?>

Opinião

Victor, Rui e Marçal

Victor, Rui e Marçal

Artigo por RED
04/02/2023 05:00 • Atualizado em 06/02/2023 09:58
Victor, Rui e Marçal

De JORGE ALBERTO BENITZ*

Uma bela história que o Marçal contava envolvia ele e o Teixeirinha, na época em que este último era seu chefe no programa na madrugada “Teixeirinha Amanhece Cantando”, na Rádio Farroupilha, no tempo da ditadura. Em uma noite vieram os meganhas atrás dele prendê-lo, como de costume. O Teixeirinha, que estava presente, se recusou a deixá-lo ir preso. Formou- se aquele puxa e afrouxa entre Teixeirinha e os paus mandados da ditadura. A tensão começou a aumentar diante da firmeza do Teixeirinha. Em certo momento, os sujeitos, eram dois, demonstraram que iam pegar na marra o Marçal. Teixeirinha não se deu por vencido e botou a mão no revolver que sempre portava, com ar decidido. Imagino que os policiais da ditadura lembraram daquele trecho da música dele “mas se alguém me pisar no pala/meu revolver fala/ e o bochincho está feito”. Acostumados a moleza nas suas torpes ações criminosas, os canalhas viram que ali era diferente e deram pra trás e foram embora.

Lembrei disso, depois da conversa do último dia 31 na Confraria do Livro, quando lembramos de nossos amigos que foram antes do combinado, como dizia Rolando Boldrin, que também já foi antes do combinado. A saudade bateu forte em nós. Rui Gonçalves, dono da Livraria Palmarinca; Victor Douglas Nunes, decano dos advogados trabalhistas, poeta bissexto, historiador, chargista, rádio ator de novela radiofônica, fichado como espião da esquerda uruguaia no DOPS – espião mirim do Uruguai, a julgar pela idade com que veio para o Brasil (3 anos) -, estudioso do nazismo e da imigração alemã (inclusive tinha um projeto de fazer um documentário sobre a história de Hermann Bruno Otto Blumenau, deixando aos meus cuidados um cópia do roteiro inicial do mesmo); João Batista Marçal, historiador da classe operária gaúcha, jornalista, radialista, poeta. O Miguel Frederico Espirito Santo, quando perguntei, só para provocar, sobre a importância do Marçal, disse que se recusaria a externar sua opinião porque era amigo dele. Depois, após o Gustavo de Mello lembrar da importância de Marçal como historiador que colocou em cena a classe operária, coisa que antes ninguém tinha feito com tanta ênfase, o Miguel endossou esta afirmativa, concordando com a importância dele neste sentido. Tanto isso é verdade que em todo o estudo envolvendo a classe operária gaúcha Marçal é referência e, não por acaso, sua casa era local procurado como fonte para pesquisa por jovens estudantes quando o assunto era a história da classe operária gaúcha. Como não sou historiador e não conheço em profundidade esta faceta da obra dele me eximo de fazer juízo de valor. Sei, no entanto, que ele era múltiplo, como o próprio material deste livro demonstra.

Antes já tínhamos lamentado as faltas que o Rui e o Victor fazem. O Rui com aquele jeito único de aproximar os distantes que frequentavam sua livraria, de ser a “cola” de muitas amizades que ali se forjaram, de levar na boa e acalmar os ânimos que muitas vezes se exaltavam por picuinhas ou por visões ideológicas antagônicas. A Livraria Palmarinca era frequentada por intelectuais de todas as plumagens, a maioria de esquerda, ou, que foi de esquerda no passado. Falo isso porque muitos dos frequentadores foram, inclusive, do Partidão e viraram antipetistas simpatizantes dos tucanos.  No fim, indagando sobre a possibilidade de algum livreiro de livrarias frequentadas por intelectuais de esquerda, do passado e de hoje, ficou claro, depois de passar em revista alguns nomes conhecidos como Arnaldo Campos, Alexandre da Kosmos, Paulo Lima e outros que não me lembro agora,  que ninguém se aproximava do jeito peculiar e humano de ser do  Rui.

O Victor, sou suspeito para falar porque acho que já falei o bastante sobre ele, que me inspirou a escrever meu livro de contos Conversa de Livraria&Avulsas, Editora Palmarinca,  e, às vezes, me vejo a perguntar o que ele diria sobre tudo que está ocorrendo neste conturbado país. Uma correção, sobre o presente tínhamos muitas discordâncias políticas, embora, nos seus últimos anos de vida, ele, talvez devido ao convívio com o seu filho Tarson-  pois foram morar juntos, tenha reformulado muito seu pensamento político, mostrando ser alguém sempre aberto às mudanças, coisa rara entre os de sua geração. O que não implica deixar de afirmar que o seu caráter, a sua coragem diante de situações de risco durante a ditadura, sempre me serviram e servirão de exemplo a seguir. Tentar seguir porque não sei se teria a coragem e o destemor dele diante de situações como as que enfrentou. Miguel lembrou o quanto sofreu – ele perdeu todo o seu patrimônio que não era pequeno, e aguentou sem cair no discurso amargo e nostálgico. Cheio de histórias, que eu ouvia avidamente, e de planos, só olhava para a frente. Mesmo com tudo o que passou não se tornou um velho queixoso chato, disse, e Miguel, que era o mais próximo dele ali presente, concordou totalmente. Aliás, foi o Miguel que começou esta conversa toda sobre os amigos ausentes, quando falou sobre a sua saudade do Victor.


*Engenheiro, escritor e poeta.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

 

Toque novamente para sair.