STF: Defesa da Democracia e Dilemas Éticos

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STF: Defesa da Democracia e Dilemas Éticos - Imagem gerada por IA ChatGPT

Por BENEDITO TADEU CÉSAR*

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem ocupado papel central no tabuleiro político-social brasileiro. Em meio às crises institucionais, a Corte se consolidou como guardiã da Constituição, com protagonismo evidente no julgamento e condenação dos envolvidos nas tentativas de golpe de Estado lideradas por Jair Bolsonaro e seus seguidores mais fiéis. A mesma Corte, nos últimos anos, vem suprindo lacunas deixadas pelo Congresso Nacional em temas sensíveis, especialmente nas áreas dos direitos humanos e civis, decidindo questões que o Legislativo preferiu ignorar. Não por outro motivo, passou a ser acusada por setores conservadores e parte da imprensa de ultrapassar seus limites institucionais, invadindo a esfera legislativa.

Ainda que essas decisões tenham sido rotuladas como “intromissão indevida”, não restam dúvidas de que trouxeram avanços importantes para a sociedade. A interpretação constitucional é parte do dever do STF, e regulamentar dispositivos legais quando o Congresso se omite é uma consequência da própria arquitetura institucional do país. O problema é que esses avanços passaram a incomodar profundamente a maioria conservadora que domina a atual legislatura. E, como toda reação de quem se vê acuado, a resposta veio com força.

Silêncios do passado, protagonismo do presente

Ao mesmo tempo, porém, é preciso reconhecer que o STF nem sempre esteve resolutamente do lado da democracia. No julgamento do Mensalão, a Corte fez acrobacias jurídicas para aplicar a Teoria do Domínio do Fato de forma questionável, condenando figuras públicas sem provas concretas.

Durante a Operação Lava Jato, a postura do Supremo foi, no mínimo, leniente, endossando decisões temerárias do juiz Sérgio Moro. O tribunal chancelou a interceptação ilegal de conversa da então presidenta Dilma Rousseff, divulgada amplamente em programa de televisão nacional, assistiu passivamente à sua destituição, permitiu a prisão do ex-presidente Lula antes do trânsito em julgado de sua sentença e, para completar, proibiu que ele concedesse entrevistas e comparecesse aos funerais do neto e do irmão. O auge dessa conivência foi a proibição de sua candidatura à Presidência em 2018, contrariando determinação do Comitê de Direitos Humanos da ONU — determinação que o Brasil deveria cumprir por ser signatário do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

Mas os tempos mudaram após o vazamento para a imprensa das mensagens que comprovaram a perseguição de Lula pela Lava Jato, a eleição de Bolsonaro e seu ataque às instituições fundamentais da República, principalmente ao Tribunal Superior Eleitoral. A atual postura do STF, de defesa firme e eficaz da democracia, pode até soar como uma mea culpa pelos erros do passado — e, se for, é uma mea culpa bem-vinda. Ao agir com vigor contra os golpistas do 8 de janeiro de 2023 e assumir a vanguarda em temas de interesse público, a Corte tem aplicado com rigor os princípios da Constituição de 1988. É justamente por isso que passou a incomodar não apenas a extrema-direita, mas também uma parcela significativa do Congresso Nacional.

Reações legislativas em defesa própria

O incômodo ganhou intensidade quando o STF passou a autorizar investigações sobre o uso irregular de emendas parlamentares. O tal “orçamento secreto”, as emendas pix e as de bancadas transformaram-se em ralos de dinheiro público, distribuídos sem transparência e com interesses eleitoreiros. O receio de que investigações mais profundas atinjam um número considerável de congressistas desencadeou uma reação institucional que beira o desespero.

A PEC da Blindagem, que submete a abertura de investigações contra parlamentares à autorização da casa legislativa, foi apenas o primeiro passo. Vieram em seguida o Projeto da Dosimetria, que limita o poder do Judiciário de aplicar penas e abrevia a prisão de Bolsonaro e dos golpistas que o acompanharam, e a adulteração da PEC Antifacção proposta pelo governo federal, incluindo emendas que dificultam investigações contra políticos e reduzem as possibilidades de ação da Polícia Federal. Paralelamente, a Câmara decidiu poupar colegas já condenados pela Justiça, rejeitando sucessivas determinações jurídicas de cassação. Tudo isso em meio a uma onda de ataques à Corte Suprema e à tentativa de limitar suas decisões, tanto as monocráticas quanto as coletivas. A aprovação, pelo Senado, da Lei do Marco Temporal — já julgada inconstitucional pelo STF — se soma a essa sequência de retaliações institucionais, em clara afronta à autoridade da Suprema Corte.

Ética e imagem: o desafio da Suprema Corte

No centro dessa tempestade institucional, o STF vinha se sustentando de forma exemplar. Mas então vieram as revelações sobre a vida paralela de alguns de seus ministros. Alexandre de Moraes teve o nome associado à contratação de sua esposa pelo Banco Master, atualmente investigado. Dias Toffoli viajou de jato privado ao lado de um advogado ligado a investigado em caso sob sua relatoria, e, não bastasse, colocou o processo sob sigilo ao retornar. Gilmar Mendes participou de eventos internacionais pagos por empresas com processos no STF. E não é de hoje: há anos são conhecidas as ligações de familiares de ministros com escritórios de advocacia que atuam perante a Corte. Tudo legal. Mas tão ético quanto sentar-se em cima do processo que envolve o patrocinador do seu voo.

Em meio às críticas, surgiu uma luz: o ministro Edson Fachin propôs a criação de um Código de Conduta para ministros do STF e tribunais superiores, inspirado no modelo alemão. A proposta prevê transparência sobre pagamentos e eventos, quarentena para ministros aposentados e regras claras de comportamento. Em outras palavras, algo que deveria existir desde sempre. Afinal, como reza o velho ditado, não basta à mulher de César ser honesta. Ela precisa parecer honesta. Isso vale para todos os poderes da República. Mas, principalmente, para sua Suprema Corte de Justiça.

A supremacia constitucional depende não apenas da ação firme contra ameaças antidemocráticas, mas também da integridade de quem a encarna. Um STF que elimina qualquer suspeita de privilégio reforça a própria democracia que defende.

*Benedito Tadeu César é cientista político e professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em democracia, poder e soberania, integra a Coordenação do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e é diretor da RED.


Ilustração da capa: STF: Defesa da Democracia e Dilemas Éticos – Imagem gerada por IA ChatGPT.

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