A Cidade Que Não Se Dobra: Como Porto Alegre Reagiu à Escalada Autoritária

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A cidade que não se dobra - Imagem gerada por IA ChatGPT

Movimentos sociais, juristas e parlamentares formam rede de defesa democrática

Artigo 6/7 da série Porto Alegre sob cerco

Da REDAÇÃO

Da rua ao plenário: como a sociedade civil enfrentou a escalada autoritária na Câmara

Se 2025 ficou marcado como o ano em que a Câmara Municipal de Porto Alegre atravessou sua fase mais tensa e autoritária desde a redemocratização, também foi o ano em que a cidade — plural, politizada, historicamente mobilizada — mostrou que não aceita a degradação de suas instituições sem reagir. A escalada de controle, repressão e disciplinamento imposta pela presidência da Casa gerou uma resposta ampla, diversa e contínua, que uniu parlamentares de oposição, movimentos sociais, entidades de direitos humanos, sindicatos, organizações religiosas e instituições públicas de defesa jurídica. Esta é a história dessa resistência.

O ponto de deflagração foi o episódio de 15 de outubro, quando gás lacrimogêneo, spray de pimenta, cassetetes e balas de borracha foram usados pela Guarda Municipal dentro da Câmara, atingindo vereadores, servidores e manifestantes. A violência — inédita na história da Casa — provocou repúdio imediato. Em poucas horas, pronunciamentos de solidariedade e indignação se multiplicaram. O senador Paulo Paim condenou publicamente o ataque, afirmando que a democracia estava sendo ferida em sua célula mais básica: a convivência institucional. A CUT-RS, o CPERS, diversos coletivos de direitos humanos e movimentos comunitários realizaram atos e notas denunciando o abuso.

As reações, porém, não se limitaram ao episódio da violência física. A sociedade civil percebeu rapidamente que os episódios estavam ligados a um padrão: Manobras regimentais para silenciar oposicionistas, tentativas de cassação de vereadores por motivos frágeis, fechamento de galerias ao público, restrições ao uso de espaços da Casa e propostas legislativas que miravam catadores, trabalhadores informais e pessoas em situação de rua passaram a ser entendidos como partes de um mesmo projeto político. Diante disso, formou-se uma rede de resistência.

Os vereadores de oposição passaram a atuar de forma mais coordenada, apresentando defesas conjuntas na Comissão de Ética, denunciando publicamente a perseguição institucional e mobilizando suas bases sociais. Em diversos momentos, parlamentares foram amparados por advogados voluntários, defensores públicos e especialistas em direito constitucional, que reforçavam a tese de desvio de finalidade no uso de instrumentos administrativos para constranger a dissidência.

Do lado de fora da Câmara, os movimentos sociais organizaram vigílias, atos culturais e protestos silenciosos. Em alguns dias, mesmo com as galerias fechadas, dezenas de pessoas permaneceram na calçada, segurando faixas que diziam “A Câmara é do povo” e “Democracia não se cala”. Organizações ligadas à assistência social redobraram sua atuação, denunciando o impacto dos projetos de higienização urbana e do PL que restringe a distribuição de alimentos. A Pastoral do Povo de Rua, por exemplo, transformou seus boletins semanais em documentos políticos, explicando como medidas administrativas afetam diretamente a vida de pessoas em situação de rua.

Outra frente de resistência foi liderada por juristas. A OAB/RS e a Defensoria Pública emitiram pareceres e manifestações criticando a criminalização da solidariedade, a intimidação parlamentar e a violação de prerrogativas. A judicialização das medidas passou a ser discutida em seminários, mesas-redondas e eventos acadêmicos, que analisaram o impacto constitucional das iniciativas da Câmara. A Universidade se somou ao debate, com pesquisadores da UFRGS, PUCRS e Unisinos publicando notas técnicas sobre militarização da política urbana e violência institucional.

A articulação entre sociedade civil e academia criou uma contranarrativa poderosa. Se a presidência da Câmara buscava justificar suas ações sob a retórica da ordem, da segurança e do “cumprimento de normas”, a resistência mostrou que segurança não se constrói com silenciamento, que ordem não se impõe com força e que democracia não admite intimidação. Essa disputa simbólica teve efeito real: ampliou a vigilância pública sobre a Casa e colocou limites à escalada repressiva.

O impacto dessa mobilização se refletiu não apenas na arena institucional, mas também no campo político mais amplo. A partir de então, Porto Alegre passou a discutir com mais intensidade o papel das instituições e o risco do autoritarismo difuso — aquele que não se apresenta como ruptura formal, mas como erosão gradual. A imprensa local ampliou a cobertura crítica. Organizações de bairro e coletivos estudantis se engajaram na defesa do direito à cidade e do direito ao protesto. A narrativa da resistência se expandiu para além da Câmara, alcançando praças, universidades, sindicatos e espaços comunitários.

A oposição interna, fortalecida pela reação social, passou a questionar com maior contundência os limites institucionais da presidência da Câmara. Protocolos de transparência foram reivindicados, pedidos de informações foram intensificados e iniciativas de participação popular ganharam novo fôlego. Mais importante: o custo político de novas medidas repressivas aumentou. Cada ação passou a ser observada sob lente pública ampliada, com vigilância constante da imprensa, de juristas e de movimentos sociais.

O encerramento desta série não representa o fim de sua matéria-prima. A disputa pela democracia local permanece em aberto. O autoritarismo não desaparece ao ser denunciado; ele se retrai, se reorganiza e busca novas formas de se expressar. A resistência também. O que Porto Alegre mostrou em 2025 é que, mesmo diante de ataques graves às normas democráticas, a cidade não se dobra. Ela reage. Ela se organiza. Ela se reconhece como protagonista de sua própria defesa.

Se a Câmara vive sob cerco, Porto Alegre vive sob vigília. E é essa vigília — feita de mobilização, denúncia, solidariedade e firmeza política — que impede que o cerco se torne claustro permanente. A democracia não se mantém apenas por instituições; ela se mantém porque a sociedade se recusa a abandoná-la.

A série se encerra aqui, mas a RED seguirá acompanhando, denunciando e documentando cada passo da cidade na defesa de sua vida democrática.



Leia também os artigos anteriores da série:

Escalada autoritária na Câmara de Porto Alegre: RED denuncia ataques à democracia local

Repressão dentro da Câmara: violência policial marca ruptura democrática em Porto Alegre

Comissão de Ética sob pressão: como a Câmara tenta calar a oposição em Porto Alegre

A cidade que expulsa seus trabalhadores: catadores viram alvo da higienização urbana em Porto Alegre

A cidade que pune quem ajuda: o polêmico projeto que criminaliza a solidariedade em Porto Alegre

Quando a política vira quartel: a militarização da Câmara de Porto Alegre


Ilustração da capa: A cidade que não se dobra – Imagem gerada por IA ChatGPT

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