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Opinião

A boa volta ao passado

A boa volta ao passado

Artigo por RED
02/01/2023 14:58 • Atualizado em 03/01/2023 10:21
A boa volta ao passado

De ANTONIO CARLOS GRANADO*

O dia de ontem, 01 de janeiro de 2023, foi, para mim, como já era de se esperar, um dia de alívio e esperança, com um misto de regozijo e apreensão. Várias simbologias que demarcam diferenças, novos tempos, nova visão de mundo. Os discursos, o desfile, a multidão, a subida da rampa, acompanhada da diversidade, além da própria Resistência, a transmissão da faixa, a presença estrangeira, as medidas formais assinadas, com freio de arrumação em alguns dos desmontes que se vinham perpetrando, deixam um sabor muito agradável.

A MP de reestruturação do Governo, por óbvio, era a única delas que possuía caráter de formalidade obrigatória para dar posse aos novos integrantes dos ministérios e permitir seu funcionamento imediato, a partir deste dia 02. Todas as demais medidas foram demarcação de diferenças com o (des)governo que se findou. Aliás, há controvérsias quanto à data exata em que o velho governo deixou de governar e o novo passou a exercer seu papel. Há quem diga que isso começou a se dar já no próprio dia 31 de outubro, apesar de algumas medidas que ainda se fizeram presentes na direção do aprofundamento de desmontes.

Todas as demais medidas adotadas no próprio dia da posse pelo Presidente Lula tiveram o dom das simbologias. Algumas, como a MP do Bolsa Família e a MP da desoneração dos combustíveis, visaram não deixar qualquer vácuo em políticas que afetam direta e imediatamente a população, e que tinham o condão de bombas políticas e sociais, em caso de descontinuidade. Todas as demais medidas adotadas, porém, estão carregadas de simbologias demonstrativas de mudança de paradigmas governamentais.

O decreto de reestruturação da política de controle de armas buscou atingir um dos fundamentos da política de medo que propugnava o confronto com qualquer coisa que pudesse ser carimbada como “comunismo” e que deveria ser simplesmente eliminada, sob o manto da segurança das pessoas. Esse decreto é o primeiro de dois passos já anunciados para a constituição de uma política de disseminação de armas entre civis. A próxima medida, a ser anunciada brevemente, visará estabelecer essa nova política, sendo o de ontem apenas a contenção temporária da proliferação absurda que havia assumido o armamento da população, sob a cobertura dos famosos CACs, os clubes de atiradores e caçadores.

Outros três decretos visaram a simbologia imediata do enfrentamento dos desmontes da preservação ambiental e das mudanças climáticas, restabelecendo o Fundo Amazônia e anunciando medidas de combate ao desmatamento e ao garimpo ilegais. A efetivação prática dessas novas políticas, por óbvio, ficam pendentes de estruturação de mecanismos e força capazes de lhes dar efetividade. Esta precisará dar-se com a reestruturação de órgãos de controle, como o IBAMA, mas também com novas estruturas de segurança, como uma guarda de fronteiras, uma guarda florestal e ambiental, uma nova estrutura de segurança pública, etc. O despacho ao Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas, para que proponha, em 45 dias, uma nova regulamentação para o CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), caminha na mesma direção.

O decreto de revogação do decreto de Bolsonaro que segregava os alunos portadores de deficiências em escolas separadas da rede de ensino, buscou a simbologia do enfrentamento da segregação social pelas diferenças. Esta não é a única nova segregação a ser enfrentada, lógico, pois novas políticas de inclusão precisarão ser gestadas e viabilizadas. Os desmontes efetivados por Bolsonaro, em vários campos geraram a retomada de discriminações de várias ordens, seja por gênero e raça, seja por incentivo à violência contra “diferentes”. Claramente, este decreto, muito necessário aliás, foi anunciado no próprio dia da posse, como símbolo do início da retomada de políticas de igualdade e inclusão.

A revogação de medidas que criaram impedimentos à participação cidadã na definição de políticas públicas visou apontar para uma nova política de participação pública. Como já dito anteriormente, muitos conselhos deverão ser retomados, outros criados e a política de conferências setoriais retornará.

A proposta para a retirada dos Correios, da Empresa Brasileira de Comunicação e da Petrobrás, do Programa Nacional de Desestatização, buscou a figura da retomada de empresas estatais fundamentais para o desenvolvimento do País e para as políticas estratégicas do Governo.

Por fim, o despacho para que a Controladoria Geral da União avalie, no prazo de trinta dias, as decisões do velho governo de imposição de sigilo a documentos públicos, tem a forte simbologia de reavaliação de posturas governamentais de preservação de situações e pessoas que pudessem constranger ou expor o clã da família Bolsonaro e apaniguados.

Toda essa simbologia de atos imediatos à posse aponta para um novo estilo, uma nova postura por parte do atual Governo Lula, que retoma estilo e postura dos seus governos anteriores. Essa é a boa volta ao passado. Mas o que é inerente a este atual Governo, que não dialoga com a volta ao passado, não apareceu ainda em atos formais. Muitos temas a serem abordados pelo Governo e que não são exatamente carregados de simbolismos, mas de desenho de futuro da Nação, terão muitos percalços de caminho. Como ficarão temas como a reforma tributária, a reforma política e do Estado? Como ficará a retomada de protagonismo internacional do Brasil, fortemente aguardada por muitos países, vide a forte presença estrangeira de chefes de estado e de governo, bem como de delegações estrangeiras presentes à posse? Como ficará a economia nacional e a retomada de política industrial? Como ficará a segurança pública e a relação federativa neste tema fundamental? Como ficará uma política de Defesa Nacional que aponte para a real soberania da Nação?

A lista de questões que não tiveram simbologia no dia da posse, e nem foram abordados, ou estiveram apenas tangenciados neste esperançoso dia 01 de janeiro, é bastante grande e, sabemos, dependerá da construção de uma correlação de forças que, em muitos dos casos, não está desenhada. É aí que reside ainda a apreensão. O caráter deste novo Governo Lula, que não dialoga com o bom retorno ao passado, carece ainda de medidas a serem desenvolvidas. O Futuro ainda está por desenhar, mas este dia da posse, com certeza, aponta para essa possibilidade, mesmo que os caminhos ainda estejam plenos de armadilhas e perigos. Esse Futuro não será fruto de um governo, mas este pode e deve jogar um papel fundamental nesse desenho que o transcende, além de envolver muito mais atores do que aqueles assentados na máquina pública.


*Economista.

Imagem – reprodução da transmissão da assinatura dos atos após a posse de Lula: g1.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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