O Fracasso de uma Guerra Americana

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Por CELSO JAPIASSU*

Trata-se de um país que viveu em guerra por toda a sua história. Agressivo e dominador. Autodenomina-se América, apropriando-se do nome de todo o continente em que se localiza. É o maior consumidor de drogas ilícitas do mundo e as consequências financeiras de saúde pública levaram-no a decretar uma “guerra às drogas” (War on Drugs). O último lance dessa guerra perdida, patrocinado pelo governo Trump, é o bombardeamento de pequenos barcos que estariam, a partir da Venezuela, transportando drogas para o seu território. Alguns dizem que são apenas barcos pesqueiros.

Desde início de setembro de 2025, foi realizada uma série de ataques a embarcações no mar do Caribe, no contexto da chamada “Operation Southern Spear”. Foram 22 operações combinadas no Caribe e Pacífico, com 23 embarcações destruídas e pelo menos 87 mortes.

Dados oficiais atestam que 70,5 milhões de pessoas, ou seja 25 por cento da população com mais de 12 anos, consomem drogas ilícitas nos Estados Unidos. São os maiores consumidores do mundo. Segundo os dados de 2023, 105 mil pessoas morreram nesse ano por overdose. Os números têm crescido.
Os negócios do crime

Há milênios o homem tem procurado escapar da realidade ingerindo substâncias de química tóxica que lhe alteram a percepção. Fazem-no sonhar e pensar que é feliz, criam ilusão de onipotência, melhoram a sua forma de divertir-se e, por fim, matam-no. Ao mesmo tempo as drogas financiam grupos criminosos cuja violência aterroriza e intimida, tornando insuportáveis as várias cidades do mundo em que se abrigam. O narcotráfico, um negócio multinacional que fatura anualmente, em cálculos imprecisos, em torno de 320 bilhões de dólares, é o principal negócio do crime organizado. Ao lado da falsificação de mercadorias e do tráfico humano, do tráfico de petróleo ilegal e do tráfico de vida selvagem, que perfazem os cinco maiores negócios do crime e movimentam 2 trilhões de dólares, pelos cálculos do Escritório da ONU contra Drogas e Crimes. O equivalente a quatro vezes o PIB da Argentina e quase dez vezes o da Colômbia. Não estão incluídos o tráfico de órgãos humanos e o roubo de obras de arte, outros grandes negócios das quadrilhas criminosas.

A cannabis é a droga mais consumida na Europa, com 38% do mercado de varejo e o valor de 9,3 bilhões de euros por ano. Em seguida encontra-se a heroína, com 6,8 bilhões de euros de faturamento, a responsabilidade pelo maior número de mortes e elevados custos sociais. A cocaína está na terceira posição com 5,7 bilhões de euros e o Brasil, mesmo não sendo produtor, é um dos maiores fornecedores. Os estimulantes sintéticos anfetamina, metanfetamina e MDMA, este último mais conhecido como ecstasy, respondem por 1,8 bilhões de euros por ano. Além dessas, mais de 560 novas substâncias foram notificadas desde 2015.

A lavagem de dinheiro ou branqueamento de capitais é também um negócio de enormes proporções, responsável pela introdução de mais de US$1 trilhão anuais nos sistemas financeiros, segundo o Fórum Econômico Mundial. O dinheiro do narcotráfico, uma vez lavado, entra no mercado financeiro internacional. Sustenta bancos e mercados, suborna poderes políticos e policiais, o que torna muito difícil o combate a esse tipo de crime, pois são muitos e variados os interesses que representa, promovendo o sustento de aparatos policiais, jurídicos e políticos. A legalização das drogas, entregando ao Estado o seu comércio e controle, não interessa à complexa organização montada para combatê-las. Uma mercadoria detém o poder da sua procura. Enquanto houver grupos dispostos a comprá-la haverá sempre alguém para vender e nem a lei, a moral vigente ou os costumes são capazes de enfrentar a força de uma mercadoria.

