Opinião
A força do movimento sindical
A força do movimento sindical
De LÉA MARIA AARÃO REIS*
Neste mês, mais um filme oportunista emplacou uma notável segunda semana em cartaz nos cinemas de várias cidades brasileiras. A Sindicalista (La Syndicaliste) traz um argumento que não tem nada a ver com os grandes e atuais sucessos de bilheteria, as delirantes produções indianas de Bollywood. Mas o filme conta com Isabelle Huppert, sua protagonista, atriz de grande apelo das platéias. Ela garante a visibilidade de mais uma produção cinematográfica que surfa no feminismo combativo, um dos temas em moda neste momento, em todo o mundo.
A Sindicalista desvenda a atuação real e destemida de uma líder sindicalista, na França, sob os governos de Nicolas Sarkozy e de François Hollande. Dirigido por um cineasta de relativa expressão artística, Jean-Paul Salomé, e amigo de Isabelle Huppert, o filme atravessou discretamente o Festival de Cannes deste ano e o de Veneza, em 2022, sem ter alcançado grande repercussão.
É baseado em uma incrível história política real, de 2012, um escândalo que envolveu ministros de estado de dois presidentes ocupantes do Elysée e notórios CEOs da indústria nuclear francesa. É inspirado no livro sobre o assunto, de autoria da conhecida jornalista investigativa Caroline Michel-Aguirre, do Nouvel Observateur.
Trata da saga de Maureen Kearney, uma mulher de origem irlandesa casada com um francês, professora de cursos de inglês para técnicos, trabalhadores franceses em vias de trabalharem fora do país, e que se tornou poderosa dirigente sindical.
Corajosamente, Kearney ousa denunciar um acordo secreto de transferência de tecnologia nuclear do grupo francês Areva para o governo chinês que teria como consequência graves prejuízos aos interesses dos operários da empresa, suprimindo centenas de empregos.
Mas quando o escândalo estoura na mídia e a denúncia da líder sindical começa a interferir com altos interesses políticos e econômicos, Maureen passa de heroína, como no começo do processo é transformada pela grande mídia – lembrar aqui da Lava Jato -, e passa a ser retratada como vítima de um tenebroso atentado que sofre dentro da cozinha da sua casa, na região metropolitana de Paris, onde é violada.
Em um momento seguinte, como resultado da violenta pressão e manipulação política desencadeadas sobre a polícia local que investigava o caso, a sindicalista passa a ser considerada, pela mesma imprensa corporativa que a endeusava como vilã e mentirosa.
O filme de Salomé (mas, sobretudo o livro de Caroline Michel-Aguirre) mostra a força da ameaça às instituições patronais e às grandes empresas, em geral, que representam as ações de mobilizações sociais sindicais bem organizadas. No caso, a atuação nacional dos sindicalistas da Areva liderados por Kearney chegou a respingar em governos de ocasião do Elysée. E as denúncias produzidas pela sua liderança tiveram como resposta um crime hediondo. Os invasores da casa da líder sindical, no meio da noite, chegaram a desenhar com sangue, na sua barriga, a letra A de Areva e enterram o cabo de uma faca na sua vagina.
Mas A Sindicalista se detém no gênero das produções catárticas de suspense e no fascinante perfil pessoal da guia e líder dos trabalhadores da Areva. Não é um filme político apesar do seu pano de fundo. Despreza a vertente principal do livro que inspirou Jean-Paul Salomé, depois de lê-lo, como o cineasta declara. E não discute a relação de trabalhadores com seus sindicatos, o necessário investimento (e não o gasto) dos movimentos diligentes e organizados por trabalhadores bem informados através de uma imprensa sindical própria e de canais de comunicação específicos: rádio, TV etc.
Mas vale assistir ao filme realizado vê-se claramente, para honrar o talento de Isabelle Huppert em encarnar mulheres fortes, opinativas e sempre introvertidas. E ele é útil para que se constate, mais uma vez, a amplitude da força do trabalho sindical responsável.
Quando a Areva foi vendida para a China e fechou as portas, os contratos com os seus funcionários foram examinados caso a caso antes de alguns serem encerrados. A investigação policial para provar definitivamente que Maureen era inocente, e não inventara a agressão sofrida por ela, essa nunca foi reaberta.
De algum modo, no entanto, colou na reputação da professora a nódoa de mulher onipotente, ex-alcoólica e “ (…) sem visão geral do assunto e perspectivas mais amplas, de longo prazo’’; o que quer que signifique isso.
O recado final do filme é este: “Nós achamos que podemos mudar o mundo, mas pagamos caro por isso.’’
Detalhe final sobre La Syndicaliste: o diretor apropriou-se de Hitchcock, que no seu filme Vertigo utiliza o coque enrolado do cabelo de Kim Novak em detalhe para sugerir o labirinto em que a protagonista – e o espectador – estão enredados. Jean-Paul Salomé fez o mesmo close na peruca loura de Isabelle Huppert reproduzindo o penteado de Maureen Kearney, hoje uma professora de 67 anos que continua usando uma franja e um coque intrincado.
*Jornalista carioca. Foi editora e redatora em programas da TV Globo e assessora de Comunicação da mesma emissora e da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Foi também colaboradora de Carta Maior e atualmente escreve para o Fórum 21 sobre Cinema, Livros, faz eventuais entrevistas. É autora de vários livros, entre eles Novos velhos: Viver e envelhecer bem (2011), Manual Prático de Assessoria de Imprensa (Coautora Claudia Carvalho, 2008), Maturidade – Manual De Sobrevivência Da Mulher De Meia-Idade (2001), entre outros.
Imagem destacada: reprodução de parte do cartaz do filme.
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