Opinião
TEXTO 7: Vinho de “garafon” X Embrapa Viníferas
TEXTO 7: Vinho de “garafon” X Embrapa Viníferas
De ADELI SELL*
“Garafon”* de vinho não é coisa tão antiga. “Sangue de boi” (que nome mais ridículo) era produzido por uma das cooperativas, lembram? O brasileiro comum desconhecia o que era vinho “fino” até pouco. Nos tempos de estudantes a gente bebia isso, depois já nos anos 80 aportam aqui aquelas garrafas bonitinhas do Gewurztraminer alemão: LIebfraumilch. Eta, e a gente achava que tinha descoberto uma mina de ouro. Não se trata de esnobação. Era o que havia. Não se tinha tradição de beber vinho e espumantes. Isso, anotem, é coisa moderna. Vinhos finos em garrafas com rótulos feitos por designer é coisa bem recente.
Enólogos famosos das famílias de “gringo” não conheço nem meia dúzia. Sei de muitos argentinos que dão o tom e as notas dos espumantes e vinhos finos na Serra. Faça-se justiça, uma das poucas pessoas que postou, falou e está debatendo o tema é uma enóloga gaúcha. Só falta persegui-la agora.
Vi vários vídeos de vinícolas locais. Li muita matéria publicitária e correlatos. Uma sucessora de uma das “Família” fala em “meritocracia”! Aí “me caíram os butiás do bolso” Mentira! Sim, no caso do vinho gaúcho é MENTIRA.
Até os anos 70 e poucos aqui só se conhecia vinho tinto, branco e rosé. Desafio alguém a achar um rótulo com a designação de cepas. O vinho era feito, basicamente, com uvas de mesa. Na crise pós-guerra inventaram de produzir destilados; e não foi a nossa grapa (ou graspa) de raiz, melhorada dos ancestrais, como vi em Santa Tereza. Não, produziram vodca, destilados em geral e conhaques. Um ficou famoso, mas era de quinta categoria. Era desta vinícola de uma das “Família”.
Quando apareceram os vinhos finos? Quando você ouviu falar em cepas como cabernet sauvignon e merlot? Não faz tanto assim. Imagina marselan e tannat!
O que nossas vinícolas vendem em sites, páginas de mídias sociais e nos vídeos é como se tudo tivesse sido obra dos “nonos” e das “nonas”, “gringo”, do trabalho duro (que ninguém nega). Ouvi uma referência apenas a uma parceria com uma Universidade. Nenhuma vez citam a Embrapa Uva e Vinhos, com sede em Bento Gonçalves.
Como foi a história de 1875 (chegada dos “gringo”) a 1937, quando foi criado o laboratório Central de Enologia, com sede no Rio de Janeiro e três Estações de Enologia com sede no Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais? Tudo era artesanal, sem qualquer técnica avançada como havia fora do país.
Em 30 de maio de 1942, Getúlio mandou aplicar a verba de 60 contos de réis, em forma de adiantamento, na aquisição de estacas, porta-enxertos e coleções de videiras de diferentes espécies e variedades, destinadas à organização inicial dos vinhedos de estudo e dos viveiros de multiplicação. O resto todos sabem, só querendo ver, mas os “gringo” escondem.
Vocês das vinícolas – que contratam “gato” na safra – nunca gastaram em pesquisa até os anos 2000. Nada. Meritocracia? Recursos públicos ajudaram vocês a melhorar e até a ficar ricos. Vocês são mal agradecidos.
Quem descobriu o “terroir” da campanha não foram os “gringos’, foram agrônomos formados em Universidades PÚBLICAS, foi a EMBRAPA, sem um centavo de vocês. E vocês apagaram toda esta História. Vocês não existiriam sem Getúlio Vargas, sem governos que colocaram recursos e construíram universidades e centros tecnológicos públicos. Vocês ganharam um Instituto Federal do governo do Lula, a quem vocês deram apenas 25% dos votos.
Vocês são mal agradecidos.
Vocês são useiros e vezeiros de aparecerem como sonegadores e até pouco tempo muitos eram acusados de “batizar” o vinho. Nem todos. Por sinal, fui acionado quando Secretário em Porto Alegre a fiscalizar a origem dos vinhos.
Quem formou os melhores profissionais químicos que começaram a atuar na região são oriundos de faculdades públicas também. A Embrapa foi erguida e é referência mundial com nosso dinheiro, dos impostos. E isto ajudou vocês
No que pesquisei, vocês, repito, nunca citam a Embrapa. Quando um patriarca de uma das “Família” diz que tem um sócio que nada aplica e faz (o governo), pelo vinho, ele MENTE. Vocês estariam vendendo vinho feito com uva de mesa e vendendo em “garafon” nas bodegas e casas de pasto, não nos templos do vinho de hoje e nos bons restaurantes da região e do país afora. No máximo chegariam a envasar em garrafas. Vocês não tem vergonha na cara. Vocês me envergonham.
