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Opinião

TEXTO 2: “Gringos” – nem todos são iguais!

TEXTO 2: “Gringos” – nem todos são iguais!

Artigo por RED
10/03/2023 11:38 • Atualizado em 11/03/2023 11:08
TEXTO 2: “Gringos” – nem todos são iguais!

De ADELI SELL*

Todos os imigrantes vieram por causa de sua miséria. Foram os açorianos, seguidos dos europeus, para substituir a de mão de obra escrava. Os imigrantes não conseguiam viver com o mínimo de decência nos seus locais de origem. O Império apostou nos alemães. Entre eles havia os pomeranos, com grande colônia no RS e no Brasil, austríacos etc. 50 anos depois começam a chegar os italianos, que viviam, repetimos, precariamente em suas terras.

Os alemães pegaram a região mais plana, mas os italianos tiveram que subir pelo Rio Caí e se embrenhar morro acima. Foram tempos difíceis nos ermos da Serra Gaúcha.

Todos os que somos filhos de alemães, pomeranos e italianos temos algum sotaque, sendo vítimas de “bullying” na escola. Não tinha este nome, mas era um porre ter que ouvir gracejos e imitações por causa dos “r” e as outras pronúncias, o sotaque carregado denunciava nossas origens.

Claro que “la nave vá”, menor “ia”, ao se pegar no pesado, e isto nunca foi um problema para estes colonizadores, labutavam ou morriam de fome. Nos primórdios, muitas vezes, as frutas e as caças foram essenciais. Aqui, aprendemos o valor de uma banana, algo tão simples de plantar e tão fácil de dar.

O italiano não sabe bem a razão, levou o apelido de “gringo” algo que é dito dos “americanos” nos grandes centros. Mas “gringo” na Serra é aquele que fala “talian”. Lembro que o Sartori, demagogicamente, utilizou-se de sua condição de “gringo” e, às vezes, puxava o sotaque para se mostrar um homem simples do povo. E colou.

Muitas vezes ouvi dizerem por aí “mas que gringo grosso”, “grosso como dedão destroncado”, tudo com altas notas de preconceito, contra simples colonos ou seus filhos.

Mas eis que num jogo entre o Esportivo e o Veranópolis que tinha por árbitro o afrodescendente Márcio Chagas, este é chamado não só de “macaco”, como jogaram cascas de banana em seu carro. O Esportivo foi obrigado a indenizar o juiz com ridículos 15 mil reais. Isto não foi condenação, foi um aval para outras barbaridades.

Diante destes atos dos “gringos”a mídia se calou, na maior parte das vezes. E a mídia não vincula o caso do trabalho análogo à escravidão com estes episódios de preconceito. Ninguém fez relação com o caso, ninguém lembrou o caso de Luiz Fux não ter ido palestrar pois sofrer ameaças. Ninguém falou do “bafafá” por causa da cesta dada a Lula, no qual uma marca de vinhos e espumantes foi detonada pelos bolsonaristas. Ninguém na mídia falou dos 75% de votos de Bolsonaro.

Tudo isso vem acontecendo e eu, que como Nelson Rodrigues “só acredito nas pessoas que ainda se ruborizam”, fico como um palerma olhando a Maria Fumaça sair de Bento em direção a Garibaldi de marcha-ré.

Pois os “gringos” de Bento Gonçalves, da Colônia de Dona Isabel, não aprenderem a lição. Ou são um bando de recalcados que buscam vingança, ou encarnaram as teses fascistas na busca do que acham que é seu, não importa como, e será do jeito que querem que seja. Mas como nos ensinou o Barão de Itararé, “tudo seria fácil, se não fossem as dificuldades”. E dificuldades temos muitas mesmo.

A questão que já expus no artigo anterior: os “gringos” querem mudar? Serão tocados pelas manchetes mundo afora que ali se praticou uma ação anti-humana, antiética, grosseira e vil? Ou haverá uma condenação por dano moral coletivo ou em algum momento tudo voltará mais uma vez, pois há casos recorrentes?]

E o pior de tudo isso é que agora aparecem denúncias de envolvimento de membros da Brigada Militar, agindo como milícias cariocas. Se isto se confirmar, a podridão começa a esgarçar de vez o tecido social por aqui.

Ninguém da mídia lembrou que o ex-prefeito, nada vi contra ele, bem entendido, fez 57 mil votos, eleito deputado pelo PP que no Rio Grande do Sul foi o braço direito da extrema direita nas últimas duas eleições.

Ninguém lembrou que é de Bento um sujeito chamado César Paganini, citado na lista da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) como contratante de ônibus para irem aos atos terroristas de 8 de janeiro em Brasília.

Hoje, tratei de mostrar que nem todos os “gringos” são iguais, porque em Bento vimos o nascedouro de um dos primeiros e mais antigos Sindicatos Rurais, com foco nos plantadores de uvas, com o senhor Gabardo no comando. Se fosse vivo, certamente haveria de se opor e certamente teria visto o que muitos dizem não ter visto.

Nem todos os “gringos” são iguais porque sabemos agora que houve denúncias, mas algumas autoridades só tomaram posição com três dos trancafiados naquela “pensão”/espelunca horrorosa terem fugido e encontrado os valorosos soldados da PRF.

Nem todos os “gringos” são iguais, porque o gerente geral do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), Vanius Corte, já tinha demonstrado problemas recorrentes em outros episódios como neste foi impecável com suas posições.

Como nem todos são iguais, eu perguntaria como a vigilância sanitária não fiscaliza um espaço com tantos habitantes mesmo que apenas no tempo de colheita?

E os donos do “mercadinho”, que cobravam 25 reais pelo quilo de feijão não são santos, não é? Que tal uma fiscalização do ICMS?

Quem dirige a atual prefeitura? A mídia como sempre não cita o partido, no caso é o PSDB, que só se mostrou diligente com os trabalhadores quando a “bomba” tinha estourado. Passados sete dias saiu uma nota dele e outro. Falou numa rádio de alcance estadual que “todos somos vítimas”… Ainda bem que a jornalista não deixou barato. “Nunca falou das 207 vítimas”, frisou ela.

Se depender deste tipo de político gaudério, nunca vai mudar o atual quadro de ataques aos direitos fundamentais. O prefeito foi duramente questionado, faça-se justiça. Foram mais de 500 recados à rádio e aparentemente todos contra a omissão dos “gringos”, 70 deles se dizem católicos, muitos devotos de Santo Antônio, aquele santo que sempre esteve ao lado dos pobres.

Ou seja, nas mãos de “gringos” ou não, a mídia é igual sempre: omite, mente, tergiversa, dá as coisas pela metade.

No próximo texto da série, que sai amanhã ao meio dia, vou mostrar que NEM TODAS AS TERCEIRIZAÇÕES SÃO IGUAIS.


*Escritor, professor e bacharel em Direito.

Este artigo é o segundo da série “Dossiê Bento Gonçalves”, composta por 10 artigos inéditos de Adeli Sell que serão publicados diariamente.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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