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Opinião

Chuvas

Chuvas

Artigo por RED
04/03/2023 05:25 • Atualizado em 06/03/2023 08:48
Chuvas

De PRISCILA SIQUEIRA*

Tudo é culpa de São Pedro que deixa chover demais nessa terra de Santa Cruz! Claro que agora ele se excedeu… Porém, chuvas como essas já foram profetizadas há algum tempo.

Primeiro de tudo, ambientalistas em nível mundial alertam que entramos em uma nova era geológica por conta de tantos estragos que a ganância do ser humano fez no planeta terra. A terra pode ser asfaltada e pavimentada, mas continua sendo um organismo vivo que pulsa e reage ao que fizerem com ela.

Esse novo tempo que agora vivemos e não temos mais como evitar, vai ser de muita chuva, temperaturas extremas, incêndios por causa do calor intenso e consequentes quedas de barreiras dos morros encharcados de água. Aliás, já na sexta-feira anterior à catástrofe, as prefeituras foram alertadas sobre o volume da água que estava por vir na região. Não seria mais lógico tirar as populações de moradores em áreas de risco, preventivamente, antes que todo mal acontecesse?!

E nesse cenário, temos a Serra do Mar e a Mata Atlântica. A Serra do Mar, dizem os geólogos, é composta de “tálus”- por isso fala-se nos “taludes da Serra do Mar”. Isto é, o solo é composto de pedras soltas de diversos tamanhos e formas, que por força da gravidade se encontram aí enterradas. O que segura essas formações geológicas é a floresta tropical que a encobre: a Mata Atlântica, que é também conhecida como uma ”Rain Florest”, isto é, uma floresta tropical onde acontecem constantes precipitações de chuva.

Por outro lado, um professor de Geologia da USP certa vez me disse que as praias do litoral paulista são como “um recém nascido vagindo no berçário da Vida”. Isso significa que as praias da região são compostas por material de sedimentação com cerca de sete a oito mil anos de existência, o que é muito pouco tempo para a vida no planeta.

Portanto, primas e primos, nossa região é muito frágil e o uso do solo do litoral norte deveria ser tratado com muito cuidado. Mas não: a especulação imobiliária , por conta do lucro, sobe encostas e derruba Mata Atlântica primária.

O Parque de Ilhabela que era estadual, previa o uso do solo na área do canal de São Sebastião até 80 metros para compensar o que seria preservado na ilha de São Sebastião do lado do mar aberto. Agora, com o Parque municipalizado, a Prefeitura local propôs construções em áreas do lado do mar aberto antes preservadas e de importante valor ambiental!… Arre lá!!!

Em Caraguatatuba, o Executivo manda um Projeto de Lei para a Câmara, para que áreas preservadas de Mata Atlântica primária sejam liberadas para construções de condomínios.

Em São Sebastião, o próprio prefeito municipal começou a devastação do morro da Ilha Montão de Trigo, para atender interesse particulares. Conforme legislação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE, topos de morros não podem ser devastados por causa das possíveis deslizamentos de terra que podem provocar. Como a população de Montão de Trigo não aceitou a destruição de sua terra, foram perseguidos pela Prefeitura Municipal de São Sebastião com impostos que antes não pagavam…

Assim fica difícil, não primaiada?! E quem paga por tanta imprevidência é principalmente a população mais vulnerável, as comunidades mais carentes que, por não terem onde morar, constroem nas encostas ou as comunidades indígenas que tudo perderam com as recentes chuvas.

O Governo Federal, visitando a região, prometeu a liberação de verbas para a construção de casas populares. Mas isso depende das Prefeituras darem o local e terem coragem de enfrentar o poder econômico dos donos de mansões de nossas praias.

Em Maresias, praia da costa sul de São Sebastião, onde já havia acontecido morte por conta do deslizamento nos morros de lá, o projeto “Minha Casa Minha Vida” da ex-presidenta Dilma, liberou verba para a construção de cerca de 230 casas populares em áreas planas. Por que isso não aconteceu?! Uma das causas dessas construções não terem saído do papel foi o lobby feito pelos turistas de alta renda, proprietários dos condomínios e mansões dessa praia. Entre outras alegações para que ao projeto não acontecesse, eles não queriam que o valor imobiliário de suas posses decaísse em função da vizinhança pobre.

A tragédia de agora parece só ser superada pela a de Caraguatatuba em 67. Quando o meio ambiente se enfurece e reage às nossas agressões, ficamos impotentes. Mas, por outro lado, podemos tratar a Natureza com respeito e carinho, evitando, assim, que tantas vidas inocentes sejam ceifadas por conta a ganância de alguns.


*Jornalista e colunista do Coletivo Caiçara em defesa dos direitos dos povos originários do Litoral Norte (SP).

Imagem de divulgação das buscas na vila Baleia Verde, em São Sebastião (SP).

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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