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Comissão de Educação e Cultura da AL RS debate tombamento do Memorial Luiz Carlos Prestes
Comissão de Educação e Cultura da AL RS debate tombamento do Memorial Luiz Carlos Prestes
Única obra de Oscar Niemeyer em Porto Alegre, o pedido do deputado Leonel Radde é que o prédio seja protegido pelo Iphan
Próximo às margens do Guaíba, na Avenida Ipiranga, no bairro Praia de Belas, em Porto Alegre, está localizado o Memorial Luiz Carlos Prestes. O museu, dedicado à memória do líder revolucionário e um dos mais influentes políticos brasileiros no século XX, passa atualmente por um processo de tombamento solicitado pelo deputado estadual Leonel Radde (PT). Devido ao seu valor histórico, cultural e arquitetônico, sendo a única obra de Oscar Niemeyer na Capital, o pedido é que o prédio passe a estar sob vigilância do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O tema foi debatido em audiência pública, proposta pelo deputado Leonel Radde (PT) e conduzida pela presidenta do Colegiado, deputada Sofia Cavedon (PT), da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa, no final da tarde desta terça-feira (9).
O deputado Leonel Radde disse que a audiência tinha como propósito demarcar a importância do Memorial para Porto Alegre e para o estado do RS. Segundo ele, há movimentos contundentes e covardes de representantes da extrema direita que, através de uma disputa político ideológica, tentam imobilizar e desvirtuar o espaço de cultura e história. “Luiz Carlos Prestes foi um dos maiores nomes da história de nosso país, independente de simpatias ideológicas, concordâncias de sua trajetória”, afirmou.
O deputado destacou que o homenageado com o Memorial foi um exemplo de luta pela igualdade, justiça, esperança e, principalmente, pela crença fiel a sua ideologia. “Isso lhe custou perdas pessoais tristes. Ele pautou, entre as décadas de 1920 e a década de 1980, de uma forma e de outra a nossa história”, relembrou. Radde disse que o equipamento existente em Porto Alegre tem um valor histórico cultural inestimável e tem uma função educacional também inestimável e tem como pano de fundo a defesa da democracia, da diversidade, da divergência e da valorização da cidade e do estado. “Somos contrários a qualquer retrocesso ou ataque de intolerância extremista contra o patrimônio. Acredito que esse seja o momento para avançar e ampliar a atividade e a relevância do espaço e consolidá-lo, de uma forma perene, independente das disputas ideológicas”, argumentou.
O presidente da Associação do Memorial, Geraldo Barbosa, falou sobre a importância do espaço para valorizar e eternizar as contribuições de Prestes para a história do Brasil e da América Latina. “O tombamento solicitado não é apenas do prédio, mas de toda a sua concepção artística e história do homenageado”, afirmou.
Barbosa fez uma recuperação da vida pública de Luiz Carlos Prestes, destacando sua participação em vários momentos relevantes da história nacional, especialmente a Coluna Prestes e a sua luta antifascista e da ideologia comunista em nosso país. Ele explicou o funcionamento e as atividades que ocorrem na edificação e informou detalhes sobre as comemorações dos 100 anos da Coluna Prestes – movimento revoltoso organizado por tenentistas que percorreu o Brasil entre 1925 e 1927, combatendo as tropas dos governos de Artur Bernardes e Washington Luís durante a Primeira República.
O tombamento de prédios e monumentos significa que esses bens serão protegidos pelo Iphan, que fica responsável pela manutenção, impedindo que sejam destruídos ou descaracterizados. Qualquer intervenção nessas obras e no seu entorno deve ser autorizada pelo órgão. Em 2021, um conjunto de obras do arquiteto Oscar Niemeyer foram tombados em definitivo no Rio de Janeiro, Niterói, São Paulo e Brasília. A expectativa é que o mesmo aconteça em solo gaúcho, com o tombamento do Memorial Luiz Carlos Prestes.
Defendendo o tombamento, o superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Rafael Passos, fez referências à representatividade da obra de Niemeyer e abordou aspectos da memória imaterial das atividades do local. “Essa obra é, se não a mais, uma das mais representativas do autor, da pessoa, da atuação política, humana e profissional. Ali resume essa dimensão do Oscar Niemeyer”, analisou. Da mesma forma, o diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do RS, Carlos Renato Savoldi, e a diretora de Patrimônio e Memória da secretaria municipal de Cultura de Porto Alegre, Ronice Borges, se colocaram à disposição para dar andamento no processo de tombamento do Memorial.
