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Entrevista

Entrevista com Wagner Schwartz

Entrevista com Wagner Schwartz

Internacional por RED
10/06/2023 05:30 • Atualizado em 12/06/2023 10:48
Entrevista com Wagner Schwartz

Por LENEIDE DUARTE-PLON*, de Paris

“Com a mudança de governo no Brasil, muda o jeito de pensar o futuro”

Artista e escritor, Wagner Schwartz foi vítima de ameaças e teve que deixar o Brasil

O performer, coreógrafo e escritor brasileiro Wagner Schwartz se instalou em Paris para fugir do discurso de ódio e das ameaças de morte recebidas no Brasil, depois que apresentou a performance La Bête no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Ele se apresentava nu, podendo ter seu corpo redesenhado pelos espectadores, que se aproximavam para modificar a posição de um braço, uma perna, a cabeça.

La Bête é uma performance inspirada na obra da artista Lygia Clark, Bicho, que propõe uma interação com o espectador, que pode manipular o objeto maleável.

 Entre outras injúrias, Schwartz foi tratado de pedófilo por ter sido tocado por uma criança, que se aproximou dele com sua mãe. Acossado pelas ameaças, resolveu sair do  Brasil.

Em 2018, Schwartz lançou seu primeiro romance Nunca juntos mas ao mesmo tempo, pela editora Nós, que depois ele traduziu em francês com a dramaturga Béatrice Houplain.

Em março, Wagner Schwartz escreveu um artigo no jornal Libération intitulado A extrema direita vê gozo onde há denúncia. Nele, marcava sua solidariedade à artista suíça Miriam Cahn, que expunha suas obras no Palais de Tokyo, e teve uma delas (Fuck Abstraction!) considerada incitação à pedofilia. No artigo, ele dizia que “pessoas que provavelmente jamais foram a um museu querem definir o que seria a arte e sua razão de ser”.

Nesta entrevista, ele fala de seu trabalho e de sua expectativa para o Brasil, que volta a se reencontrar com seu povo.

Leneide Duarte-Plon: Você dividia sua vida e seu trabalho entre o Brasil e Paris antes do golpe de 2016. Após sua performance La Bête, no MAM de São Paulo, baseada na obra de Lygia Clark, você se exilou em Paris depois de receber ameaças de morte da parte de fanáticos que o acusavam de pedofilia. Quando você pensou que tinha que ficar definitivamente fora do Brasil?

Wagner Schwartz: Saí do Brasil porque fanáticos – evangélicos ou não – queriam me matar em nome do deus deles. Um deus que permite cortar cabeças. Um deus que gosta de ver seus filhos tocarem o medo e o horror nas redes e fora delas. Estar definitivamente fora do Brasil é uma condição relativa, mas me proteger quando estou no território brasileiro, não. Soube que tinha que sair quando não aguentava mais estar perto do que me fazia mal.

LDP: La Bête foi também apresentada em Paris. Como foi a receptividade do público, quando e em que contexto você a fez?

Wagner Schwartz: La Bête estreou em Paris em 2005, por isso o nome da performance em francês. Acredito ser importante guardar algo do local nos trabalhos que faço. Em seguida, apresentei somente em 2018, momento em que já estava fora do território brasileiro. O público reage de formas parecidas nas apresentações. Há curiosidade, riso e engajamento.

LDP: Em março, você escreveu um artigo no jornal Libération intitulado A extrema direita vê gozo onde há denúncia para marcar sua solidariedade à artista suíça Miriam Cahn, que expôs no Palais de Tokyo, e teve uma das obras (Fuck Abstraction!) considerada incitação à pedofilia. No artigo, você diz que pessoas que provavelmente jamais foram a um museu querem definir o que seria a arte e sua razão de ser. Um pedido de censura à arte é chocante num país como a França. O que o levou a escrever o artigo?

Wagner Schwartz: Tive medo de acontecer por aqui o que aconteceu no Brasil. Entendi, depois de muito observar a técnica utilizada pelos patrocinadores do bolsonarismo, como fazer a extrema direita ascender em um país. Destruir obras de arte se torna muito fácil, porque geralmente dizem o que não se quer escutar. Fica fácil confundir a cabeça de quem não vai aos museus. Fiquei aliviado quando o presidente Emanuel Macron, mesmo muito criticado nos dias de hoje, se colocou publicamente contra a censura, e a Ministra da Cultura, Rima Abdul Malak, foi ao museu reivindicar a liberdade de expressão. Mas a luta é maior, não é somente a extrema direita que quer censurar…

LDP: Um artigo no Le Monde, assinado por 26 responsáveis por museus e instituições culturais em abril, dizia: “Nossa missão primordial é deixar os artistas se expressarem… Em vez de ter medo de chocar, deveríamos ter medo de nunca chocar. Porque a arte choca. Perturba. Denuncia. Incomoda. Questiona”. Imagino que é sua posição…

Wagner Schwartz: Nunca me senti tão respeitado. Espero que no Brasil consigam fazer o mesmo. E espero também que este artigo seja uma verdade, e não apenas um artigo.

LDP: No documentário Quem tem medo? (de Dellani Lima, Henrique Zanoni e Ricardo Alves Júnior), apresentado no Festival do Cinema Brasileiro, em abril, em Paris, você conta, além de outros artistas, como foi fazer performances durante o crescimento no Brasil de um sistema de ódio e intolerância que foi se agravando até a censura de performances de alguns artistas. A denúncia do filme ajudou a informar e a abrir o debate?

Wagner Schwartz: O filme tem sido projetado no Brasil e no exterior, em cinemas e em festivais. Tem promovido um debate constante para que a situação de ontem não continue a ser nevrálgica na de hoje. Há ainda uma evolução pela frente, fazer com que as instituições de arte compreendam que o governo mudou.

LDP: Formado em literatura e artes, você escreveu um livro e está terminando a edição do segundo. De que tratam eles?

Wagner Schwartz: Meu primeiro livro, Nunca juntos mas ao mesmo tempo, publicado pela Editora Nós, em 2018, com primeira edição esgotada, trata da figura do estrangeiro – como alguém pode se adaptar ou não a situações inóspitas. Como uma língua pode transformar a outra – o livro é escrito em português e francês. E, como fazer uma linguagem local, ganhar território internacional. O livro trabalha os constrangimentos, os limites da tradução, tem como personagem uma mulher e um narrador/a que deseja muito se tornar o personagem. Já o segundo livro, será sobre os acontecimentos que me levaram a sair do Brasil, sobre os ataques à performance La Bête. Por enquanto seu conteúdo ainda é uma surpresa. Falarei sobre ele daqui a pouco!

LDP: O que muda para você a retomada da democracia ao Brasil?

Wagner Schwartz: Muda o jeito de pensar o Brasil, de atuar no território brasileiro. Muda a cor da pele das pessoas que dirigem o país, muda o gênero, muda a música que “representa” o Brasil, muda a arte que o Brasil cria, expõe e exporta, muda o cenário da fome, o genocídio dos povos indígenas, mudam os direitos da mulher, das travestis, das bixas, das e dos trans. Muda o jeito de pensar o futuro. Muda. Espero que com essa mudança o Brasil mude.


*Jornalista internacional. Co-autora, com Clarisse Meireles, de Um homem torturado – nos passos de frei Tito de Alencar (Editora Civilização Brasileira, 2014). Em 2016, pela mesma editora, lançou A tortura como arma de guerra – Da Argélia ao Brasil: Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado. Ambos foram finalistas do Prêmio Jabuti. O segundo foi também finalista do Prêmio Biblioteca Nacional.

Foto de Benoit Cappronnier.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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