Mais uma obra do pior vendedor de livros da Feira
Por JORGE BARCELLOS*
Prefácio do livro de minha autoria a ser lançado em 2026, Porto Alegre: das origens a predação neoliberal (Clube dos Autores, 2026, 2 volumes, 1400 páginas).
Entrego ao público leitor mais uma obra. É importante avisá-lo, entretanto, que sou o pior vendedor de livros da Feira do Livro, como defendi em meu artigo publicado na seção de Opinião do Jornal Zero Hora no ano de 2014. Neste ano, quando lancei Educação e Poder Legislativo (Aedos Editora, 2014), a expectativa era de que a Feira tivesse batido o milhão de visitantes e milhares de livros vendidos. Em 2013, foram 420.384 livros comercializados e 643 sessões de autógrafos. A feira foi um sucesso. Eu não. Ainda quando não haviam saído os recordistas de vendas daquele ano, eu caçoava no artigo de que era o recordista em “não vendas”: vendi um único exemplar de minha recém-publicada tese de doutorado. O presidente do legislativo, Professor Garcia, a quem sou imensamente grato, foi o único vereador que compareceu à sessão de autógrafos. Poderia ter pedido cortesia, mas preferiu pagar. Votei nele na eleição seguinte. Ele se preocupa com a responsabilidade da Câmara com a educação. Não é à toa: antes de ser presidente do legislativo, ele é professor.
Não fico triste: milhares de autores escrevem e sequer conseguem publicar. Publicar já é um feito face à indústria em que se transformou o meio. Se não tem apelo, se não tem uma grande editora, uma grande capa e o apoio da mídia, você não vende. O meio é fechado porque visa ao lucro. Espaços alternativos são raros. Autores iniciantes têm pouca chance. As leis do meio são cruéis. Publicar, pela primeira vez, uma odisseia. Publicar um livro técnico no universo dominado pelos best-sellers, uma temeridade.
Publicar um livro já foi uma arte, mas hoje cede à lógica da mercadoria na sociedade de massas. Pior é a autopublicação, um buraco negro, porque a obra pode ou não vender. É o meu caso. Claro que a agenda dos vereadores era cheia, afinal são apenas 36 vereadores para uma cidade de 1 milhão e meio de habitantes com demandas imensas. Eu apenas lamentei sua ausência, são os principais interessados.
Mas a questão é outra. O caso serve para refletir sobre as nossas práticas. Dizemos a todo instante que nos preocupamos com a educação e a cultura. Dizemos que as instituições públicas devem ser chamadas à responsabilidade. Na primeira oportunidade que uma instituição e a sociedade têm para refletir sobre o papel de seu legislativo, ela se ausenta. Por quê? Porque, na verdade, vivemos correndo e escondemos o fato de que não temos tempo para ler. Preferimos os livros pequenos, de letras enormes e imagens grandes. A cultura visual afeta o público leitor; ela transforma o livro numa mercadoria para colocar nas estantes e parecer culto. Se um livro sobre as políticas públicas de educação se produz no parlamento, não interessa, é porque vamos à Feira do Livro não para comprar os livros que realmente são importantes e que vamos ler, mas porque gostamos apenas do espaço e a sensação de consumir que a Feira provoca. Ser for assim, é uma pena.
Eu não desisti. Agora estou trazendo ao leitor “Porto Alegre: das origens à predação neoliberal” e espero que tenha um destino diferente. A que público se destina? Leitor acadêmico, militante, leitor “cult” de não ficção histórica? Minha melhor definição é o público interessado na cidade, que aprecie a combinação da pesquisa com ensaio histórico. Este texto é, na melhor das definições, uma bricolagem. Segundo o antropólogo Claude Lévi-Strauss, bricolagem é um conceito originário do francês que significa “trabalho feito com as mãos, com o que está disponível”. Sei que vai ser outra obra de difícil venda: tem 1.400 páginas em dois volumes, e como não tenho editor, é mais uma obra de autopublicação. Agradeço ao Clube dos Autores a possibilidade.
