo o que podem. Não foi o que fez Olívio. Entre 2001 e 2002 a queda do valor real da dívida será de -1,88%.

Rigotto e a Milonga Gaudéria: são três prá lá, um prá cá

Talvez a melhor expressão do sucesso das políticas de desenvolvimento do Governo Olívio Dutra encontre-se no Programa de Governo de Germano Rigotto de 2002. Rigotto afirmava que, se eleito, resgataria os melhores elementos das gestões Britto e Olívio. No caso deste último, o programa de Rigotto citava, como exemplo de excelência, o apoio às cadeias industriais gaúchas e os Programas de Qualificação Empresarial.

Até que, num certo sentido, Rigotto cumpriu sua promessa de programa. Mas de uma forma bastante desequilibrada, reproduzindo muito mais a trajetória de Britto, do que a trajetória de Olívio. Desde logo, enviou para Alergs um projeto de “Novo Fundopem” que ampliava os benefícios fiscais concedidos às empresas. Este projeto resgatava a possibilidade (vigente até 1997) de os benefícios concedidos não serem ressarcidos ao Estado, mas funcionarem como créditos a fundo perdido. Além disso, o Novo Fundopem garantia vantagens maiores às empresas que se instalassem na Metade Sul, interferindo sobre a opção locacional natural das empresas. Exatamente como Britto fizera com as fábricas de cigarro, que se instalaram no RS por poucos anos e, depois, abandonaram o Estado. De outro lado, o ousado Programa de Extensão Empresarial e integração Universidades Regionais e Cadeias Produtivas só foi mantido nos primeiros anos, passando pela contínua diminuição dos valores orçamentários, até ser desativado.

Ora, mas se é assim, o que sobrou do Projeto de Desenvolvimento de Olívio Dutra no Governo Rigotto? Sobrou uma maior audiência às demandas dos empresários e das cadeias produtivas regionais. A obsessão “brittista” com a modernização da indústria gaúcha através da criação e instalação de cadeias produtivas inexistentes (como a cadeia automobilística de carros de passeio) foi posta “sob controle racional”. Rigotto deu um pouco mais atenção às demandas das cadeias produtivas já consolidadas, com ênfase naquelas situadas em sua principal base eleitoral: a Serra Italiana.

Porém, mesmo a atenção dada por Rigotto às cadeias produtivas consolidadas, padecia de um certo “brittismo”. O exemplo canônico deste viés é dado pela atração da planta da Nestlé para Palmeira das Missões. Esta planta só foi inaugurada no Governo Yeda Crusius, mas as negociações para sua atração têm início na gestão anterior. Desde logo, vale notar que o RS tem tradição na produção leiteira e de lácteos. Mas ainda se encontra muito aquém de seu potencial nesta cadeia. E – tal como as cadeias eleitas pelo Governo Olívio para apoio inicial – a cadeia leiteira é uma cadeia com alta integração no Estado. Dentre as máquinas e implementos agrícolas produzidos no Noroeste, encontram-se empresas fabricantes de ordenhadeiras mecânicas e automáticas que operam com níveis tecnológicos muito elevados. Além disso, essa cadeia gera rendimento ao longo de todo o ano para o agricultor, o que mobiliza o comércio e os serviços no interior do Estado, alimentando a arrecadação fiscal e o enfrentamento do problema da dívida.

Porém, ao invés de construir um programa de apoio às empresas gaúchas que já operavam na cadeia de laticínios, Rigotto achou por bem conceder benefícios turbinados para o maior conglomerado de lácteos do mundo. Com a isenção de ICMS, a Nestlé passou a operar com custos inferiores às empresas gaúchas concorrentes, podendo pagar um preço mais elevado pelo leite in natura. Além disso, a Nestlé impunha critérios de quantidade e qualidade que segregavam os produtores menores e menos tecnificados. Em pouco tempo, os pequenos laticínios que operavam no mesmo território passaram a ter como fornecedores apenas os produtores recusados pela Nestlé, ampliando os custos de captação e abastecimento em linhas de produção cada vez mais “espaçadas e esburacadas”. Não demorou para que os pequenos laticínos gaudérios abrissem falência, deixando inúmeros produtores rurais sem compradores para o seu leite. Mesmo as empresas que sobreviveram à concorrência nefasta imposta pela Nestlé, passaram a apresentar queda de rentabilidade. A recente crise das Cooperativas Piá e Languiru reflete, em parte, a desorganização das linhas e bacias leiteiras imposta pela Nestlé durante o período que operou no RS. Sim, pois tal como as fábricas de cigarro de Britto, a Nestlé fechou suas portas tão logo cessou o período do Super Fundopem. E tal como no caso dos cigarros, a política de “desenvolvimento” se traduziu em perda de receita. Pois a contribuição da Nestlé para o ICMS foi mínima. Ao contrário da contribuição dos laticínios que foram fechados pela concorrência espúria. A falta de uma política coerente para este setor, tem levado a crises frequentes de empresas: da antiga CCGL, da Elegê, da Bom Gosto, da Piá, da Languiru, para citar apenas as mais famosas.

