Por BENEDITO TADEU CÉSAR*
Prenúncio de Apocalipse: o Congresso em pânico diante da PF e do STF
A operação da Polícia Federal autorizada pelo ministro Flávio Dino acendeu o alerta máximo no Congresso. A apreensão do laptop e do celular de Mariângela Fialek, ex-assessora de Arthur Lira e peça central na engrenagem das emendas parlamentares, deflagrou uma corrida de líderes políticos a Brasília. O fim de semana promete ser de portas fechadas, conspirações e pânico.
A ofensiva policial e judicial atinge o coração do sistema de poder que sustentou a governabilidade recente: a troca de apoio político por recursos orçamentários. A apreensão de material da antiga operadora das planilhas de Lira não é apenas um episódio isolado. É o sintoma de uma decomposição institucional mais profunda. Há indícios de que as chamadas emendas de comissão — sucedâneas do “orçamento secreto” — seguiram o mesmo caminho tortuoso das verbas que serviram de moeda política nos últimos anos.
A operação, batizada de Transparência, cumpre mandados de busca e apreensão e apura desvio de recursos públicos e falsidade ideológica. A investigação foi conduzida sob sigilo, mas já se sabe que se baseia em depoimentos de parlamentares e técnicos que apontam para um esquema estruturado e transversal, que vai além da direita, estendendo-se por ao menos 17 estados,
A reação foi imediata. Chefes de partidos se reúnem às pressas, num movimento de autodefesa. A palavra de ordem é “limitar os poderes do Supremo”. Fala-se, novamente, em projetos para reduzir a força das decisões monocráticas, alterar o tempo de mandato dos ministros, submetê-los a sabatinas periódicas e até em mecanismos de destituição. O argumento — a suposta defesa das prerrogativas do Legislativo — encobre um instinto de sobrevivência. A pauta emergencial não é institucional, é de autoproteção.
Esse movimento não começou agora. O confronto entre os Poderes, visível nos últimos meses e agravado nos últimos dias, tem raízes diretas nessa investigação e em outras que expõem a promiscuidade entre o dinheiro público e o poder político. O Congresso, ao resistir a cumprir decisões do Supremo e tentar criar um clima de confronto, busca construir, junto a parte da opinião pública, a narrativa de que o STF estaria “extrapolando suas atribuições”. Trata-se de uma estratégia calculada: transformar uma investigação de corrupção em uma disputa de poder entre instituições.
A tentativa de aprovar a chamada PEC da Blindagem — ou, como vem sendo nomeada nas ruas, PEC da Bandidagem — integra o mesmo esforço de autoproteção. Seu objetivo é criar barreiras legais para impedir que parlamentares sejam investigados, processados ou punidos por crimes comuns. É o velho reflexo de um sistema político acuado que, diante da iminência da responsabilização, busca refúgio no próprio cargo e tenta revestir o privilégio com o manto da “defesa da democracia”.
O confronto entre os Poderes ultrapassa os discursos e gestos de plenário. Ele se manifesta na sabotagem das pautas do governo federal. A Câmara adulterou a PEC Antifacção, reduzindo o poder de investigação da Polícia Federal, cortando recursos e subordinando suas ações à autorização dos governadores — um ataque direto à autonomia da instituição. A proposta, agora em análise no Senado, serve para enfraquecer a PF e comprometer o combate ao crime organizado e à corrupção. Além disso, a votação pela não cassação de Carla Zambelli e a aprovação do Projeto da Dosimetria evidenciam a tentativa do Congresso de se blindar contra responsabilizações e de confrontar diretamente o STF e o Executivo, consolidando uma estratégia de resistência à fiscalização e às reformas necessárias.
Enquanto isso, seguem paralisados projetos cruciais para a justiça fiscal e o equilíbrio orçamentário, como a taxação das fintechs, das bets e dos super-ricos, além da não votação do Orçamento Público Federal de 2026. O confronto não é apenas ideológico, como tentam fazer crer. É, antes, o confronto dos corruptos contra o controle público, dos que temem a transparência contra os que ainda acreditam na lei.
As peças, quando alinhadas, compõem um quadro de promiscuidade entre o público e o privado. Emendas parlamentares, contratos bancários, fundos de investimento e influência institucional parecem formar um sistema integrado de captura do Estado. Um Estado loteado, convertido em balcão de negócios — e agora submetido à luz incômoda das investigações.
O pânico no Congresso é o reflexo da resistência de um sistema que se acostumou à impunidade. Quando o poder se organiza para se proteger, e não para servir à sociedade, a democracia adoece. O risco, agora, é a reação corporativa de um Parlamento que se sente acuado transformar-se em nova ofensiva contra o equilíbrio entre os Poderes.
O Brasil vive um momento decisivo. Ou o país enfrenta, com coragem, a teia de interesses que sequestrou o orçamento público — ou continuará refém de um sistema que, ao confundir política com negócio, destrói a própria ideia de República. Neste fim de semana, manifestações em todo o país — convocadas por partidos de esquerda, sindicatos, movimentos sociais, artistas e estudantes — levarão às ruas a defesa da democracia, da transparência e do Estado de Direito. É o povo lembrando às instituições que o poder emana dele, e não de conchavos de gabinete. Às ruas!
Benedito Tadeu César é cientista político e professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em democracia, partidos políticos, poder e soberania, integra a Coordenação do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e é diretor da RED.




