Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
As decisões de investimento financeiro deverem ser as menos arriscadas possíveis na economia brasileira. Aqui, o recomendável é investir com a confiança de o Banco Central do Brasil sempre fixar a taxa de juro básica de referência (Selic) bem acima da taxa de inflação. A Autoridade Monetária se justifica por estar no alcance de uma meta de inflação historicamente irrealista.
Nos meus cursos de Educação Financeira para Universitários, no intuito de ensiná-los a fazer uma planejamento de toda a vida financeira até a morte, inclusive o planejamento sucessório, eu apresentava sempre o exemplo do Homem Prudente. Ele não incorre em risco por controlar a ganância de maximizar o retorno.
Afinal, nesta terra abençoada pelo contumaz juro real mais elevado do mundo, existe uma Economia de Endividamento Público e Bancário – e não uma Economia de Mercado de Ações, arriscada por ser baseada em especulações sobre os futuros incertos de seus retornos. Volatilidade do retorno esperado significa risco.
Um estudo de caso recente (bancarrota do Banco Master) ilustra bem essa precaução. Quando um banco de negócios (sem rede de agências e dependente de captação via corretoras parceiras de prestígio) precisa pagar juros muito acima do usual, para captar depósitos a prazo, sua pressão sobre o spread bancário aumenta. Sofre o risco de esmagamento do seu spread: a diferença entre a taxa de juro paga e a taxa de juro recebida.
Isso gera consequências diretas na escolha dos ativos incluídos por ele na sua carteira de títulos ou empréstimos. Exporei aqui o raciocínio passo a passo, com abordagem dinâmica e sistêmica.
Quanto mais caro é captar, mais o banco precisa de ativos com retorno elevado para manter o spread positivo. Isso força uma migração estrutural para ativos de maior risco.
As consequências devem ser vistas na escolha de ativos. Uma captação cara resulta em custo de funding (fontes de financiamento ou estrutura de passivos) elevado. Se o banco paga, por exemplo, 140% do CDI para captar via corretoras, seu custo marginal é alto. A comissão dividida com a corretora, por exemplo, 20% do CDI, eleva ainda mais esse custo, reduzindo o spread disponível. Para manter margem, ele precisa de ativos com retorno acima desse custo de funding. Títulos públicos curtos (baixa duração) não cobrem o custo.
Empréstimos tradicionais também não costumam cobrir, pois são altamente competitivos.
A pressão é por aquisição de ativos “high yield”. São investimentos capazes de oferecerem alto rendimento, como o nome sugere, mas com um risco de crédito mais elevado. Esse risco é refletido em uma classificação de crédito (“rating“) inferior a BBB (S&P) ou Baa (Moody’s), ou seja, grau especulativo.
A carteira tende a migrar para ativos mais arriscados, entre outros: CRIs/CRAs high yield de long duration, risco de crédito do emissor, garantias reais às vezes frágeis. Debêntures de empresas médias oferecem risco corporativo elevado e liquidez baixa. Operações estruturadas (FIDCs, subordinadas) têm retornos altos, mas risco assimétrico. Empréstimos diretos (direct lending) só conseguem para empresas pequenas/médias com maior chance de default.
- CDB “sem risco”: 100% do CDI ~ 14,90% → mensal aproximado: 1,1642%.
- CDB “arriscado”: 140% do CDI; taxa mensal = 1,1642% × 1,40 = 1,6299%
A rentabilidade de 140% do CDI em termos de juros anuais (a.a.) varia de acordo com a taxa CDI atual. Com base na taxa de CDI no dia 22 de novembro de 2025, aproximadamente 14,90% ao ano, 140% do CDI representa cerca de 20,90% a.a..
O cálculo é uma simples multiplicação da porcentagem do CDI pelo valor atual da taxa: taxa do CDI (a.a.): 14,90%; cálculo do risco: 1,40 (equivale a 140%) multiplicado por 14,90%; resultado: 1,40 ×14,90% ≈ 20,90%
Portanto, um investimento ao render 140% do CDI oferece um retorno de aproximadamente 20,90% ao ano (6 pontos percentuais a mais em caso de permanência da taxa CDI), antes da aplicação de Imposto de Renda (IR) regressivo por prazo. Taxa-se ainda com IOF se houver resgate nos primeiros 30 dias.
A taxa do CDI segue de perto a taxa Selic, mas sofre alterações, logo, o valor exato em percentual ao ano muda. Esse percentual muda diariamente, pois a taxa do CDI no mercado interbancário flutua de acordo com a liquidez disponível de bancos doadores para tomadores.
No citado caso arriscado, o risco de duration e de liquidez aumenta. O banco não pode comprar ativos muito líquidos e seguros, pois eles não pagam o retorno necessário. Resultado: aumenta, em sua carteira, a proporção de ativos longos, ilíquidos e arriscados, criando vulnerabilidade em caso de saques.
Há amplificação da sensibilidade ao ciclo econômico. Se a economia desacelera, a probabilidade de inadimplência em high yield sobe. O banco, captando caro, não tem “colchão” (margem) para amortecer perdas. Pequenas perdas se transformam rapidamente em erosão de capital.
O spread bancário de um banco assim fica preso em um ciclo dinâmico, isto é, variável ao longo do tempo: captação cara ⟶ obrigação de buscar ativos de alto retorno ⟶ aumento do risco de crédito ⟶ aumento da probabilidade de perdas ⟶ redução do patrimônio ⟶ risco percebido maior pelo mercado ⟶ ainda mais caro captar depósitos ⟶ feedback pró-cíclico negativo. É um loop de risco endógeno.
Há três consequências estruturais fundamentais.
A primeira é a concentração da carteira em ativos high yield não ser escolha voluntária, mas sim imposição do modelo de captação.
A segunda é a perda de resiliência pela volatilidade do lucro crescer muito: o banco fica vulnerável a choques.
Finalmente, devido à pro-ciclicidade extrema nos ciclos ruins, a inadimplência destrói o spread. Nos ciclos bons, o lucro sobe, mas ainda assim de maneira frágil, pois depende de risco elevado.
Tudo é possível de ser resumido em uma frase: quando o funding (estrutura de passivos) é caro, o banco é empurrado para adquirir ativos arriscados — e sua margem deixa de ser “uma escolha” e passa a ser “uma corrida à alta relação retorno/risco para compensar”.
*Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.
Foto de capa: Shutterstock




