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12 de outubro, feriado nacional: por quê mesmo?

12 de outubro, feriado nacional: por quê mesmo?

Geral por RED
18/10/2024 12:00 • Atualizado em 17/10/2024 15:55
12 de outubro, feriado nacional: por quê mesmo?

Por EMERSON GIUMBELLI*

Muita gente acha que 12 de outubro é um feriado por conta do Dia das Crianças. Na verdade, reserva-se a data “para culto público e oficial a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil”, segundo os termos da lei nº 6.802, de 1980.

Ou seja, o feriado não tem tanto tempo assim, do mesmo modo como é recente a inscrição “Deus seja louvado” em cédulas de nossa moeda nacional – uma consequência de decisão do presidente José Sarney em 1986.

No caso de Nossa Senhora Aparecida, o militar da ocasião, presidente João Figueiredo, promulgou a lei no exato dia da chegada de João Paulo II no Brasil. Foi a primeira visita de um papa a nosso país.

Outro papa, Pio XI, é que consagrou, em 1930, Nossa Senhora Aparecida como padroeira do Brasil. Mas a data de 12 outubro só se estabeleceu nos anos 50, por decisão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), então recém-criada.

Anteriormente, a data das celebrações oscilou entre vários dias nos meses de maio, setembro e dezembro. Em 1939, uma decisão oficial da Igreja Católica definiu o sete de setembro, criando uma sobreposição com a comemoração da independência nacional. Afinal, decidiu-se que era melhor uma data específica, embora relacionada com a “Descoberta da América”.

O principal santuário dedicado a Nossa Senhora Aparecida fica no estado de São Paulo. A Basílica é um dos maiores templos do mundo e abriga a imagem da Virgem Maria encontrada por pescadores no século 18. No último dia 12, mais de cem mil pessoas visitaram o santuário.

Nossa Senhora Aparecida merece um feriado? Um Estado laico pode estabelecer “culto público e oficial” a uma devoção religiosa? Aliás, em nome desse princípio, já houve tentativas de alteração e mesmo revogação da lei. Mas há aspectos que vão além da laicidade.

Em 1980, quando a lei foi promulgada, o censo do IBGE constatou que quase 90% dos brasileiros identificavam-se como católicos. Em umas das estimativas mais recentes, esse número decresceu para 51% (Instituto DataFolha, 2022). Em algumas faixas etárias e regiões, o catolicismo já se aproxima de apenas 40% nas respostas.

São dados que apontam para um fenômeno que extrapola o domínio religioso: a diversificação da população brasileira. E isso tem – ou deveria ter – um impacto no modo como feriados são estabelecidos.

Tradicionalmente, feriados estão associados com celebrações cívicas. Supõe-se que são datas que mobilizam toda uma população e que, em vez do trabalho, o que cabe é festejar ou fazer outra coisa que corresponde à data.

No entanto, muitos de nossos antigos feriados não religiosos carecem de adesão quando se trata de celebrá-los massivamente: 21 de Abril, 15 de Novembro, 1º. de Maio… O Sete de Setembro levanta mais dissensos do que confraternizações. A exceção é o carnaval… (que, aliás, não é feriado oficialmente, e sim ponto facultativo).

A partir de 2024, temos um novo feriado nacional, 20 de Novembro, Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra – o que corresponde a uma demanda histórica que reforça a necessidade de ações e reflexões sobre o racismo.

Voltemos, por ora, aos feriados religiosos. Dois deles mobilizam significativa adesão, Natal e Finados. Mas o Natal nutre-se de motivações não apenas religiosas – reunir a família e trocar presentes podem ganhar precedência. De Finados pode-se dizer o mesmo, pois a homenagem aos mortos nem sempre vem acompanhada de compromissos religiosos.

Resta a Sexta-Feira Santa. O comentário sobre essa data aplica-se também a Corpus Christi, feriado em muitas legislações municipais no Brasil. Enquanto rituais religiosos, mobilizam apenas uma minoria da população. A maior parte das pessoas tomam as datas como mais uma folga.

Que fique claro: nada contra as folgas. Temos mesmo que encontrar boas soluções para trabalharmos menos. E os feriados alimentam a economia do turismo, compensando, em alguma medida, o que se deixa de trabalhar.

Minha questão é outra: por que temos de folgar todos no mesmo dia? A resposta, seguindo a lógica tradicional dos feriados, é que uma motivação comum nos animaria. Uma sociedade não deve abrir mão de tais ocasiões. Nesse sentido, o 20 de Novembro oferece uma oportunidade para aprofundarmos, como coletividade, o compromisso com o antirracismo. Conseguiríamos reanimar algumas das outras datas não religiosas?

No caso dos feriados religiosos, seria interessante pensarmos em alternativas. Localmente, há festas que mobilizam parcela considerável da população, justificando-se a folga. Em Porto Alegre, é o caso do “Dia de Nossa Senhora de Navegantes e Iemanjá” (sim, este, desde 2023, é o nome oficial do feriado instaurado em 1949 – tema para outro artigo).

Portanto, nada contra as devoções e sua importância social e cultural. Mas é necessário reconhecer nossas diversidades. Um feriado dedicado a Nossa Senhora Aparecida faz sentido em algumas localidades. E para as demais?

É verdade que há devotos de Aparecida que se deslocam, às vezes de muito longe, para visitar a basílica paulista. Mas, nesse caso, seria uma situação individual que poderia ser acomodada com a rotina de trabalho – como indico a seguir.

Talvez o ideal para o estabelecimento de feriados oficiais fosse o seguinte: um equilíbrio entre datas nacionais e datas locais, considerando a real ou potencial mobilização das pessoas. Em uma sociedade que se diversifica em suas devoções, a religião tende a corresponder às datas locais.

Ao lado dos feriados, por que não concebermos, dentro de certos limites, a possibilidade de folgas que atendam a situações específicas? Isso já ocorre, por exemplo em licenças em caso de nascimento e adoção. Questões religiosas não contempladas em feriados municipais poderiam ser acomodadas nesse arranjo.

São apenas ideias, lançadas aqui como provocações. De todo modo: as sociedades estão sempre em mudança. Há momentos em que certas mudanças precisam ser reconhecidas e consolidadas. Por que os símbolos – incluindo os feriados – não estariam sujeitos a esse processo?

 

*Emerson Giumbelli é professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Foto:  Rovena Rosa/Agência Brasil

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