Presentes à audiência, o ex-prefeito e ex-governador Olívio Dutra e o ex-prefeito José Fortunati relataram o início da construção e instalação do espaço cultural. Ambos defenderam a manutenção do espaço físico do prédio, bem como a memória política de Luiz Carlos Prestes. Também convidado, o ex-prefeito José Fogaça justificou sua ausência por estar em Belém do Pará, em um encontro da Fundação Ulysses Guimarães, mas enviou mensagem declarando seu apoio à iniciativa.
A deputada Sofia Cavedon, em sua manifestação, expôs seu compromisso de apoio e acompanhamento do tombamento do Memorial. Ela avaliou o momento político nacional, que chamou de transição, e declarou que é preciso desarmar os ânimos e construir acordos que valorizem a memória da democracia brasileira. Para a deputada, Luiz Carlos Prestes e Oscar Niemeyer são parte da construção democrática do país. “Do grande esforço do povo brasileiro, de seus heróis, que fizeram com que chegássemos à República democrática, que a gente quer preservar e aprofundar. Precisamos passar a limpo a memória, a verdade e a justiça para que não tenhamos momentos autoritários”, salientou.
Também se manifestaram a representante do Fórum Nacional de Entidades em Defesa do Patrimônio Brasileiro/Rio Grande do Sul, Jacqueline Custódio; o conselheiro estadual de Cultura João Carlos de Los Santos; a diretora do Museu do Trem de São Leopoldo, Alice Bemvenuti; a ex-diretora de Arte e Cultura do Memorial Goretti Grossi; o coordenador geral da Assufrgs, Gabriel Focking; o vice-presidente da Associação do Memorial, Edson Ferreira dos Santos; o ex-presidente do Conselho Estadual de Cultura José Edil de Lima Alves; e o ator Fernando Waschburger. Também participou da audiência o deputado Zé Nunes (PT).
A linha do tempo do Memorial
Idealizado para manter vivo o legado do revolucionário, o Memorial Luiz Carlos Prestes levou mais de duas décadas para sair do papel. Nos anos 1990, logo após a morte de Prestes, o então vereador Vieira da Cunha (PDT) apresentou um projeto de lei na Câmara de Vereadores propondo um memorial em sua homenagem e pedindo a doação de um terreno à Prefeitura Municipal. Com um único voto contrário, a proposta foi aprovada.
Olívio Dutra (PT), prefeito na época, sancionou o projeto e destinou um terreno na esquina das avenidas Ipiranga e Edvaldo Pereira Paiva para a obra. Olívio e Vieira foram pessoalmente à procura de Oscar Niemeyer, o maior nome da arquitetura brasileira, que aceitou a encomenda. No entanto, foi somente em 2009 que a Câmara autorizou a concessão de uso do terreno para erguer o prédio projetado por Niemeyer. As obras foram iniciadas em 2012.
Assim como Prestes, seu memorial também enfrentou a repressão. Em 2017, às vésperas da inauguração do local, o ex-vereador Wambert Di Lorenzo (Pros) apresentou um projeto de lei propondo que o Memorial fosse extinto e o edifício passasse a ser o “Museu do Povo Negro”. A Câmara rejeitou a proposta e, em 28 de outubro de 2017, o Memorial abriu as portas ao público.
Em 2021, tendo como base o projeto de lei do ex-vereador Wambert Di Lorenzo, a vereadora Comandante Nádia (DEM) elaborou uma proposta de indicação à Prefeitura para que enviasse um projeto propondo a supressão do nome do líder comunista, mudando para “Memorial Cidade de Porto Alegre”. Na época, a Associação do Memorial Luiz Carlos Prestes lançou um abaixo-assinado na internet buscando apoio da sociedade e, em menos de três dias, recebeu mais de 4.500 assinaturas contra a proposta de revogação da homenagem. O documento contou com as assinaturas do ex-vereador Vieira da Cunha (PDT), autor da lei de criação do Memorial Luiz Carlos Prestes e dos ex-prefeitos Olívio Dutra e Tarso Genro, do PT.
O Memorial Luiz Carlos Prestes é a única obra de Oscar Niemeyer em Porto Alegre e um dos últimos trabalhos do arquiteto, falecido em dezembro de 2010.