Desde muito tempo, é verdade, vocês fornecem o VINHO CANÔNICO, o qual tem que ter licença da Cúria. E agora? O que vocês vão falar para a CNBB, para os padres, já que 70% de vocês são católicos?
Eu sei que nem todos os “gringo” são iguais. Nem todos os “terceirizados” são iguais.
Num domingo na Rota das Cantinas Históricas me deparei com o dono, sim, um dos donos de uma vinícola, lendo um clássico da sociologia: Manuel Castells. Confesso que aquilo me impactou e tivemos uma conversa genial. Pois pelo que sei tem alguns de vocês que ainda leem Andrew Carnegie. Sim, são vocês a fonte do atraso. Desculpa, alguns devem estar lendo Pai Rico, Pai Pobre.
Vocês deveriam ir ao Santuário de Santo Antônio – vosso padroeiro – pelo próximo ano, rezar de joelho, pedir perdão, pedir um novo pacto civilizatório. Vocês não são bons em fazer promessas? Digam a Santo Antônio que, no próximo vídeo, vocês juram que vão mostrar os trabalhadores de chão de fábrica, os deixar falar livremente, vão apresentar os colhedores e carregadores de uvas na safra.
Quando vocês contratarem novos trabalhadores, façam um típico café da manhã, para recepcioná-los. No primeiro domingo da safra, façam uma mesa como seus antepassados faziam, com sopa de agnolini e carne lessa. Mostrem o vosso lado “raiz ”, originário e solidário. Prometam contratar trabalhadores temporários ou por uma empresa que respeita os direitos trabalhistas.
Mas se foram baianos e nordestinos e se eles não gostarem desta comida, pelos hábitos, veja se não gostariam de um almoço especial com carne seca e farinha, parte da cultura gastronômica deles. Aprendam a respeitar os “lá de cima” que adoram outras comidas. Ah, vocês não poderiam fazer uma rodada de espumantes para seus trabalhadores conhecerem o fruto de parte do trabalho deles? Prometam isso a Santo Antônio e cumpram. Não são vocês de dizem que “Deus não mata, mas castiga”?
Ah, não esqueçam que tem a “empresa do lixo” como vocês falam aí, que tem ¼ de seus operários, garis, sim “garis” é o nome, que são imigrantes, haitianos, negros.
Não teve uma guria que fez uma “vaquinha” para trazer a família de uma haitiana? Como ela pode arrumar quase 40 mil e vocês fazem o que fizeram com os baianos?
A Serra gaúcha é fruto de um processo de imigração. Todos nesta Terra são imigrantes, tirando os povos originários. Lembro que Caxias do Sul chegou a se chamar Campo dos Bugres. Lembram que seus antepassados vieram do outro lado do mundo, atravessando o Atlântico em navios, não em aviões que vocês tomam para visitar Bordeaux?
Lembram que crianças, antepassadas de suas famílias foram jogadas ao mar, por terem morrido a bordo? Lembram que uma menina italiana foi roubada dos pais no Porto de Santos? Que teve caminhão que rolou nas ribanceiras da região e morreu gente, antepassado de vocês?
Não pensem que as pessoas vão se contentar em ver o vereador caxiense ser cassado.
Queremos ver o pagamento por danos morais coletivos, e que este dinheiro seja investido em PESSOAS.
Queremos que os recursos do SESI, SESC, SENAC sejam gastos, como era no passado, com as pessoas para que possam ingressar com dignidade no mundo do trabalho regional.
Vossas cartas não bastam. Algumas são emendas piores do que soneto de “tiazinha”.
Vocês querem mudar? Vocês podem mudar. Mas é preciso ter humildade.
Não pensem que isto vai passar como uma “gripezinha”. Não, porque vocês foram inoculados com algo que vos tornou insensíveis, algo que tem que ser extirpado com fórceps.
*Escrito assim, é a real pronúncia dos “gringo”. Por isso, muitos sofreram bullying. Estes nossos artigos não são uma provocação, nem um desdém, pelo contrário: a gente só quer ajudar.
*Escritor, professor e bacharel em Direito.
Este artigo é o sétimo da série “Dossiê Bento Gonçalves”, composta por 10 artigos inéditos de Adeli Sell que serão publicados diariamente.
As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.
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