É assim aqui. Trabalhei por mais de 30 anos na Câmara Municipal de Porto Alegre e tive a oportunidade de exercer minhas funções em seu Memorial, o que me deu o privilégio de fazer palestras, mostras e exposições. Escrevi para revistas, jornais e plataformas de internet dezenas de ensaios, além de textos para exposições e dezenas de crônicas que, se tiveram o mérito de atender situações de minha agenda de trabalho em meus projetos educativos, nunca haviam sido reunidas em uma obra de sentido sobre Porto Alegre. Não que não tenha escrito livros: dos 26 que escrevi, todos são autopublicação. É que eu também sou vítima desses processos de predação neoliberal que critico: se como afirmei, somente os autores de mercado – porque vendem – merecem ter suas obras publicadas, eu sou um sobrevivente da predação. Sou servidor público aposentado, escritor independente: fazer desaparecer minhas críticas a esse sistema é a forma dele me predar. Meu trabalho intelectual ao longo desses anos, portanto, deveria estar legado ao desaparecimento, exceto porque não desisto. Agora fiz exatamente o que prega a bricolagem, reuni o que tinha disponível, exatamente como o antropólogo define o método da bricolagem em seu O Pensamento Selvagem (1962). Daí as 1.400 páginas. Claro que nenhum editor se interessaria: é grande demais, um risco para o mercado acostumado a obras de 160 páginas.
Eu sou o bricoleur descrito pelo antropólogo, improvisando minhas soluções utilizando os materiais, ideias e textos que produzi no passado e que tenho à mão, reaproveitando o que escrevi nas exposições que criei, nas palestras que ministrei, nos artigos e ensaios que publiquei. Faço isso de forma criativa, ao contrário do engenheiro, que parte de planos e materiais específicos. Eu sou o bricoleur que age de modo inventivo e adaptativo, recombinando textos e análises que inicialmente não foram pensados para um livro sobre a história da cidade, mas que agora o são justamente para dar a eles um novo significado. Como define Jacques Derrida em seu ensaio A Estrutura, o Signo e o Jogo no Discurso das Ciências Humanas, incluída em seu A Escritura e a Diferença (Perspectiva, 1973), minha bricolagem segue a definição do autor da teoria da desconstrução: é uma obra construída pela colagem de ideias e fragmentos de origens diferentes, não existe uma estrutura fixa pré-concebida na sua organização, ela é produto do jogo de textos diversamente produzidos que querem responder à questão que coloco: quais os sentidos da evolução da cidade de Porto Alegre? Aqui defendo a tese de que a cidade foi da sua construção à predação, da sua invenção à destruição.
Talvez eu devesse apenas optar pelo termo “costura”. A palavra costura vem do latim consutura, derivado de consuere (“costurar junto”), formado por con- (“junto”) e suere (“costurar”), o que significa na origem a ideia de unir partes dispersas por meio de um fio. O termo está ligado também a sutura (do latim sutura), que designa tanto a junção de tecidos no corpo quanto a encadernação de folhas, o que reforça o campo semântico de ligação, remendo e montagem. É o que faço aqui: eu junto pedaços do que escrevi como o aluno de mestrado que fui e que recortava seu caderno com os textos que anotou em sua pesquisa de campo, remontando-o, remendando, montando algo novo como fiz com minha dissertação de mestrado em educação naquela sala da Biblioteca da Câmara Municipal no distante ano de 1990. Lembro da cena: eu, com dezenas de pedações impressos de minha dissertação, recolocando-os em novas posições por pedido de minha orientadora “refaça tudo”, ela disse. Por isso o leitor irá reclamar do fato de que, nem sempre, minhas referências obedecem ao sistema autor-data, ou sequer transformam certas informações em notas de rodapé. A razão é que aqui há diversas procedências, há textos feitos para jornais, exposições onde isso não é necessário e mesmo não é incentivado. Eu espero que o leitor entenda como as liberdades que assumi – com os ricos inevitáveis – são produtos do estilo ensaístico que adotei.