Quem foi Prestes, da coluna ao comunismo
Em 1925, Luiz Carlos Prestes mobilizou cerca de 1.500 homens e mulheres a iniciar uma marcha pelo interior do Brasil em busca de um objetivo: denunciar as desigualdades promovidas pela oligarquia rural de Artur Bernardes, então presidente da República Velha. A Coluna Prestes, como ficou conhecida, chegou a percorrer 25 mil quilômetros e a visitar 11 estados do país, no período de 25 de abril de 1925 a 3 de fevereiro de 1927.
Ao longo de dois anos e meio, os integrantes do movimento ocupavam as cidades, conversavam com a população local e faziam campanha contra as elites agrárias que dominavam o cenário político da época, argumentando sobre as injustiças sociais cometidas por este grupo. As principais reivindicações eram um sistema democrático representativo, o voto secreto e a liberdade dos meios de comunicação.
Gaúcho de Porto Alegre, nascido em 3 de janeiro de 1898 e primogênito de quatro irmãos, Luiz Carlos Prestes era filho do capitão de engenharia do Exército Antônio Pereira Prestes e da professora Maria Leocádia Felizardo Prestes. Aos cinco anos, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro e, aos 18, ingressou na Escola Militar de Realengo, onde se formou na mesma função realizada pelo seu pai. Mas a atuação de Prestes no Exército foi breve.
Dois anos após ter iniciado a carreira militar, Prestes participou da primeira de uma série de revoltas tenentistas, conhecida como Revolta dos 18 do Forte, ocorrida no dia 5 de julho de 1924. A ação tinha por finalidade demonstrar a insatisfação dos militares de baixa patente com a forma pela qual o Brasil era governado. Foi por meio desse descontentamento que se originou a Coluna Prestes.
Em 1927, a marcha foi encerrada e seus integrantes se dividiram entre o exílio no Paraguai e na Bolívia. Prestes passou um tempo na Bolívia e em seguida viajou para a Argentina, onde começou a estudar o marxismo. A Coluna rendeu-lhe o apelido de “Cavaleiro da Esperança”.
Ida à URSS e a oposição ao governo Vargas
Em seu tempo exilado, Prestes recebeu incontáveis convites do secretário-geral e cofundador do Partido Comunista do Brasil (PCB), Astrojildo Pereira, para se filiar ao partido, porém, rejeitou todos. A sua adesão ao socialismo ocorreu somente em 1931, quando Prestes mudou-se para Moscou a convite do governo soviético. Três anos depois, a Internacional Comunista decidiu que Prestes retornaria ao Brasil clandestino para liderar uma revolução comunista no país.
Com Prestes, foi enviada Olga Benário, uma agente do serviço de espionagem do Exército Vermelho, que havia recebido a missão de realizar a sua segurança pessoal. Durante a viagem ao Brasil, Olga e Prestes se apaixonaram e se casaram.
A Intentona Comunista organizada por Prestes, no entanto, foi um fracasso e limitou-se a levantes de militares da esquerda em três cidades brasileiras: Natal, Recife e Rio de Janeiro. O movimento foi rapidamente controlado pelo governo de Getúlio Vargas e iniciou-se uma caçada para prender Prestes e pessoas ligadas a ele.
Prestes e Olga foram presos no Rio de Janeiro, em março de 1936. Olga, alemã, judia e comunista, foi entregue pelo governo brasileiro para a Alemanha Nazista, mesmo estando grávida de sete meses. A filha de Prestes e Olga, chamada Anita Leocádia Prestes, nasceu em um campo de concentração alemão em 27 de novembro de 1936. Com dois anos de idade, Anita foi separada da mãe e entregue para a sua avó paterna, Leocádia Felizardo. Em 23 de abril de 1942, Olga foi enviada ao campo de extermínio de Bernburg, onde foi morta na câmara de gás aos 34 anos de idade.
No Brasil, Prestes passou quase 10 anos preso e foi solto no começo de 1945 após Getúlio Vargas decretar anistia e libertar os presos políticos de seu regime. Por orientação de Moscou, Prestes teve de aderir à campanha que exigia a continuidade de Vargas no poder. Posteriormente, Prestes foi novamente vítima de repressão durante o período da Ditadura Militar de 1964. Após uma vida de clandestinidade, perseguições e exílios, Prestes faleceu no Rio de Janeiro, no dia 7 de março de 1990, aos 92 anos.
Matéria do Brasil de Fato RS.
Foto: Eugenio Hansen, OFS/Wikimedia Communs
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