Por ALEXANDRE CRUZ*
A Folha de S.Paulo apresentou seu novo conselho editorial às vésperas de completar 105 anos. O jornal ostenta uma mesa composta por banqueiros, executivos da saúde privada, acadêmicos de prestígio e colunistas da própria casa. É um elenco de credenciais ilustres, nenhum deles alheio ao debate público. Mas, quando se observa o conjunto, o retrato inquieta. Ele reflete menos a pluralidade que o jornal proclama e mais o círculo estreito das elites que moldam suas convicções.
Essa seletividade não é nova. Antes mesmo dessa recomposição, a Folha tratava como consenso econômico aquilo que é, na verdade, disputa política. O jornal abria microfone para um único tipo de economista. Tudo orbitava o receituário liberal, como se o país coubesse inteiro nas planilhas de meia dúzia de vozes repetidas. Foi assim quando Armínio Fraga ganhou espaço generoso para defender o congelamento do salário mínimo por seis anos. Seis anos. Uma proposta que empurra a conta sempre para o pobre.
Naquele 15 de abril, escrevi na Rede Estação Democracia o artigo “Por que só o pobre tem que pagar a conta, Sr. Fraga?”. A Folha de São Paulo, porém, não demonstrou interesse em ouvir a crítica, nem em trazer para sua própria cobertura qualquer economista que desafiasse aquele dogma. Preferiu aplaudir. Preferiu tratar austeridade como ciência, não como escolha. Quando um jornal esquece o contraditório, o debate público desidrata.
A nova composição do conselho editorial tende a aprofundar essa miopia. Uma mesa dominada por representantes do sistema financeiro, da saúde privada, de think tanks liberais e de colunistas que compartilham a mesma moldura ideológica dificilmente produzirá oxigênio. Ela reforça um tom de voz único. Privatização vira modernidade. Reforma administrativa vira obrigação moral. Austeridade se traveste de responsabilidade. Defesa da saúde privada se apresenta como eficiência. Tudo muito elegante. Tudo muito previsível.
A ausência de movimentos sociais, pesquisadores de campo, lideranças populares e economistas que enxergam o país a partir do chão não é acidente. É escolha. E escolhas assim cobram seu preço. Quando só um tipo de país tem assento à mesa, o jornal começa a enxergar apenas uma fração da realidade. A crítica vira eco. A pluralidade, vitrine.
A Folha tem trajetória importante na defesa da democracia. Mas democracia não respira com uma única visão de mundo soprando o ar. Se o jornal deseja honrar seus 105 anos, precisa deslocar o olhar. Precisa abrir a porta para quem vive o Brasil que não aparece nos balanços trimestrais. Não por caridade. Por lucidez. Porque um país desigual não cabe no receituário de poucos, e um jornal que ignora isso deixa de iluminar o futuro e passa a repetir, incansável, o passado.
*Por Alexandre Cruz é jornalista político.
Foto de capa: Reprodução