Eu costuro o que escrevi usando como o fio o que disponho: o da história de uma cidade a que assiste a sua predação. Por isso ambos termos são passíveis de descrever o que o leitor tem em mão, e provavelmente, justificam o fato de que, em uma ou outra passagem, parecerá ao leitor encontrar um fragmento repetido sob outra forma. Prefiro manter meus erros a submeter meu texto a revisão absoluta da Inteligência Artificial. Não que não a tenha usado para a revisão gramatical ou obtenção de uma outra informação que vi ausente ao escrever a versão final desta obra, como fiz com alguns detalhes da seção de museus da capital.
Eu persigo um argumento: a cidade foi construída no passado para ser destruída no presente recente. Para isso uso de múltiplas perspectivas teóricas (histórica, artística, do planejamento urbano, social), misturo registros factuais e cronológicos com experiência de narrador pessoal dos fatos que observo. É uma montagem do que escrevi sobre a cidade, não é um manual sobre história da cidade; acredito na legitimidade de colar textos em escalas diversas porque não sou um engenheiro que projeto tudo de cima para baixo, mas um pesquisador que aprendeu a ser um artesão da escrita. Por isso minha memória nesse processo importa.
Descobri nesse caminho que as características da identidade urbana de uma cidade envolvem uma combinação de elementos físicos, históricos, culturais e simbólicos que conferem a singularidade ao espaço urbano responsável pela sensação de pertencimento: por que em Porto Alegre nos sentimos… em casa? Porque criamos aqui um campo simbólico essencial, já que aqui vivemos o conjunto de nossos afetos, memórias, vivências e significados que as pessoas construíram entre si em um lugar: a nossa cidade só existe pela participação de seus cidadãos em uma cultura e história. Ela se manifesta no cotidiano, na interação social e no senso de pertencimento a um lugar construídos ao longo da história da cidade. Ele é evidenciado pela experiência de compartilhar uma história comum, vivenciar experiências no espaço de trabalho ou lazer, possuir uma sensação proveniente da arquitetura que forma a imagem simbólica e a experiência que temos do espaço de Porto Alegre.
Mas o contrário também é importante: porque, nos tempos atuais, nos sentimos cada vez mais distantes dessa sensação? A destruição de um campo simbólico também afeta afetos, sentimentos e memórias, que são produzidos porque os cidadãos são excluídos de participar de uma cultura, de uma história. Aqui o agente que promove essa exclusão tem nome: neoliberalismo. Ele é verificado pela necessidade do capital em impor sobre todos uma única experiência comum, de propor o consumo como única experiência que o cidadão pode experimentar na cidade de Porto Alegre. Essa perda de sentido de pertencimento à cidade eu coloco na conta das políticas neoliberais e em seus governantes.
Por isso este livro traz ao leitor inúmeras informações e elementos para questionar sua visão de cidade. Mas ele o faz a partir da perspectiva dos espaços por onde passou seu autor. O leitor verá que muitas pessoas estão aqui envolvidas ou apontadas: são os escritos de um servidor público interessado em tratar os grandes temas da cidade em suas exposições; o cidadão de esquerda atento ao crescimento das políticas neoliberais em nossa cidade; o aposentado envolto com seus próprios problemas em Porto Alegre. Eu acredito que nós, porto-alegrenses, ainda somos capazes de elaborar nossa identidade em relação à nossa cidade, recusar ou aderir ao capitalismo, que, com seu processo de predação, já terminou por corroer as estruturas de identidade de seu cidadão ao seu lugar. Para isso revisitamos a história da cidade e suas manifestações na arquitetura, em narrativas literárias e fotográficas, consideradas aqui elementos fundamentais para a construção da identidade. Ela pode estar sempre em processo de mudança, mas o que fica ao final do cidadão comum que o faz se identificar com este lugar?
Revisitamos também os espaços públicos que nos permitem ter experiências compartilhadas: o Mercado Público, o Parque Farroupilha, os espaços e organizações do futebol de várzea, os movimentos sociais associados a um lugar, como o Morro Santana. Vemos como movimentos sociais foram essenciais para a construção da identidade do porto-alegrense, através da história do movimento negro, o movimento ecologista e do movimento em torno do Orçamento Participativo. Esses são os que eu vi, mas há outros.
