Oxum, Orixá das Águas Doces, em Festas e Monumentos

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Por EMERSON GIUMBELLI*

Oxum é um orixá feminino associado às águas doces, elemento do panteão de divindades cultuadas por religiões de matriz africana no Brasil. A mitologia em torno desse orixá destaca aspectos como beleza, fertilidade, amor e riqueza. No Rio Grande do Sul, por conta da aproximação com Nossa Senhora da Conceição, ela é festejada em 8 de dezembro. Para além dos aspectos “folclóricos”, a figura de Oxum remete a territorialidades e cosmologias negras que reivindicam espaço na capital gaúcha e em várias outras cidades nas proximidades.

Na Praia de Ipanema, Zona Sul de Porto Alegre, homenagens a Oxum ocorrem desde pelo menos a década de 1980. Na década seguinte, a Afrobrás – Federação das Religiões Afro-Brasileiras, assumiu a organização de uma festa. As primeiras edições ocorreram na região central, próximo ao Gasômetro. Em 1997, a festa se transfere para a Praia de Ipanema, ocorrendo lá todos os anos desde então. Em 1999, foi instalado o monumento com uma imagem da orixá. O ano de 2023 teve dois marcos: a realização da 30a. edição da Festa de Oxum e o tombamento da imagem de Oxum a nível municipal. O pedestal dessa imagem foi atacado no início de 2024. Para a festa daquele ano, houve uma restauração. Em 2025, haverá o pré-lançamento do livro que marca os 32 anos da festa.

Na capital, em 2025, as celebrações estão reforçadas pela realização do Festival de Oxum nos dias 06, 07 e 08 de dezembro. Como parte da programação, ocorrem debates na Casa de Cultura Mário Quintana, abordando as temáticas da ancestralidade, da política climática e territorialidade e da educação ambiental. O Festival foi oficializado por um projeto de lei proposto pelo Coletivo Cuca Congo (PCdoB) e aprovado pela Câmara Municipal de Porto Alegre em 17/11/2025.

Na cidade de Guaíba, uma imagem de Oxum foi instalada na Praia da Alegria nos anos 1970 por iniciativa de uma sacerdotisa que a doou ao município. No início da década de 2000, ganharam força reivindicações pelo restauro da gruta que abrigava a imagem. As reivindicações foram lideradas pela Assobecaty (Associação Beneficente Cultural Africana Templo de Yemanjá), em cuja sede ficou a imagem entre 2008 e 2012. Nesses anos, carreatas conduziam a imagem até a Praia da Alegria para a realização de homenagens. Em 2013, a imagem retornou definitivamente à Praia da Alegria, após a construção de uma nova gruta. Nos anos seguintes, tiveram continuidade os xirês, festividades organizadas pela Assobecaty, sob a liderança de Mãe Carmen de Oxalá, no dia 8 de dezembro (ou data próxima).

Grupos de diversos locais, mesmo de outros municípios, vêm até a Praia da Alegria para participar dessas festividades, em conjunto ou não com a Assobecaty. Um exemplo é a rede encabeçada por Pai Toninho, sacerdote do Centro Africano Ogum e Oxum, localizado em Alvorada. A excursão para a Praia da Alegria ocorre todos os anos desde a década de 1990. O grupo se organiza, freta ônibus e passa a noite na Praia da Alegria, realizando rituais e oferendas. No dia seguinte (geralmente um domingo), após um almoço coletivo, realiza uma procissão até a gruta, onde ocorrem outros rituais. Prestam assim suas homenagens a Oxum e revigoram as energias para as atividades na terreira.

A gruta que abriga a imagem de Oxum doada por Mãe Dalila de Odé ao município já sofreu vários ataques. Os últimos ocorreram em março de 2019, em maio de 2020 e em fevereiro de 2023. Em maio de 2024, o calçamento onde fica a gruta foi afetado pelas enchentes e a Prefeitura retirou a imagem por questões de segurança. Nos últimos anos, a Assobecaty tem enfrentado dificuldades para a organização dos xirês e tem apontado a existência de falhas no processo de tombamento da imagem pelo município. Em 2023, foi aprovada uma lei municipal que institui a Semana da Cultura Evangélica, em data que se sobrepõe ao período dos festejos de Oxum em Guaíba.

Em Tapes, município localizado na margem ocidental da Lagoa dos Patos, a Festa de Oxum é organizada pela Associação de Amigos da Festa da Mãe Oxum de Tapes (AFOT). Essa associação foi criada em 2004 com pessoas que desde 1997 se mobilizavam para homenagens no bairro Pinvest. Em 1999, houve a instalação de uma imagem de Oxum doada no ano anterior. Em 2000, após vandalismo, uma segunda imagem foi instalada na praia do bairro Pinvest. A Festa de Oxum vem sendo realizada todos os anos pela AFOT e faz parte do Calendário Oficial de Eventos do Município.

Há outros pontos de homenagem a Oxum. A Ilha da Pintada, em Porto Alegre, e os municípios de Eldorado do Sul e de Arambaré são alguns exemplos. Mesmo em outras regiões acontecem festejos, como é o caso de São José do Norte, às margens da Lagoa dos Patos, onde neste ano ocorrem a 5ª Festa de Oxum e a inauguração de um monumento. Cada um desses monumentos contribui para dar visibilidade às devoções afro-brasileiras e, ao mesmo tempo, enfrenta o desafio de persistir ileso a ataques e depredações. Cada um deles nos lembra: o Rio Grande do Sul também é negro.

Nota: A maior parte das informações aqui publicadas é resultado do projeto de extensão “Festas de Oxum: Memória e Patrimônio”. Realizado em 2023 e 2024, esse projeto teve como objetivo o mapeamento das homenagens a Oxum que ocorrem em dezembro nas águas doces do Lago Guaíba, Lagoa dos Patos e arredores, com registro de imagens e narrativas que formam sua memória e atenção para sua importância como patrimônio cultural no Rio Grande do Sul. O projeto é uma parceria entre UFRGS (Emerson Giumbelli, Departamento de Antropologia; Fernanda Rechenberg, Departamento de Ciências da Informação), Museu Antropológico do Rio Grande do Sul (MARS) e Associação Beneficente Cultural Africana Templo de Yemanjá (Assobecaty).

Emerson Giumbelli é professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul


*Emerson Giumbelli é professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Foto de capa: IA

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