A Pata Esquerda

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Por CELSO JAPIASSU*

Com o crescimento da extrema direita na Europa, ficou no ar a questão do papel que deveria ser desempenhado pelos sociais-democratas, autodenominados o centro do espectro político.

Eles surgiram como alternativa aos partidos de esquerda, principalmente para fazer frente ao movimento comunista que liderava a causa operária e significava uma poderosa força depois da Segunda Guerra. A ponto de Stalin ter declarado que a social-democracia é a pata esquerda do fascismo. Desde que se organizaram em fins do século XIX nos países da Europa, os sociais-democratas têm sofrido altos e baixos e, nos últimos anos, experimentado derrotas expressivas enquanto fornecem eleitores para o populismo conservador.

Apresentam-se como uma força de centro ou de centro esquerda e procuram ser o fiel da balança entre os radicalismos políticos. Às vezes torna-se difícil identificá-los à primeira vista quando eles se denominam socialistas ou trabalhistas. Têm sido sempre uma alternativa de poder por contar com o eleitor que busca o equilíbrio no panorama político de cada país. Mas na maioria das vezes sua prática é a de somar forças à direita e, dessa forma, contribuir para reforçar a ação reacionária da extrema direita.

É neles, quer se situem no centro, centro-esquerda ou centro-direita, que se abriga a maioria silenciosa de que falou Richard Nixon. Fiéis às suas origens históricas, têm representado uma comporta de contenção aos movimentos de esquerda e apresentam a tendência de apoiar prioritariamente candidatos conservadores.

França e Alemanha

Na França, abrigam-se na sigla do Partido Socialista que, sob a liderança de François Miterrand, conheceu nos anos 1980/1990 os seus melhores momentos no passado recente. Em 2012 teve nova vitória com François Hollande mas, a partir daí, começou sua decadência em direção ao ocaso. Em 2017 Hollande desistiu de concorrer a um segundo mandato. O socialista Benoît Hamond teve pouco mais de 6 por cento dos votos e ficou em quinto lugar entre os candidatos numas eleições que conheceram o crescimento da extrema direita comandada por Marine Le Pen. Atualmente está ocupando um exíguo espaço entre o A República em Marcha, do presidente Emmanuel Macron e a extrema direita representada pelo Reunião Nacional de Le Pen.

O PS francês tem tradição de alinhamento à esquerda. Seu congênere alemão SPD-Partido Social-Democrata da Alemanha tem uma história pendular. É um dos partidos mais antigos do país, sofreu dura perseguição do nazismo e foi obrigado a fazer uma fusão com o partido comunista durante o controle soviético. Historicamente o seu maior rival é o CDU, os democratas-cristãos que conduziram os mandatos de Angela Merkel. O SPD está em crise desde o seu fracasso nas eleições para o Parlamento Europeu. A União Democrata-Cristã (CDU), em aliança com a União Social-Cristã (CSU), venceu as eleições federais de 23 de fevereiro de 2025 com 28,6% dos votos. Essa vitória marcou o fim do governo da coligação liderada pelos social-democratas (SPD), que sofreram uma derrota histórica com apenas 16,4% dos votos.

Suécia e Áustria

Na Suécia foram bem sucedidos nas eleições desde os primeiros anos do Século 20 até a derrota para o conservadorismo da direita, em 2022. Depois da Segunda Guerra Mundial os sociais-democratas suecos criaram um sistema de bem-estar social tido como modelo, o que lhes garantiu força junto aos eleitores. A partir dos anos 1990, este sistema passou a sofrer cortes sob alegação de que ficara caro demais. Os sociais-democratas começaram a perder votos para os populistas de direita que fazem oposição à política migratória liberal do país e que acabaram por conquistar o poder. No país de Greta Thunberg, os verdes também têm perdido apoio para a extrema direita do SD-Democratas Suecos.

O Partido Social-Democrata da Áustria (SPÖ) conheceu grandes sucessos eleitorais até os anos 1990, mas hoje se vê acossado pelos populistas de direita do Partido da Liberdade (FPÖ). Sua história política é marcada pelas coalizões com as forças conservadoras, nem sempre em maioria. Esse comportamento faz os sociais-democratas austríacos perguntarem-se sobre a força da sua imagem, se ela não estaria diluída diante do eleitorado por causa de tantas coalizões que podem levar o eleitor a pensar no SPÖ como um simples partido caudatário de outros atores políticos.

Reino Unido, Espanha e Portugal

No Reino Unido o tradicional Partido Trabalhista foi renovado nos anos 1990 por Tony Blair, mas sua participação na invasão do Iraque sob a falsa alegação da existência de armas de destruição em massa provocou forte perda de prestígio. Os trabalhistas são hoje liderados por Jeremy Corbyn, que defende maior presença do estado, mais impostos para os ricos e a saída do Reino Unido da OTAN. O partido tem experimentado crescimento no eleitorado mais jovem. Depois do errático governo de Boris Johnson, assumiu por um curto tempo Liz Truss, líder do Partido Conservador e que pretendia espelhar-se em Margareth Tatcher, de triste memória. Seu mandato só durou 45 dias. Perdeu o cargo para o atual primeiro-ministro Keir Starmer, líder do Partido Trabalhista, Primeiro-Ministro desde 5 de julho de 2024. Seu governo enfrenta forte desgaste: a avaliação pública é amplamente negativa, com índices de aprovação e confiança em queda ao longo de 2025.

Na Espanha o PSOE venceu as eleições com Pedro Sanchez, que enfrentou grande dificuldade para conseguir a aprovação do parlamento. Governa desde 2018, geralmente em coligação e minoria parlamentar. Tem enfrentado dificuldades para aprovar orçamentos e projetos importantes na legislatura atual. Em 2025, o partido independentista catalão Juntos pela Catalunha rompeu os acordos que viabilizavam o governo, o que tem provocado instabilidade, bloqueios legislativos e crises políticas.

O partido no poder em Portugal é o Partido Social-Democrata (PSD), à frente da coligação AD (Aliança Democrática, PSD/CDS-PP), que lidera o XXV Governo Constitucional chefiado por Luís Montenegro desde junho de 2025. Trata-se de um governo minoritário, que depende de entendimentos parlamentares com o neo-salazarista Chega.

Junto com os democratas-cristãos, os sociais-democratas formam no Parlamento Europeu o PPE-Partido Popular Europeu, de centro direita, com 265 membros. É o maior bloco político e ocupa atualmente a presidência do Conselho Europeu e da Comissão Europeia. A plataforma política que define a ideologia do PPE ressalta valores conservadores como respeito à tradição, economia social de mercado e promoção da família, temas sempre caros à direita e à extrema direita.


Publicado originalmente em InComunidade.

*Celso Japiassu é autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).

Foto de capa: A Europa, historicamente hegemônica na posição de poder, tem interesses em se proteger de culturas marginalizadas que possam penetrar sua bolha |  Kalispera Dell / Wikipedia

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