Aqui, o objetivo é sempre verificar os modos de relacionamento do indivíduo com um lugar. Por isso é fundamental o modo como eles se relacionam com os espaços que percorrem. A cidade é o lugar de uma viagem, e o seu imaginário possui inúmeros percursos. Desvendamos um desses percursos, no centro da cidade, estabelecemos suas referências e símbolos. Vemos a presença não apenas da agricultura, mas da estrutura de serviços urbanos que foi construída ao seu redor.
Finalmente, nossa identidade é também definida pelos rumos econômicos que se assentam em nossa cidade; no passado, a cidade comercial e prestadora de serviços localizada em um porto; no presente, a cidade produto da devoração neoliberal. Se a cidade está perdendo seus lugares de encontro, de diálogo e trocas, ela está perdendo sua identidade; se a cidade está perdendo o seu ambiente histórico coletivo e servindo para interesses privados, ela está em desarmonia e, portanto, perdendo mais uma vez sua identidade, que deve ser diversa e polifônica. Se os elementos do patrimônio histórico, como prédios e edifícios emblemáticos, desaparecem, os lugares de memória (Pierre Nora) também desaparecem e, com eles, os vínculos identitários na cidade, agora moldada pela construção civil, se tornando o inferno do igual. Pois mais importante do que a aparência de uma cidade igual às outras são os contrastes que fazem uma cidade ser o que é, dão-lhe seu “ethos”.
O urbanismo moderno tende a corroer os modos de vida tradicionais, delineando espaços e ritmos de tempo para o lazer, moradia e trabalho. Se não construirmos narrativas e representações culturais de nós mesmos hoje, como eram no passado, novos traços simbólicos se apropriam da cidade. Uma cidade pode morrer, como diz Jane Jacobs em seu livro “Morte e Vida de Grandes Cidades”: pela monotonia de sua paisagem e de seu uso, que impedem a vida urbana, pela corrosão dos bairros históricos e pelo fim das antigas relações de vizinhança, que minam o sentimento de pertencimento; basta ver os processos de expulsão de nossas vilas e favelas. Mesmo quando o progresso avança, com sua civilização do automóvel, que retoma espaços públicos para o uso de carros, a falta de vitalidade nas ruas corrói a identidade da cidade. É preciso renovar a cidade, mas antes é preciso dar um sentido a essa renovação: a fomentação de condomínios individuais, a desagregação da vida em apartamentos, só cria espaços desumanizados e sem personalidade. Nos termos de Marshal Bergman, o paradoxo da modernização de Porto Alegre é que ela destrói justamente o lugar e ambiente onde as experiências podem florescer.
Assim, o grande desafio é a manutenção do velho frente à emergência do novo. O pequeno comércio importa tanto quanto as grandes redes de supermercados e os shoppings centers, a cultura do mercado público com a preservação de seus velhos usuários. A cidade morre quando perde sua diversidade, quando se torna uma cidade igual às outras. Por que este livro é importante? Porque ele afirma que é preciso preservar a alma do porto-alegrense na cidade justamente porque é ela que está em disputa pelo capitalismo no século XXI. Podemos preservar a identidade da cidade quando o capitalismo, por todo o lugar, se transforma numa máquina excludente que faz a cidade se transformar numa fábrica de lucros? Não nos enganemos: as formas de desregulamentação urbana, ambiental e econômica são sempre formas que corroem a identidade para criar um mercado sem rosto e sem comunidade. Se a cidadania é marcada pela criação da identidade, o mercado é pela criação do consumidor. Olhamos para o passado não porque somos nostálgicos, mas porque queremos resgatar o princípio de dignidade humana em nossa capital.
Para dará conta desta tarefa, a obra é organizada em dois volumes. O leitor irá reclamar da extensão, é verdade. Eu poderia ter feito de cada grande capítulo outro livro, mas preferi manter o binômio construção/predação. A organização é simples: o primeiro volume trata da construção da cidade; o segundo volume, da sua predação. O primeiro volume tem como base as pesquisas para exposições que fiz; o segundo volume tem como base os ensaios que escrevi para plataformas em geral. O primeiro volume trata de uma cidade liberal como a da formulação clássica de John Locke, que se organiza para garantir os direitos naturais dos indivíduos como vida, liberdade e propriedade através das leis e por essa razão, a organização (mas também desorganização) política tem uma importância. Nela, o indivíduo possui direitos anteriores ao Estado.
