Por DRA. MARIA SUSANA ARROSA SOARES*
O uso da palavra estupidez na qualificação do comportamento de um indivíduo é pouco frequente dada à associação feita com a ignorância. Ela é considerada pejorativa e ofensiva quando dirigida a um indivíduo percebido como um ignorante ou portador de algum problema psicológico. A estupidez é um tema tabu. Ela não é mencionada, não é estudada e sua existência não é reconhecida. Nega-se a existência de indivíduos estúpidos, atitudes, comportamentos e atos estúpidos. E, mais grave, o indivíduo estúpido não sabe que o é.
A verdadeira estupidez caracteriza-se pela ausência de um conhecimento que deveria possuir-se, ou, mais ainda, que se pretenda conhecer e, além disso não existe no sujeito a preocupação de cobrir tal carência (Enkvist, 2006, tradução nossa, online).
É reduzido o número de obras que abordem o tema da estupidez, apesar de sua longa história. Ela existiu em todas as épocas, em todos os lugares e seu carácter massivo e indestrutível comprovam que se trata de um inimigo que não pode ser vencido. “Na atualidade ele não atingiu um paroxismo generalizado, mas nunca foi tão visível, desinibido, gregário e categórico.” (Marmion, 2021, p. 12).
Com a chegada do nazismo a estupidez se transformou num fenômeno social, detectado pelo pastor luterano, antinazista, Dietrich Bonhoeffer. Dez anos depois da ascensão de Hitler ao poder supremo, em carta dirigida aos seus amigos, na prisão, afirmou: “a estupidez é um inimigo mais perigoso para o bem do que para o mal”, porque o mal pode ser confrontado e exposto e a estupidez se defende dela mesma.
Foi somente no ano de 1976 que se tornou conhecida a obra de Carlo M. Cipolla, historiador econômico ítalo-norte-americano, que pela primeira vez foi estudada cientificamente a estupidez. No livro “As leis básicas da estupidez humana”, o autor afirma: “uma pessoa estúpida é uma pessoa que causa um dano a outra pessoa ou grupo de pessoas sem obter, ao mesmo tempo, benefício para si, ou inclusive obtendo um prejuízo” (Cipolla, 2020, p. 20).
O estúpido não é um ignorante, bandido ou criminoso. Ninguém nasce estúpido; sua atuação é que é estúpida e ele causa danos a outros. “Não se é estúpido em potência.
Se é estúpido no ato” (Ramírez Nárdiz, 2021a, tradução nossa, p. 249). São os atos, os comportamentos, o uso de palavras sem prestar a atenção a seu sentido e seu desinteresse pelo conhecimento que denunciam o estúpido. “Se é estúpido, ao agir” (Ramírez Nárdiz, 2021a, tradução nossa, p. 249). Zombar ou enfrenta-lo é perigoso, pelos danos que pode provocar e por seu poder de contágio político.
A estupidez manifesta-se sob distintas formas, em qualquer âmbito, independe da idade, sexo, nível de instrução, crenças religiosas ou políticas do estúpido. O estúpido sente-se sempre satisfeito consigo mesmo, “chegando a exercer um ‘terrorismo intelectual’ sobre seu entorno porque, nas conversas impõe o irrelevante, salta de temas e continuamente autoelogia-se” (Enkvist, 2006, tradução nossa, online).
A particularidade da estupidez política é o cenário em que ela ocorre e os atores envolvidos. Em estudo realizado pelo pesquisador Alfredo Ramírez Nárdiz ele define a estupidez como:
aquela ação ou conjunto de ações que, realizadas na esfera pública por responsáveis políticos ou grupos de cidadãos ou por ambos, prejudicam a cidadania sem que seus promotores e/ou defensores obtenham um benefício ou, inclusive, sofrendo um prejuízo” (Ramírez Nárdiz, 2021a, tradução nossa, p. 258).
