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Opinião

As opções de políticas econômicas de Lula 3 e a luta de classes

As opções de políticas econômicas de Lula 3 e a luta de classes

Artigo por RED
25/12/2022 13:13 • Atualizado em 27/12/2022 14:09
As opções de políticas econômicas de Lula 3 e a luta de classes

De RICARDO DATHEIN*

Como será a política econômica do governo Lula 3? As políticas sociais já são bastante conhecidas e devem ganhar, novamente, mais racionalidade, com os devidos ajustes em relação às experiências petistas anteriores, provocando diminuição de pobreza e melhor distribuição de renda. Mas isso precisará ser compatibilizado com a trajetória da economia, do mercado de trabalho e da produtividade do trabalho. Caso contrário, tendem a gerar novamente acirramento de conflitos e crises econômica e política.

Uma forma de se analisar as trajetórias da economia é via o famoso modelo chamado de Ciclo de Goodwin, que descreve a dinâmica da luta de classes entre trabalhadores e capitalistas. Digamos que a economia está em um ponto (1), com capacidade ociosa e uma distribuição de renda favorável ao capital. Caso, por motivo de políticas econômicas ou de conjuntura nacional ou internacional, houver crescimento, a economia vai para um ponto (2), com menor capacidade ociosa e menor desemprego. Nesse ponto os trabalhadores conquistam maior poder de barganha e podem conseguir uma melhor distribuição de renda para si, aumentando a participação dos salários e diminuindo a participação dos lucros na renda, com a economia se dirigindo para um ponto (3). No entanto, isso tende a diminuir a taxa de lucro média da economia (caso a produtividade do capital não se alterar), provocando redução de investimentos e, com isso, aumento da capacidade ociosa e desemprego, conduzindo a economia para um ponto (4). Isso reduziria o poder de barganha dos trabalhadores, produzindo uma menor participação dos salários e concomitante aumento da participação dos lucros na renda, com o que retornamos ao ponto (1). E assim a economia ficaria girando, em um ciclo, conforme os contextos da luta de classes.

No governo Lula a economia conseguiu transitar de um ponto (1) (com capacidade ociosa, alto desemprego e baixa participação dos salários na renda) para um ponto (3) (com baixa capacidade ociosa, alto emprego e maior participação dos salários na renda). As políticas econômicas e sociais, mais a conjuntura internacional favorável, permitiram essa trajetória.

O governo Dilma enfrentou uma conjuntura muito mais difícil, com uma economia com produto efetivo acima do potencial, piora da conjuntura internacional (queda dos termos de intercâmbio no comércio internacional brasileiro), pressões inflacionárias e redução da taxa de lucro. Por algum tempo, tendo em vista a manutenção de uma alta massa de lucros, ainda foi possível sustentar o emprego em alta. No entanto, quando a taxa e a massa de lucro se reduziram, concomitantemente, as crises econômica e política vieram fortes, fazendo a economia transitar para um ponto (4), com maior capacidade ociosa e perda de poder de barganha para os trabalhadores.

Nesse contexto, nos governos Temer e Bolsonaro, a economia transitou para um ponto (1), mantendo alta capacidade ociosa, inclusive como resultado da pandemia, e com concentração de renda a favor do capital. A meta seria, desse modo, recuperar a taxa de lucro e, com isso, retomar os investimentos.

Mas há um problema. Uma das mais nefastas consequências da década perdida de 2013 a 2022 é que o produto potencial da economia brasileira estagnou (FGV; IPEA). A forte queda dos investimentos públicos, privados e das estatais, além da ampliação da desindustrialização, parecem ter causado essa estagnação. Com isso, qualquer crescimento, como o de 2022, já faz a economia alcançar o produto potencial e, desse modo, potenciais pressões inflacionárias e conflito distributivo.

Assim Lula assumirá o governo, com uma economia muito mais próxima de um ponto (2), com um produto efetivo equivalente ao potencial. Portanto, políticas tipicamente keynesianas talvez não sejam as mais adequadas. Poderá promover, com políticas sociais, melhor distribuição de renda em favor do trabalho. No entanto, isso pode conduzir a economia para um ponto (3), pressionando a taxa de lucro para baixo, provocando redução de investimentos e potencial crise política, como ocorreu no governo Dilma.

Como escapar desse dilema? Vivemos em uma economia capitalista, na qual os empresários cortam investimentos caso a taxa e a massa de lucros diminuírem, levando a crises econômicas e políticas. Uma política econômica e social de esquerda não admite a “solução” desse problema via crise e concentração de renda. Essas foram as opções dos governos Temer e Bolsonaro. Medidas compensatórias de incentivos fiscais, como no governo Dilma, não funcionaram. Apenas políticas sociais não são suficientes, apesar de necessárias. E a conjuntura internacional também parece não ser muito favorável, pelo menos em 2023.

Um ponto a destacar é que, em um governo de esquerda, a dinâmica econômica do país não pode ficar à mercê da taxa de lucro, como o mercado privado. Por isso a importância das políticas econômicas e das empresas estatais, que podem se contrapor às tendências do mercado e reverter não só uma crise, como recuperar a própria taxa de lucro. Historicamente, no Brasil, quando o Estado agiu mais fortemente na economia, a taxa de lucro foi maior.

Assim, como Lula tem indicado, será necessário avançar na estrutura econômica, recuperar a indústria, ampliar os investimentos das estatais, expandir muito os investimentos públicos, fazer políticas industriais e tecnológicas focalizadas nas necessidades públicas, acionar o poder das compras governamentais, usar o crédito público etc. Aliás, como muitos países estão fazendo no mundo atual, ainda mais após o contexto da pandemia e das novas dinâmicas geopolíticas. Tudo isso tem o potencial de aumentar a produtividade do capital, permitindo a manutenção ou ampliação da taxa de lucro concomitantemente com melhor distribuição de renda, mesmo sem muita capacidade ociosa disponível. Desse modo, os investimentos privados também podem ser ativados, com crescimento do emprego, aumento de produtividade do trabalho, melhorias salariais e maior arrecadação tributária, desafogando e dando sustentabilidade às políticas sociais. Portanto, há alternativas ao dilema do ciclo de Goodwin. Não se elimina a luta de classes, mas permite uma folga para se melhorar a vida do povo e dar sustentação política ao governo.

 

*Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFRGS.

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