Amsterdam

Só a Europa gasta o que foi estimado em 31 bilhões de euros para comprar drogas ilícitas. Um dossiê organizado pelo governo da Holanda afirma que circulam no país 6,7 bilhões de euros em transações criminosas, a maior parte proveniente do narcotráfico. Amsterdam é um entreposto internacional das drogas. As autoridades dizem que a economia gerada pelo crime organizado tem se tornado incontrolável, cada vez movimenta mais dinheiro e atrai “um exército de jovens delinquentes”, dispostos a praticar assassinatos em troca de alguns milhares de euros. Acrescentam que a cidade está perdendo a luta contra o crime organizado.
O confinamento durante a pandemia do coronavírus acusou uma escassez da oferta das drogas mais populares e o encarecimento dos preços no mercado varejista. A venda online passou a ser usada mais intensamente e os grupos criminosos adaptaram-se rapidamente ao momento de crise. Ao invés do tráfico de rua, promoveram a venda dos seus produtos nas redes sociais e na darknet, com maior utilização dos serviços de entrega em domicílio. Com as ruas desertas e as fronteiras fechadas, a qualidade da droga oferecida aos consumidores diminuiu para fazê-la render mais, o que ocasionou um aumento no número de mortes por overdoses.
Heroína e cocaína são importadas pela Europa. As autoridades revelam temor de que o fentanil, um opioide sintético de 50 a 100 vezes mais poderoso do que a heroína e que responde pela grande maioria de mortes por overdose nos Estados Unidos, torne-se popular na Europa. Está a ser produzido, segundo a polícia, em países do Leste europeu.

A darknet

A polícia da União Europeia, Europol, denuncia que o uso da darknet é uma das principais manifestações da crescente, sofisticada e complexa natureza do crime transnacional no continente. Este uso da internet para fins criminosos conheceu o seu início e se organizou a partir de 2010 e evoluiu ao sabor da melhoria da qualidade das comunicações e das tecnologias de encriptação de dados. Os mercados estabelecidos na darknet, também conhecidos como cryptomarkets, proporcionam uma abrangente e anônima plataforma ao comércio de produtos e serviços ilícitos. Todos os tipos de drogas, inclusive as novas substâncias psicoativas, encontram-se disponíveis mediante alguns cliques para quem tenha um conhecimento técnico básico.

Os websites da darknet são muito semelhantes aos ambientes legais, como eBay e Amazon, por exemplo. A diferença é que são anônimos e utilizam atualizados programas de encriptação. A maioria deles é acessível pelo navegador anônimo Tor e as transações são realizadas em Bitcoin. A polícia conseguiu desmantelar o Alphabay e o Hansa, dois dos maiores mercados virtuais da darknet para a negociação da oferta e da procura dos produtos originados no crime. Comercializavam desde drogas e armas a pornografia e órgãos humanos. Eram também os sites preferenciais das organizações terroristas. O Alphabay Market foi fechado pelo Departamento de Justiça estadunidense em colaboração com as polícias do Canadá e da Tailândia. Seu fundador, o canadense Alexandre Cazes, de 26 anos, suicidou-se na prisão. Já o Hansa Market foi descoberto numa investigação da polícia da Holanda e fechado pela Operação Bayonet, formada em colaboração com as polícias de vários outros países.
Um dos pioneiros e dos mais conhecidos foi o Silk Road Market, lançado em 2011 e fechado pela ação do FBI dos Estados Unidos em 2013, mas logo em seguida foi criado o Silk Market 2.0. Desde então houve a proliferação de sites para esse tipo de comércio com o lançamento de mais de uma centena de novos mercados virtuais à disposição dos negócios do crime.

Um recente relatório da Europol assinala uma crescente complexidade técnica e de organização, assim como a interligação entre os grupos criminosos com especialização cada vez maior. Além disso, a globalização e a tecnologia estão a acelerar o ritmo da evolução e o crescimento do mercado de drogas não só na Europa, mas também em todo o mundo.

A guerra decretada pelos Estados Unidos contra as drogas é uma guerra perdida.


*Celso Japiassu é autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).

Foto de capa: Rebeca Alencar com imagens de Pxhere e Wikimedia Commons

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Respostas de 2

  1. Se cada um cola borar fazendo algo,poderemos sim vencer essa guerra,seu pessimismo,ao chamar de “guerra fracassada” , é uma péssima influência,e atrapalha o trabalho dos esperançosos; talvez isso seja até uma atitude ateísta da sua parte.

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