Estúpidos políticos são indivíduos, ocasionalmente no exercício de funções públicas, líderes políticos ou influencers cujas ideias e ações, de forma direta ou indiretamente, possam chegar a provocar danos à cidadania. O estúpido político “realiza uma ação ou um conjunto de ações que não lhe beneficiam que inclusive o prejudicam, e que fazem com que os cidadãos sofram prejuízos” (Ramírez Nárdiz, 2021a, tradução nossa, p. 258). Suas estupidezes prejudicam terceiros e a si próprio.
A ausência de estudos sobre a estupidez por historiadores, cientistas sociais ou analistas políticos causa estranheza, dada a sua irrupção no atual século. Estudos voltados à análise de fatos políticos, em sua quase totalidade, têm como foco as razões políticas ou motivações, econômicas, religiosas, sociais, culturais, históricas dos atores políticos; “mas nunca recorrerão à estupidez como explicação”. (Ramírez Nárdiz, 2021a, tradução nossa, p. 248). Os atores políticos não são responsabilizados pelas nefastas consequências dos projetos políticos dos quais são responsáveis e cujas estupidezes permanecem invisíveis.
Tão relevante quanto identificar a importância do papel da inteligência nas ações opções políticas dos políticos é apontar quão estúpidas elas podem ser e os danos que seu potencial de estupidez pode causar à sociedade.
Comentários
Independentemente de sua condição social, seu nível cultural ou posição política, o estúpido é um indivíduo destituído de credibilidade e socialmente marginalizado, mas sente-se satisfeito consigo mesmo. Não sabendo que é estúpido ele é um perigo para os outros, sem a devida preparação para enfrentá-lo.
O tabu da estupidez inibe seu uso na avaliação das ideias e posições políticas, atitudes ou comportamentos dos indivíduos. Associada à falta de inteligência, à desinformação ou à ignorância do indivíduo, seu uso é considerado ofensivo. Ela é vedada na comunicação ou no confronto com adversários, principalmente no terreno político.
A estupidez exerce um invisível poder na política, mas sua prevenção é difícil; ela adquire visibilidade somente quando o estúpido se manifesta publicamente. O estúpido político, violento na defesa de suas convicções, é incapaz de dimensionar as consequências negativas de suas ações. Elas nem sempre resultam em benefícios próprios, mas sempre prejudicam a terceiros. O estúpido não se interessa pela realidade, nem por dados precisos, não aceita nenhum tipo de esforço e considera-se dono da verdade.
A estupidez não deve ser subestimada. Seu poder de afetar as ações humanas, entre elas as políticas, exige que seja integrada ao âmbito de análise acadêmica. É necessário encontrar respostas a duas perguntas: votantes estúpidos votam políticos estúpidos? ou, líderes políticos estúpidos contagiam o povo com sua estupidez?
Referências
CIPOLLA, Carlo M. As leis fundamentais da estupidez humana. São Paulo: Planeta, 2020.
ENKVIST, Inger. Sobre la estupidez y los estúpidos. Nueva Revista: Sociedad, 29 de maio de 2006. Disponível em: https://www.nuevarevista.net/sobre-la-estupidez-y-los- estupidos/ Acesso em: 20 abr. 2025.
MARMION, Jean-François. A psicologia da estupidez. Não existe um mundo sem idiotas e lidar com eles é um desafio. Tradução de Lonardo Castilhone. São Paulo: Avis Rara, 2021.
RAMIREZ NÁRDIZ, Alfredo. Análisis del rol de la estupidez en la política desde el pensamiento de Cipolla. Los casos británico y catalán. Revista Cuadernos Manuel Giménez Abad, n. 21, junio 2021 (a), pp. 246-263.
RAMIREZ NÁRDIZ, Alfredo. Teoría general de la estupidez política. Barcelona: J. M. Bosch Editor, 2021 (b).
*Maria Susana Arrosa Soares organizou e coordenou o Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais, vinculado ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/ UFRGS.
Foto de capa: IA