De qualquer forma, é preciso reconhecer que o crescimento do estoque da dívida em termos reais ao longo do Governo Rigotto foi bastante discreto. Esta passará de 50 bilhões e 90 milhões de reais no início da gestão para 51 bilhões e 12 milhões em dezembro de 2006. Um crescimento de 1,84% em termos reais (fonte: SEFAZ, 2014, p. 71)

Yeda Crusius e o neoliberalismo charrua

Na abertura de um artigo intitulado Finanças do RS: como Rigotto, Yeda, Tarso e Sartori administraram as contas, Juliana Bublitz afirma:

Rigotto, Tarso e Sartori registraram déficits orçamentários em seus quatro anos de governo. Sartori teve o pior resultado, com o maior rombo da série, em 2015. Entre 2003 e 2018, o único período de saldo positivo foi nos primeiros três anos de Yeda, devido à política do déficit zero. O auge da crise se deu em 2015, quando o PIB recuou 3,5% no Brasil, pior resultado em 25 anos, o que se refletiu em queda na arrecadação. Em 2016, Sartori conseguiu reduzir o buraco contábil graças à majoração do ICMS e, em especial, a recursos extraordinários obtidos de forma emergencial (exemplo: venda da folha dos servidores ao Banrisul e acordo judicial com a Ford), que não se repetiriam mais. (Bublitz, J. ZH, 05/03/2019, o negrito é meu)

A impressão que se tem é de que Yeda conseguiu equilibrar as contas porque decidiu e conseguiu “fazer mais com menos”, como rezava sua propaganda eleitoral. Mas a história não é bem essa. Como a própria Juliana reconhece, quando passa a tratar especificamente da gestão Yeda,

No primeiro ano de gestão, em meio a grandes embates políticos e a duras críticas do funcionalismo, a folha passou a ser parcelada, o pagamento de fornecedores atrasou por 13 meses, os depósitos judiciais continuaram sendo sacados e o 13º salário voltou a ser pago com empréstimo. Para debelar a crise, o governo ampliou cortes, congelou contratações, segurou reajustes enquanto pôde, proibiu gastos ordinários por cem dias. Abriu o capital do Banrisul e, ajudado pelo bom momento da economia, com o PIB gaúcho crescendo 6,1%, elevou receitas. Resultado: fechou o ano no azul. (Bublitz, J. ZH, 05/03/2019)

Em suma: para conquistar o superávit Yeda descumpriu contratos, atrasando o pagamento de fornecedores por mais de um ano e utilizando os recursos dos depósitos judiciais, comprometidos com credores do Estado e parcelando salários. É o neoliberalismo charrua em seu ápice. Um dos principais alicerces da crítica neoliberal aos “Estados grandes e intervencionistas” é que, ao contrário dos agentes civis, o Estado conta com poder discricionário e, sob gestão populista, tende a descumprir contratos. O que alimenta a incerteza e a desconfiança nos agentes privados – sempre temerosos de uma elevação de impostos, calote da dívida e não pagamento aos fornecedores -, os quais passam a exigir taxas de juros mais elevadas e impõem sobrepreços às suas mercadorias. Aparentemente, Yeda quis demonstrar a veracidade desta tese. E, em defesa do neoliberalismo, realizou, durante sua gestão, todos os equívocos que os economistas liberais imputam ao poder público. Isto é que é se esforçar para demonstrar uma tese!

Mas Yeda também foi ortodoxa e vendeu ações do Banrisul. Assim, abriu mão de parte dos dividendos futuros em troca ganhos imediatistas. Alguém poderia dizer que isto está mais para “jeito Amaral, Jair & Simon de governar” (na linha: ganha-se no curto prazo e joga-se o prejuízo para as administrações futuras) do que com fidelidade aos princípios liberais. Mas é coisa de gente maldosa.

Yeda também impôs cortes no despesas correntes e nos investimentos; sempre fazendo “mais com menos”. E conseguiu transformar containers em escolas. Conteinerizar alunos e professores foi uma das tantas inovações e realizações “mais com menos” de seu governo empreendedor. Yeda também coibiu ao máximo a reposição salarial do funcionalismo. E aqui ninguém pode dizer que não tenha seguido a cartilha neoliberal.

Mas o ponto mais importante é outro. Como Juliana reconhece, o superávit dos primeiros anos da administração Yeda se explica, acima de tudo pela boa performance da economia gaúcha e, por extensão, pelo crescimento das receitas acima das despesas congeladas.

A pergunta que fica é: os custos impostos à sociedade como um todo e aos novos governantes (pelo comprometimento dos dividendos do Banrisul) valem o “benefício” de superávits voltados exclusivamente ao pagamento da dívida pública?

Para responder, temos que saber qual foi o impacto de tanto esforço sobre a dívida total. Ela passou de 51 bilhões e 12 milhões no início da gestão Yeda para 50 bilhões e 507 milhões. Vale dizer: a dívida foi reduzida em 500 milhões de reais, meros -0,99% do total (SEFAZ, 2014, p. 71). Como foi possível um ganho tão pífio? Simples. Como Juliana explica ao final da seção dedicada à ex-Governador, no último ano de sua gestão, Yeda foi “pressionada pelo ano eleitoral” (sic), e o déficit reapareceu. Além disso, o crescimento do PIB e da arrecadação no início de sua gestão não se manteve nos anos seguintes. E a farra dos benefícios fiscais continuou. E não só com a fábrica da Nestlé, inaugurada em sua gestão.

Não será gratuito que Tarso Genro tenha sido eleito no primeiro turno de 2010 obtendo maioria dos votos em 463 dos 497 municípios do RS.


*Doutor em economia e professor do mestrado em desenvolvimento da Faccat (Faculdades Integradas de Taquara).

Este é o quarto texto da série de Carlos Paiva intitulada A contribuição da mídia gaúcha para a decadência do RS. O próximo e último será publicado nos próximos dias.

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