É o contrário da sociedade ultraneoliberal capitalista predatório em que está se transformando a capital, nos termos de David Harvey em Para entender o capital (Boitempo, 2016), Wendy Brown em Nas ruinas do neoliberalismo (Editora Politéia, 2021) Pierre Dardot & Christian Laval, A Nova Razão do Mundo (Editora Boitempo, 2016). O que eu vejo é a lógica do mercado e da valorização do capital colonizar todas as esferas da vida dos cidadãos de Porto Alegre, desregulando direitos, privatizando bens comuns e transformando pessoas, territórios e instituições em recursos a serem explorados, ainda que isso destrua as condições de reprodução social e ecológica. Não é exatamente o que vemos com os governos de Eduardo Leite e de Sebastião Melo, a reconfiguração de um Estado pró‑mercado, garantidor de lucros, com flexibilização regulatória e criação de dispositivos de endividamento e controle mesmo às custas da cidadania e da democracia? Não é o que David Harvey, afirma em seu O Neoliberalismo: história e implicações (Loyola, 2008), que o projeto da classe dominante reorganiza o Estado e a cidade para restaurar e ampliar o poder das elites econômicas, via privatizações, desregulação, financeirização e “acumulação por despossessão”?
O que diferencia a “Cidade Construída”, tema do primeiro volume, do da “Cidade Predada”, tema do segundo volume? No primeiro volume, o fato de que ainda que seja uma cidade voltada para o mercado – e não é à toa que o próprio Mercado Público seja sua melhor imagem, ainda aqui – o poder serve para garantir direitos, pluralismo e certo espaço público na luta contra o arbítrio. É o contrário da sociedade ultra neoliberal descrita no segundo volume, que radicaliza o elemento mercantil presente no primeiro e esvazia os seus freios: por essa razão, vemos um processo galopante de esvaziamento do papel que o Plano Diretor tinha na cidade, no uso dado a equipamentos públicos como Usina do Gasômetro. Aqui, tudo é tratado como ativo privatizável ou oportunidades de negócios.
A contradição aparece porque, ao invés de realizar o objetivo da sociedade liberal, a da liberdade para todos, produz novas formas de expropriação e dominação: é a liberdade de poucos, exatamente como vemos assumir, no segundo volume, grandes empresas do capital imobiliário, da telefonia, do capital, sobre a cidade.
O primeiro volume é composto por quatro capítulos principais. O primeiro é intitulado “A Construção da Cidade”, onde repasso os pressupostos da criação e desenvolvimento de Porto Alegre a partir do século XVIII. Ele é composto por quatro seções: a primeira, que trata do contexto liberal de sua construção; o segundo do papel do planejamento urbano na organização de seu crescimento; o terceiro do papel da infraestrutura urbano (ruas, avenidas, serviços etc.) e o quarto a estética urbana propriamente dita.
O segundo capítulo é intitulado “A Construção Social”, onde repasso fundamentos da sociedade porto-alegrense. Ele é composto por quatro seções. A primeira trata da construção da sociedade, estabelecendo as diferentes classes sociais e seu lugar na lógica social; o segundo trata da construção da representação política, destacando o papel dos vereadores, intendentes e prefeitos; o terceiro trata da construção da memória e o quarto, a trata da sistematização do sistema ade museus na capital e o quarto, a construção da educação e cultura descreve instituições escolares e culturais da capital.
O terceiro capítulo trata dos efeitos desta construção. Em “Efeitos da construção”, o principal argumento é defender que, ao contrário da cidade da segunda metade do século XX, a cidade do século XIX é uma cidade para as pessoas, diferente da posterior, uma cidade para o capital. A ele segue-se o quarto e último capítulo deste volume, dedicado a recuperar a lição da construção da cidade para os tempos atuais.
