Opinião
Marechal Rondon é quem devia ser o patrono das Forças Armadas brasileiras
Marechal Rondon é quem devia ser o patrono das Forças Armadas brasileiras
De LAUREZ CERQUEIRA*
“Morrer, se necessário for. Matar, nunca”. O Marechal Rondon disse essa frase logo após ser ferido por uma flechada de um indígena Nhambiquara. No momento do ataque, mesmo sob forte tensão, ele proibiu seus soldados que revidassem.
A frase do Marechal Rondon, um militar humanista, pacifista, tornou-se lema no treinamento dos expedicionários que serviam nas dezenas de missões que comandou, de proteção aos indígenas das regiões de Mato-Grosso, da Amazônia e do Sul do Brasil. Proteção, para ele vitalícia. Rondon morreu no dia 19 de janeiro de 1958, no Rio de Janeiro, deixando um legado moral, ético e histórico, pela sua obra na construção da nação brasileira.
“A cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a Cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país.”
Essas são palavras de um genocida. Ditas pelo capitão, então deputado Jair Bolsonaro, num inflamado discurso ideológico na tribuna da Câmara dos Deputados, em 1998. Frase que se tornou roteiro de morte anunciada, culminada na tragédia humanitária dos Yanomami.
Embora ambos militares das Forças Armadas, suas posições são antagônicas na caserna. Rondon dedicou sua vida à defesa dos indígenas e da integração nacional. Enquanto que o ex-presidente se orienta pela ideia de que há um “inimigo interno” a ser combatido. Herança maldita da ditadura militar, que divide os brasileiros e bloqueia a consolidação da democracia.
O rebaixamento moral e ético entre integrantes das Forças Armadas chegou ao ponto de ter Jair Bolsonaro como líder, um extremista de direita internacionalmente reconhecido por suas ideias perversas, destruidoras, por suas ligações com o movimento fascista e a extrema-direita internacional.
Rondon defendeu a integridade física dos indígenas e seus territórios como dever do Estado brasileiro. Já o ex-presidente negou assistência médica, promoveu interesses contrários à vida digna e incitou o desrespeito aos ensinamentos de Rondon.
As imagens da tragédia humanitária dos indígenas Yanomami foram estampadas nas telas do mundo. Expôs ainda mais as ideias sinistras de Jair Bolsonaro e seu governo. Desconsiderou a gravidade da pandemia, quando cerca de 800 mil pessoas morreram. Mortes que somadas às dos Yanomami expõe a ideologia do descarte dos indesejáveis.
Bolsonaro fez questão de nomear o general Franklimberg Ribeiro de Freitas, no início do seu governo, para presidir a FUNAI. Depois o substituiu pelo delegado da Polícia Federal, Marcelo Augusto Xavier. Ambos despreparados para ocupar os cargos e sem nenhum compromisso com a proteção aos indígenas.
Dos 39 coordenadores dos órgãos da FUNAI, 17 eram militares, três policiais militares e dois policiais federais. A gestão policial-militar da FUNAI foi marcada por perseguição a funcionários do órgão, das lideranças indígenas, e proteção aos interesses do agronegócio, aos madeireiros e garimpeiros. O território Yanomami foi invadido por cerca de 20 mil garimpeiros.
Chamado de marechal pacifista, Rondon foi o primeiro diretor do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), criado por ele, em 1910, no governo do Presidente Nilo Peçanha. O órgão pertencia ao Ministério da Agricultura. Órgão que abrigou o antropólogo Darcy Ribeiro, profundo admirador do marechal Rondon, entre os anos de 1947 e 1958, quando trabalharam juntos na criação do Parque Indígena do Xingu e do Museu Nacional do Índio.
Darcy Ribeiro, dizia que o marechal Rondon “foi o maior de todos os brasileiros”. “…Um destacado explorador dos trópicos, pacifista, ambientalista, antropólogo e indigenista”.
A ideia de proteção, de Rondon, o fez avançar nos estudos da etnologia, da antropologia e da linguística. Foi o primeiro a gravar músicas no campo de povos indígenas com a colaboração do seu assistente Roquete Pinto. Foi também o primeiro a filmar os ritos e o cotidiano dos povos indígenas. Os filmes foram exibidos a partir de 1915, muito antes do filme Nanook, o esquimó, de Robert Flaherty, de 1922, tido como o primeiro.
Considerado adepto da filosofia positivista, Rondon carregou por toda a vida o estigma de ser alinhado às ideias que defendiam a adaptação dos indígenas ao mundo dos brancos. Mas, Darcy Ribeiro dizia o contrário, que, para Rondon, o índio tem o direito de escolher o grau de acercamento que quer ou não com a sociedade brasileira e que a decisão é soberana de cada povo indígena.
Rondom foi contra o Brasil entrar na guerra ao lado dos nazistas e fascistas. Ele queria que o Brasil lutasse ao lado dos Aliados: França, EUA, Inglaterra e União Soviética. Ele recebeu três indicações ao Prêmio Nobel da Paz, uma delas da parte do cientista Albert Einstein
Já o capitão ex-presidente Jair Bolsonaro tem cinco processos abertos nos tribunais internacionais por crime de genocídio. Sua conduta mereceu repúdio de chefes de Estado das mais importantes nações do mundo e de lideranças das agências internacionais de defesa de direitos humanos.
A obrigatoriedade do Estado, de cuidar das nações indígenas, está na Constituição. Jair Bolsonaro, Damares Alves, os presidentes da FUNAI e outros responsáveis pela tragédia humanitária dos Yanomami devem ser investigados e levados aos tribunais.
Rondon é quem devia ser o patrono das Forças Armadas brasileiras.
*Autor, entre outros trabalhos, de Florestan Fernandes – vida e obra; Florestan Fernandes – um mestre radical; e O Outro Lado do Real.
Texto publicado originalmente no site do autor.
Imagem: reprodução de arquivos.
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