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Opinião

2023 e o fim do inferno astral

2023 e o fim do inferno astral

Artigo por RED
28/12/2022 15:00 • Atualizado em 29/12/2022 09:22
2023 e o fim do inferno astral

FLÁVIO AGUIAR*

Diz a sabedoria astrológica que o Inferno Astral é aquele momento em que o Sol se posiciona no signo anterior ao seu, 30 dias antes da data do seu nascimento. É um período de baixa energia criativa e muita energia negativa. É
preciso enfrentá-lo com cuidado, vendo-o, para além de um castigo, como um vetor de aprendizado e de renovação de energias para o futuro que se reabre, com um novo ciclo.

Chamam-no de “Inferno” porque simbolicamente ele é associado a um mergulho subterrâneo e depressivo de onde é possível, se houver acúmulo de sabedoria, emergir para a reabertura dos caminhos da esperança. É o que estamos vivendo no Brasil, e também no mundo. Pois o mundo inteiro está de olhos vidrados neste momento brasileiro, e isto é mais do que uma rima. Há muita expectativa sobre o que vai se passar de hoje, 28/12/2022 até 2 de janeiro de 2023, quando o Brasil poderia estar florindo sob um novo governo empossado de direito.

“Empossado de direito”? Sim, porque empossado de fato ele já está. O Brasil vive uma situação singular, única na
história mundial. Temos um governo empossado de direito, ainda que por linhas muito tortas, mas que se recusa a governar. E um governo ainda não empossado, mas que ocupa este espaço vazio de fato, nem que seja pelas declarações e movimentos de seus próceres, sobretudo o futuro presidente e o futuro ministro da Justiça. Procurei na história situação análoga e confesso que não a encontrei. Encontrei algumas parecidas.

Por exemplo, encontrei a situação de Pedro Carmona, em 2002, quando ocupou o Palácio Presidencial de Miraflores, em Caracas, depois da tentativa mal sucedida de derrubar Hugo Chavez. Como o contra-golpe foi muito eficaz e rápido, a certa altura um de seus assessores lhe perguntou: “Presidente, estamos no poder ou cercados no Palácio”? Outra situação que me veio à mente foi a de Adolf Hitler, fechado em seu bunker, nomeando um sucessor, casando-se com Eva Braun, tomando champanhe comemorativa, quando os soviéticos já reinavam em Berlim, desfraldando a bandeira vitoriosa no alto do Reichstag. Ainda me lembrei do que se conta sobre Salazar, que meio demenciado, julgava ser ainda o chefe de estado quando não era mais, tendo sua ilusão alimentada por falsos noticiários que lhe forneciam seus fake-assessores.

Mas nada, no fundo, se compara a este desgoverno que abdica de governar e se retrai para conspirar e fugir ao mesmo o tempo. Num primeiro momento pensei em recorrer à famosa frase do Barão de Itararé para caracterizar
estes momentos finais da usurpação que ora se esvai: ‘Dali onde menos se espera é que não sai nada mesmo”. Mas não. Ela não serve. Porque do desgoverno usurpador do Palácio do Planalto sempre se espera algo de maligno. E é o que está ocorrendo. Nem que seja pela omissão, senão pelo estímulo cavernoso, ceva planos terroristas de tumultuar e possivelmente impedir a posse do governo legal e legitimamente eleito. Engorda os monstros que tirou do armário.

Ao mesmo tempo, o usurpador promete fugir para o condomínio de seu ídolo Donald Trump, a fazer algo como um
“retiro espiritual”. O que quer, no fundo, é eximir-se do que possa vir a acontecer. Que vá só com passagem de ida e que lá fique. Que la vaya mal y que le piquen los mosquitos. Que o verme do remorso lhe roa as entranhas e que o
fogo do arrependimento lhe consuma as energias, cercado pelo desprezo universal.

E quanto ao governo eleito, o que esperar? Bem, se eu fosse listar tudo o que espero, não haveria tela onde a lista coubesse, e eu gastaria as teclas de mais de um teclado para escrever as minhas esperanças. Por isto, farei apenas duas referências:

1. Que a Frente Ampla que elegeu Lula se mantenha até o fim de seu mandato. Que vença desavenças, que democraticamente neutralize oposições, venham da extrema-direita, das direitas, das casernas, dos mercados, dos centros, dos centrinhos e dos centrões, e também das esquerdas mais esquerdistas, agora aliadas, mas que podem desertar. Como quase desertaram quando se colocou a “questão Alckmin”, ou do “compañero Che Raldo”. E Lula estava certo. Com toda a extensão da rede que lançou, venceu o usurpador por pouco menos de 2,2 milhões de votos, uma unha de dedo mínimo no universo de 124 milhões de votos computados, incluindo brancos e nulos, sem falar nas abstenções.

2. Que o novo governo enfrente de frente, e não de lado, ou de costas, o dever da democratização do mundo das comunicações no Brasil. Sei que a fome, a saúde e a educação são questões prioritárias, e que há ainda uma penca de outras prioridades prioritárias, entre elas a de varrer a caterva de incompetentes amigos da boquinha, civis e
militares, que se aboletou nas dependências governamentais. Mas a comunicação e a informação são também problemas prioritários. Vargas investiu na Última Hora. Está na hora do novo governo investir no leque amplo das
primeiras auroras de um universo comunicativo vasto, pluralmente democrático, para não permanecer pautado, como se pretende fazer agora, por folhas, estadões e globos da vida. Boa sorte e boa luta para todas, todos e todes
nós. Que desatemos os nós. E que marchemos já não digo para o nosso paraíso astral, mas para um vale nosso de menos lágrimas e mais sorrisos.


*Jornalista e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo).

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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