Enquanto o primeiro volume abrange o período que vai da fundação da cidade à aproximadamente os anos 1980, o segundo volume estende-se dessa data até o presente. Por um lado, essa periodização tem relação com a inauguração de uma nova etapa no processo de metropolização, que inicia nos anos 1950. Por outro, enfatiza que a diferença está no fato de que, a partir dos anos 2.000, eu observo que a cidade e a sociedade ficam sob a mira do ataque neoliberal, um modo de ser que explora a cidade sem limites. Agora, o segundo volume é organizado em quatro capítulos principais que fazem um espelho ou mundo invertido do primeiro volume. São os seguintes os seus capítulos.
O primeiro capítulo é intitulado “A Predação da Cidade’. Ele descreve a destruição dos fundamentos que foram a base da construção da capital pela implementação das medidas neoliberais. Ele é composto por quatro seções. A primeira define a predação da cidade neoliberal como um modo de apropriação dos recursos da cidade; o segundo mostra a predação do planejamento urbano, a corrosão dos sistema de proteção urbanística da cidade para atender ao interesse das grandes incorporadoras; o terceiro trata da predação da infraestrutura urbana, a deterioração de bens, equipamentos e serviços de manutenção da cidade; e o quarto, a predação da estética urbana, fim de uma cidade voltada para o detalhe e início de uma cidade voltada para o consumo de si mesma.
O segundo capítulo é intitulado “A Predação da Sociedade”. Aqui, também as diversas faces do social enumerados no primeiro volume são objeto de corrosão e desmonte. A primeira seção trata da predação da sociedade, onde deixamos de ser uma sociedade que se vê como um todo, mas nos tornamos átomos e indivíduos egoístas; a segunda é a predação da política, que é a sua tomada por forças políticas neoliberais e pró-mercado; a terceira é a predação da memória, que analisa como o diverso e tradicional é substituído pelo império do igual das políticas neoliberais, especialmente no campo do patrimônio histórico e a quarta seção é dedicada à predação da educação e cultura, onde se mostra como também as políticas neoliberais destroem esta base da sociedade.
O capítulo terceiro é intitulado “Efeitos da Predação “ e descreve os novos problemas urbanos que são produzidos pelas políticas neoliberais e pelo modelo de desenvolvimento globalizado em Porto Alegre. Seja no modo de vida dos grandes condomínios ou de novos lugares de consumo, como shoppings centers, é sempre da redução do cidadão à consumidor que se trata.
O capítulo quarto é intitulado “Como ser antipredatório”, onde reúno as bases do que considero essencial para fazer frente as políticas neoliberais em nossa capital. O capítulo ironiza com o formato da autoajuda típica dos autores neoliberais e assume esta forma simplesmente porque planos de ação programáticos de enfrentamento político não são mais entendidos pelas massas. É preciso uma linguagem menos militante e mais próximo do cotidiano, ainda que nós mesmos não acreditemos nessa linguagem de mercado.
Ele é organizado em três seções. A primeira propõe valorizar o papel das pessoas contra a predação: para construir uma cidade melhor precisamos desejar sermos pessoas melhores; a segunda propõe retornar ao ideal de comunidade, procurando nos pequenos grupos e associações um modelo de organização social capaz de enfrentar o capital; o terceiro, estabelece regras para ser antipredatório. Elas são também um modo particular de se relacionar com o entorno, que não pode deixar de colocar o humano no lugar da mercadoria. O estudo conclui com uma valorização do papel da nostalgia como sentimento básico para uma ação de preservação e recuperação da cidade.
Se conseguirmos mostrar que a cidade do passado era uma cidade mais humanizada que a atual, teremos atingido nosso objetivo.
*Jorge Barcellos é graduado em História (IFCH/UFRGS) com Mestrado e Doutorado em Educação (PPGEDU/UFRGS). Entre 1997 e 2022 desenvolveu o projeto Educação para Cidadania da Câmara Municipal. É autor de 21 livros disponibilizados gratuitamente em seu site jorgebarcellos.pro.br. Servidor público aposentado, presta serviços de consultoria editorial e ação educativa para escolas e instituições. É casado com a socióloga Denise Barcellos e tem um filho, o advogado Eduardo Machado. http://lattes.cnpq.br/5729306431041524
Foto de capa: Katia Marko




